Um olhar sociológico sobre a vida com Ataxia, com Marcelo Brice

Nesta segunda-feira, o Jornal Opção publicou uma matéria sobre a empresa farmacêutica que desenvolveu um medicamento inédito para ataxias. No texto, menciona-se a família de Marcelo Brice, professor de sociologia da Universidade Federal do Tocantins (UFT), que tem a doença genética.

Coincidência ou não, a publicação do estudo se deu na semana em que celebram o Dia Internacional de Conscientização da Ataxia: 25 de setembro. A ataxia é uma doença que causa dificuldade de manter a coordenação motora e a perda da coordenação, principalmente dos movimentos voluntários.

A ataxia pode ser crônica e progressiva, quando é genética; ou aguda, quando ocorre em menos de 72 horas em pessoas que até então estavam saudáveis. Além disso, também é sintoma de outras questões neurológicas.

Para compreender melhor como a ataxia afeta o seu portador, Marcelo Brice relata sua experiência pessoal. Afinal, como mestre e doutor em sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com pós doutorado em Lisboa sobre Machado de Assis, que atua como professor da UFT, Marcelo tem uma visão ampla e bem entendida sobre o cenário atual das pessoas com ataxias.

Vida e expectativa de Marcelo Brice

Foto: Arquivo pessoal / Marcelo Brice

Marcelo Brice cresceu no Conjunto Itatiaia, em Goiânia, onde seu pai, professor Reinaldo Pantaleão, vive até hoje. Brice atuou por cinco anos em escolas privadas, e está a mais de 10 anos UFT.

Ele relata que quando tinha cerca de 11 anos de idade, a mãe apresentou os primeiros sintomas da doença. “A doença afetou ela muito cedo, ela teve o diagnóstico em 93 ou 94, e morreu em 2010”, relata o professor.

Ele explica que a doença tem uma carga emocional significativa, sendo um de seus sintomas a depressão. No mesmo período em que faleceu a matriarca da família, o irmão de Marcelo recebeu o próprio diagnóstico. O professor de filosofia, irmão do professor de sociologia e filho do professor de história, faleceu em 2021, pouco mais de 10 anos após o diagnóstico.

E assim, como a partida da mãe também afetou seu irmão. Marcelo recebeu um forte impacto ao perder o irmão. “Logo que o meu irmão faleceu, a doença chegou para mim”. Ele compartilha que tinha medo e tentou ao máximo procrastinar o próprio diagnóstico. Sua irmã, por outro lado, optou por realizar um exame genético em que constatou a doença.

“Eu não acreditava que uma tragédia dessa me acometeria, mas acometeu, então, eu e minha irmã queremos fazer diferente do que fizeram o meu irmão e minha mãe. O meu irmão reagiu muito mal, se afastando das pessoas, negando a doença”, disse o pós-doutor em sociologia.

Marcelo ainda relata que quando seu irmão faleceu, era o mesmo mês em que ele iria para a sua pós-graduação em Lisboa, por isso, ele optou por adiar em um mês seus estudos fora do país. “Lá eu vivi o início da progressão da doença, que agora está mais intensa. É complicado, cansa muito, é sufocante, até porque tem várias coisas que você fazia antes e não consegue mais fazer”.

Sobre a Ataxia

Foto: Arquivo pessoal / Marcelo Brice

Os mantras dos atáxicos, segundo Marcelo, são: “quem tem ataxia, tem pressa” e “quem tem ataxia, existe”. A ataxia é uma doença que costuma ser hereditária, neurodegenerativa e progressiva. Portanto, ela vai piorando a condição motora da pessoa, então viver com essa doença é complexo porque o paciente vai perdendo a autonomia.

“Até a capacidade de adaptação é restrita, porque quando você aprende algo, em pouco tempo deixa de servir. Por exemplo, eu comecei a andar com a bengala e logo depois precisei ir para o andador, o padrão é depois ir para a cadeira e para a cama. Essa meio que é a regra. O atáxico precisa estar passando sempre por uma adaptação nova na vida”, explica.

Marcelo destaca que as doenças raras não podem ser invisibilizadas pela sociedade, porque as pessoas ainda não sabem lidar com as deficiências e dificuldades do próximo. E lidar com isso é extremamente importante, “porque as pessoas precisam entender que os doentes não são uma escória na sociedade”.

Ele também ressalta que a cidade não está preparada para receber as pessoas que de fato dependem dela. “Eu quero continuar andando pela cidade, mas ela não adota medidas urbanísticas para me receber”.

Segundo Marcelo Brice, agora está um pouco mais difícil para falar, mas ainda assim, ele é totalmente capaz de desenvolver conversas, e apresentou recentemente os resultados do seu pós-doutorado na universidade onde leciona.

“Essa não é uma doença que vai afetar minha cognição ou intelecto, mas atrapalha os músculos fonoaudiológicos. Então, até por isso, eu acredito que minha escrita é melhor do que a minha fala”, relata sobre sua experiência pessoal.

Políticas, pesquisas e empresas da Saúde

Marcelo Brice, pós-doutor em sociologia e professor da UFT | Foto: Arquivo pessoal / Marcelo Brice

“O estudo é muito importante, já é um avanço, mas é muito difícil imaginar que isso vai chegar até ponta, que sou eu. Até porque, agora a empresa vão buscar o órgão de regulação americano, a FDA. Depois disso, os laboratórios precisam aprovar o medicamento nos órgãos da Europa e a Anvisa, aqui no Brasil”.

De acordo com Brice, o estudo é importante porque dá vazão para uma série de possibilidades, porque essa é uma doença que afeta a síntese proteica do DNA, e essa síntese organiza os genes para se conectarem aos neurônios, por isso a comunicação dos nervos é afetada.

“É interessante pensar que esse estudo abre a possibilidade para outras tantas coisas. Até porque, sabemos que sem pesquisa e sem dinheiro é impossível”.

Marcelo compartilha que essa doença deixa a pessoa em condições motoras muito delicadas. E o diagnóstico pode demorar, porque a ataxia se assemelha nos sintomas com a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), que afetou o físico Stephen Hawking. “Até por isso a ELA já tem mais recursos, estudos e afins. No caso da ataxia, por ser pouco conhecida, não está sequer entre as doenças que dão direito a aposentadoria”.

E ele concorda que a mera existência do estudo é muito significativo, “porque mostra que a ciência precisa desenvolver pesquisas e precisam compartilhar essas pesquisas com as pessoas”. Entretanto, por ser uma doença rara, ele também acredita que os laboratórios não se interessem pela baixa lucratividade.

“Porque a vacinação foi tão rápida em relação a pandemia? Porque tomou o mundo inteiro e todos estavam sujeitos. Como não tem pandemia de ataxia, é mais difícil desenvolver isso”, afirmou firmemente o professor.

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