Com cenário de contaminação, peixes do Rio Araguaia ganham reprodução em laboratório

Cortando quase todo o Estado de Goiás, além de outros 3 municípios brasileiros, o Rio Araguaia é celebrado por sua diversidade, beleza e importância econômica. Para a população indígena e ribeirinha de Goiás, o rio costumava ser fonte de subsistência. Porém, nos últimos meses, como noticiado pelo Jornal Opção, em alguns pontos, os animais sumiram e, em outros, apareceram mortos.

O desmatamento provocado por uma parcela do agronegócio, a contaminação das águas e fenômenos naturais como o El Niño têm contribuído para tornar o clima cada vez mais hostil à fauna e flora. No primeiro trimestre, o Araguaia ficou 3 metros abaixo do nível normal. A situação torna mais difícil a navegação de embarcações e desequilibra a fauna aquática.

Além disso, as regiões de praia aumentaram, com areia mais escura e águas com lodo. Entre 1987 e 2019, o rio perdeu quase 40% da área. Para 2030, a projeção é de 50%, caso a situação não mude, segundo apontou a Universidade de Brasília (UnB).

Conforme divulgado pela revista Veja, durante a chamada ‘piracema”’ – período entre outubro e dezembro, quando os peixes migram para se reproduzir -, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) realizaram uma importante ação. Liderados pela professora Fernanda Torres, eles capturaram espécies nativas em córregos próximos e promoveram sua fertilização em laboratório. O processo resultou no lançamento de um cardume de cerca 18 mil peixes juvenis de pacu-manteiga em lagos e tanques no final de fevereiro.

Pouco depois do repovoamento dos peixes, profissionais de pesca encontraram peixes mortos boiando no Rio Vermelho e no Araguaia, por dois dias consecutivos. Diante dessa situação, os especialistas rapidamente organizaram um comitê de crise para investigar e lidar com o problema. “Percorremos mais de 200 quilômetros e encontramos pontos quase sem oxigênio”, disse o pesquisador Ludgero Vieira, professor da UnB, à revista.

O rio Araguaia é um importante curso d’água que perpassa os estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará. Sua nascente está localizada nos altiplanos que demarcam a fronteira entre os estados de Goiás e Mato Grosso, especificamente na Serra do Caiapó, próxima ao Parque Nacional das Emas, no município de Mineiros, em Goiás.

Localizado em territórios dos povos indígenas Karajás, as águas do rio receberam a primeira ação de repovoamento com espécies nativas. O peixamento foi realizado numa parceria entre a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e a UFG, inserindo cerca de 50 mil alevinos das espécies nativas piau-vara ( Schizodon vittatu s) e pacu manteiga ( Mylossoma aureum).

O peixamento foi realizado em fevereiro de 2024. | Foto: Governo Federal

Ministério Público de Goiás diz investigar

O Ministério Público de Goiás (MPGO) disse ter solicitado uma série de providências a órgãos de proteção ambiental para que apurem a causa da atípica mortandade de peixes no Rio Vermelho, afluente do Rio Araguaia, em Aruanã. Conforme apontado pelo promotor de Justiça Leonardo Maciel Moreira, a situação foi noticiada na imprensa e em vídeos que circulam nas redes sociais. Em um dos vídeos é possível ouvir quando a pessoa fala que os peixes estão morrendo no Porto da Aba. A pessoa que está gravando o vídeo diz que todo ano durante a colheita de soja o rio fica contaminado.

Assim, o MP encaminhou à Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema) e ao Instituto de Criminalística Leonardo Rodrigues para que apurem crime contra o meio ambiente. Também foram solicitadas a coleta e análise da água e da ictiofauna (conjunto das espécies de peixes que existem numa determinada região), com o objetivo de verificar a causa da morte dos peixes. A coleta e análise do material para a apuração dos fatos também foram solicitadas à UFG, à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e à Saneago.

A Secretaria de Meio Ambiente do município de Aruanã deve prestar esclarecimentos sobre o caso. Também foi requerido à Polícia Ambiental o reforço no patrulhamento na região e informações sobre possíveis fatos que possam ter ocasionado tal mortandade, especialmente se foi constatado algum despejo irregular de efluentes às margens do Rio Araguaia e seus afluentes.

Por cautela, foi solicitada também a coleta de exemplares de espécimes mortas de peixes e que elas sejam conservadas em temperatura abaixo da fusão de gelo. O objetivo é utilizá-las como amostra para as perícias solicitadas, em caso de demora dos demais órgãos e institutos acionados para a coleta e análise da ictiofauna.

Segundo a companhia de abastecimento de água, Saneago, as análises bacteriológicas, físico-químicas, de presença de agrotóxicos e de presença de metais estão sendo processadas e os resultados serão encaminhados assim que forem disponibilizados pelos laboratórios Regional da Cidade de Goiás e Central, em Goiânia (veja nota completa ao final).

Em resposta, a Semad disse ter encontrado “baixo grau de oxigênio dissolvido em pontos do Rio”. Confira a nota completa abaixo.

Nota da Semad na íntegra

A Semad mediu o oxigênio dissolvido em quatro pontos na região do Rio Vermelho, até o seu encontro com o Rio Araguaia. Detectou concentrações menores do que 3 mg/L em três deles, o que é considerado muito baixo. A resolução 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece 5 mg/L como limite mínimo tolerável para a proteção da vida aquática.

