Sob protestos, CCJ aprova PEC que proíbe o aborto em todos os casos

Em uma decisão que promete reverberar no cenário político e social brasileiro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, 27 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe o aborto em todos os casos, incluindo aqueles atualmente permitidos por lei, como estupro, risco de vida para a gestante e anencefalia. A medida, que avançou por 35 votos a 15, ainda precisa passar por uma comissão especial e pelos plenários da Câmara e do Senado antes de se tornar lei.

Atualmente, o aborto no Brasil é legal apenas em situações específicas: gravidez resultante de violência sexual, risco iminente à vida da mulher e casos de anencefalia. Essas permissões, amparadas pelo Código Penal e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), seriam eliminadas caso a PEC seja aprovada. O texto propõe alterar a Constituição, incluindo a frase “desde a concepção” no artigo que assegura a inviolabilidade do direito à vida.

Para Eduardo Cunha, ex-deputado e autor da proposta, a proteção à vida deve começar desde a concepção. “A vida não se inicia com o nascimento e sim com a concepção. Na medida desse conceito, as garantias da inviolabilidade do direito à vida têm que ser estendidas aos fetos, colocando a discussão na posição em que deve ser colocada”, argumentou em sua justificativa.

Reação acalorada e protestos durante a sessão

A votação na CCJ foi marcada por protestos intensos. Manifestantes contrários à proposta invadiram a sessão gritando palavras de ordem, como “criança não é mãe, estuprador não é pai”, e exigindo a retirada da PEC de pauta. A presidente do colegiado, deputada Caroline de Toni (PL-SC), solicitou a retirada dos manifestantes pela segurança da Casa, interrompendo a sessão temporariamente.

Durante o tumulto, a deputada Simone Marquetto (MDB-SP) tentou “apaziguar os ânimos” convidando os colegas a rezar uma Ave Maria, sendo acompanhada pela relatora da proposta, Chris Tonietto (PL-RJ). Tonietto rebateu as críticas dos manifestantes, afirmando que “essa militância vocifera, grita, mas não tem racionalidade para rebater o que eu estou falando. Eu estou falando de fatos, eu não estou falando de invencionice jurídica”.

Caminho legislativo da PEC

Com a admissibilidade aprovada pela CCJ, a PEC segue para análise em uma comissão especial que terá 40 sessões para discutir o mérito da proposta. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), terá o poder de pautar a votação no plenário a qualquer momento. Para ser aprovada, a proposta precisará de pelo menos 308 votos favoráveis na Câmara e, posteriormente, de 49 votos no Senado.

Se aprovada em todas as etapas, a PEC poderá mudar o cenário legal, restringindo direitos reprodutivos e tornando o Brasil um dos países com legislações mais rígidas sobre o aborto.

Polarização política e religiosa

A votação destacou a polarização política e religiosa entre os parlamentares. A CCJ, presidida por Caroline de Toni, conta com diversos membros conservadores, muitos deles aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, como Bia Kicis (PL-DF) e Pastor Marco Feliciano (PL-SP).

A base governista, por sua vez, tentou adiar a votação por meio de pedidos de vista e de retirada de pauta, mas foi derrotada. Deputados da oposição criticaram a PEC, argumentando que ela representa um retrocesso nos direitos das mulheres. “É de uma profunda crueldade. Porque nós temos três provisões de interrupção legal na gravidez, uma delas diz respeito às mulheres vítimas de violência”, afirmou a deputada Erika Kokay (PT-DF).

Goiás e os desdobramentos locais

O avanço da PEC do aborto ecoa de maneira particular em Goiás, estado que possui uma história emblemática no debate. A deputada federal Lêda Borges (PSDB-GO) destacou-se ao ser a única parlamentar do estado a se posicionar a favor do endurecimento das leis sobre aborto desde junho, quando afirmou seu apoio ao Projeto de Lei 1904/2024. Com isso, o apoio de Lêda reforça a convergência entre a PEC aprovada na CCJ e o Projeto de Lei (PL) 1904/24, que propõe equiparar o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio.

