A ultradireita de volta ao poder

A vitória de Donald Trump nas eleições de 2024, consolidada de forma expressiva, marca um novo capítulo na ascensão da ultradireita nos Estados Unidos — e, por extensão, no cenário global. Como um reflexo do que aconteceu no Brasil, com a ascensão de Jair Bolsonaro, e em vários outros países onde o populismo de direita tem ganhado força, a eleição de Trump não deve ser vista como um episódio isolado, mas como parte de uma onda que tem mudado a configuração política mundial, alimentando-se de tensões identitárias, nacionalismo e discurso de ódio.

A principal característica dessa onda é a normalização de um discurso de divisão, onde a retórica de patriotismo se mistura com o ódio aos outros — sejam imigrantes, minorias ou até aqueles considerados inimigos ideológicos. Trump, um mestre em explorar as fissuras da sociedade americana, conseguiu mobilizar uma base de eleitores que sente medo da perda de seu status econômico e cultural, muitas vezes alimentado pela imagem do “outro”, seja o imigrante latino, o negro ou o europeu, como ameaça.

O crescimento de sua popularidade entre eleitores de classe média baixa e brancos sem ensino superior mostra como a retórica de Trump encontrou eco em uma parcela do eleitorado que se sente negligenciada e até desvalorizada pela elite política.

O uso de temas identitários, como a luta contra o aborto e a repressão à imigração ilegal, teve um papel fundamental nessa vitória. Ao focar nesses temas, Trump capturou eleitores que, embora historicamente inclinados ao Partido Democrata, foram atraídos por seu discurso conservador e nacionalista. Isso é evidente na ascensão do apoio latino ao republicano, em uma reviravolta que provavelmente será mais comentada nas análises futuras.

A mobilização contra o aborto, especialmente, se mostrou um tema de grande importância para muitos eleitores, ao ponto de eclipsar as questões econômicas, que estavam aparentemente resolvidas sob a administração Biden, mas cujos efeitos negativos de curto prazo ainda pesam na memória do eleitorado.

Ainda assim, uma das maiores lições que a vitória de Trump deixa é sobre a fragilidade das democracias contemporâneas. Em sua campanha, Trump foi claro em seu desprezo pelas instituições democráticas que o desafiaram durante seu primeiro mandato, e suas declarações sobre a possibilidade de reverter o resultado das urnas se não fosse eleito sugerem uma continuidade do ataque à ordem democrática.

Isso não é um fenômeno isolado, mas parte de uma tendência mais ampla em que líderes populistas, ao redor do mundo, tem se mostrado dispostos a minar o sistema judicial e enfraquecer as instituições para consolidar seu poder. O STF brasileiro, por exemplo, teme que um governo Trump possa acionar sanções contra membros da corte, como já ocorreu com as ameaças contra Alexandre de Moraes, como forma de retaliação política.

O perigo dessa ascensão populista é que ela não é apenas uma ameaça à estabilidade política interna dos países, mas também coloca em risco a coesão global. A retórica de Trump, voltada para um nacionalismo fechado e xenófobo, tende a enfraquecer alianças internacionais e exacerbar conflitos, como o que vemos em sua postura frente à guerra na Ucrânia, à qual promete pôr fim. Em um momento em que o mundo precisa de mais cooperação e solidariedade, Trump representa uma visão isolacionista, que ignora as interconexões globais em favor de uma política de primeiro os americanos — e na prática, “primeiro os brancos”.

Em sua vitória, Trump também demonstrou como o populismo não precisa ser coeso ou coerente para ter sucesso. A falta de uma agenda econômica sólida, a incoerência em suas promessas de políticas externas e a retórica agressiva contra o “inimigo interno” foram suficientes para angariar apoio de amplos setores da população que, por desilusão ou medo, optaram por um discurso de combate, ao invés de construção de consenso.

Essa vitória, então, não é apenas uma derrota para os democratas, mas também um alerta para todos os defensores da democracia: ela não é um bem garantido, e as instituições precisam se fortalecer diante de ataques cada vez mais visíveis e poderosos.

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