A hipótese mais provável é a de que tenha havido aumento na quantidade de matéria orgânica despejada no rio. A causa pode estar relacionada, por exemplo, à decomposição de matéria orgânica, que pode chegar aos rios de forma natural ou por meio da ação humana.

Também foram constatados níveis de turbidez acima do limite estabelecido pela resolução do Conama em dois pontos de medição: no rio Araguaia, acima da foz do Rio Vermelho e no Araguaia, abaixo da foz do Rio Vermelho.

A Semad vai continuar a analisar as amostras de água coletadas durante inspeção na região e a buscar as fontes poluidoras, a fim de estabelecer com mais clareza a causa da morte dos animais, e tomar providências para evitar que o problema volte a acontecer na região.

Água mais contaminada do Brasil

No fim de 2023, o Ministério da Saúde (MS) havia dito que o município de Aruanã, cortado pelas águas do Rio Araguaia, possuia a água mais contaminada do Brasil. De acordo com o MS, foram realizados 17 testes que apontaram agrotóxicos perigosos acima do limite de segurança nas águas do município. Posteriormente, em nota, a Prefeitura de Aruanã e a Saneago disseram que houve um erro de digitação na planilha do Ministério. No Estado de Goiás, Damolândia e Rio Verde também aparecem na lista de municípios com água contaminada.

Após Damoândia e Rio Verde, cada uma com um teste acima do limite, aparecem as cidades de Paulistas (MG), com 4; Monte Mor (SP), com 3; e Itirapina (SP), Ibertioga (MG), Mococa (SP), Ipuã (SP) e Colina (SP), todas com 2. O agrotóxico com mais testes acima do limite foi o endrin, com dez registros em municípios de Goiás, Minas Gerais, Tocantins e São Paulo.

A substância, cujo uso é proibido no Brasil, pode afetar o sistema nervoso, causando tremores e convulsões, segundo estudos realizados em animais. Na sequência aparece o aldrin, também proibido no país. Esse agrotóxico é considerado um Poluente Orgânico Persistente, pois não se degrada facilmente e se acumula em tecidos dos organismos vivos.

Com relação à saúde, o aldrin é classificado como “provavelmente cancerígeno” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS). Como seu uso é vetado no Brasil há mais de duas décadas, sua presença na água pode ser justificada por dois fatores: a entrada ilegal no país, por contrabando, ou pela presença persistente no meio ambiente.

A Saneago alegou que os agrotóxicos foram identificados nos exames, porém, em concentrações dentro dos limites permitidos por lei e, portanto, sem riscos para a população. A empresa disse ainda que houve erro de digitação no preenchimento da planilha do Ministério da Saúde e que os dados divulgados na plataforma apresentam “equívocos”, pois estão acima dos resultados encontrados pela companhia de abastecimento. A Saneago informou que há “total garantia da segurança da água tratada distribuída no município”.

As empresas de abastecimento de água são responsáveis por realizar os testes e publicar os resultados no Sisagua. Cabe aos municípios, estados e ao próprio ministério fiscalizar os casos e cobrar das empresas medidas para impedir que as substâncias ultrapassem os limites fixados. 

Rio Araguaia | Foto: Rodrigo Queiroz / TWRA

Nota da Saneago na íntegra

A Saneago é uma das usuárias da bacia, sendo responsável pelo abastecimento público, cujo sistema está operando dentro da normalidade nos municípios próximo ao local. Informações sobre a qualidade da água bruta (água do manancial) devem ser verificadas com os órgãos ambientais.

Na última segunda-feira (04), após tomar conhecimento da mortandade dos peixes no Rio Vermelho, equipes técnicas da Saneago, junto com equipes da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e Delegacia Estadual do Meio Ambiente (Dema)  realizaram coletas de água em locais a montante e a jusante dos pontos de captação de água bruta no Rio Vermelho e de lançamento de efluente tratado das Estações de Tratamento de Esgoto de Aruanã e de Britânia, nos rios Araguaia e Vermelho, respectivamente.

As análises bacteriológicas, físico-químicas, de presença de agrotóxicos e de presença de metais estão sendo processadas e os resultados serão encaminhados assim que forem disponibilizados pelos laboratórios Regional da Cidade de Goiás e Central, em Goiânia. 

A Companhia informa que realiza análises de qualidade da água bruta captada diariamente, com algumas análises sendo feitas a cada duas horas para garantir que a água tratada e distribuída à população esteja dentro dos padrões exigidos pela legislação vigente.

Araguaia Vivo 2030

O programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA/FAPEG, lançado em 2023, tem por objetivo levantar informações sobre os múltiplos aspectos ambientais e socioeconômicos da região do Araguaia, utilizando metodologias e abordagens inovadoras que permitam uma avaliação integrada da situação do rio, a fim de propor soluções e estratégias para sua conservação e uso sustentável. Procura-se também estreitar a interação e a comunicação com os tomadores de decisão, gestores, empresários, agricultores e a sociedade como um todo, trazendo-os para o processo de construção de um programa participativo, dirimindo assim os conflitos e pacificando as ações visando o bem comum, que é a preservação dos serviços ecossistêmicos do Rio Araguaia para as gerações futuras.

O programa é resultado de uma parceria entre a “Aliança Tropical de Pesquisa da Água” (“Tropical Water Research Alliance”, a TWRA) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), contando também com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio de outros programas e projetos associados, incluindo o Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia (INCT) em “Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade” e o Programa de Pesquisa em Biodiversidade (“PPBio Araguaia”).

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