Goiás já foi palco de um caso que expôs as consequências da ausência de políticas públicas de proteção a vítimas de violência sexual. Em 1998, o caso de uma menina de 10 anos, identificada pelas iniciais CBS, gerou comoção nacional. Após ser estuprada repetidamente por dois vizinhos, ela engravidou e enfrentou uma batalha judicial para interromper a gravidez. Na época, a família da criança foi alvo de represálias, enquanto lideranças locais, incluindo religiosos e promotores, tentaram barrar o procedimento.

O caso de CBS foi citado como embasamento no PL 1904/24, que busca endurecer as penalidades para casos de aborto em estágio avançado da gestação, mesmo em situações de estupro. 

Impacto social e legal

Especialistas alertam que, caso aprovada, a PEC poderá gerar graves consequências para a saúde pública. O fim das permissões legais para o aborto forçaria mulheres a recorrerem a métodos clandestinos e inseguros, aumentando os riscos de complicações médicas e mortes.

Além disso, a proposta poderia abrir espaço para questionamentos legais sobre outros direitos reprodutivos e tratamentos médicos, como o uso de anticoncepcionais de emergência e técnicas de reprodução assistida.

Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal já discutiu a descriminalização do aborto em casos de até 12 semanas de gestação, mas o julgamento foi suspenso no ano passado. O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, declarou que criminalizar o aborto é uma “péssima política pública” e que a questão deveria ser tratada pelo Congresso Nacional.

Veja abaixo como votaram os deputados na CCJ:

A favor da PEC:

  • Caroline de Toni (PL-SC)
  • Chris Tonietto (PL-RJ)
  • Coronel Fernanda (PL-MT)
  • Del. Éder Mauro (PL-PA)
  • Delegado Ramagem (PL-RJ)
  • Dr. Jaziel (PL-CE)
  • Fernando Rodolfo (PL-PE)
  • Julia Zanatta (PL-SC)
  • Luiz P.O Bragança (PL-SP)
  • Marcos Pollon (PL-MS)
  • Pastor Marco Feliciano (PL-SP)
  • Delegado Bilynskyj (PL-SP)
  • Marcel van Hattem (Novo-RS)
  • Flávio Nogueira (PT-PI)
  • Alfredo Gaspar (União-AL)
  • Fernanda Pessôa (União-CE)
  • Nicoletti (União-RR)
  • Benes Leocádio (União-RN)
  • Dani Cunha (União-RJ)
  • Delegado Marcelo (União-MG)
  • Rafael Simões (União-MG)
  • Juarez Costa (MDB-MT)
  • Cobalchini (MDB-SC)
  • Simone Marquetto (MDB-SP)
  • Cezinha Madureira (PSD-SP)
  • Delegada Katarina (PSD-SE)
  • Luiz Gastão (PSD-CE)
  • Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR)
  • Marcelo Crivella (Republicanos-RJ)
  • Ricardo Ayres (Republicanos-TO)
  • Roberto Duarte (Republicanos-AC)
  • Diego Garcia (Republicanos-PR)
  • Mauricio Marcon (Pode-RS)
  • Gilson Daniel (Pode-ES)
  • Coronel Assis (União-MT)

Contra a PEC

  • Bacelar (PV-BA)
  • Helder Salomão (PT-ES)
  • José Guimarães (PT-CE)
  • Luiz Couto (PT-PB)
  • Orlando Silva (PCdoB-SP)
  • Patrus Ananias (PT-MG)
  • Renildo Calheiros (PCdoB-PE)
  • Erika Kokay (PT-DF)
  • Dandara (PT-MG)
  • Elcione Barbalho (MDB-PA)
  • Laura Carneiro (PSD-RJ)
  • Gisela Simona (União-MT)
  • Waldemar Oliveira (Avante-PE)
  • Célia Xakriabá (PSOL-MG)
  • Chico Alencar (PSOL-RJ)

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