Início do governo Caiado ensina que compensa ter paciência durante período de ajustes 

Todo novo governo, quando não é continuidade do anterior, dedica seus primeiros dias a fazer um esclarecimento: as coisas estão como estão por culpa de outro. A explicação é natural; afinal, se o governante recém-empossado discorda do status quo, é necessário justificar as mudanças que frequentemente são custosas e traumáticas. Existe aqui uma armadilha — o governante pode confundir o motivo de distinguir-se do antecessor com o objetivo do próprio governo. Assim, muitos se esquecem de governar e dedicam seus primeiros esforços a perseguir aquele que já deixou o cargo. 

Essa armadilha era um caminho fácil para Sandro Mabel (UB), que está sucedendo em Goiânia o prefeito mais mal avaliado da história desde a redemocratização. Quanto mais complicada a situação, mais tentador é lamentá-la, em vez de tentar resolvê-la. É um alívio perceber que Mabel parece ter evitado esse atalho que não leva à lugar algum. Na quinta-feira, 2, quando assinou um pacote de 12 decretos com o objetivo principal de sanear as finanças da capital, o governo Rogério Cruz (SD) figurou apenas como razão subjacente da dívida estimada em R$ 2,5 bilhões, e não mais como objeto de debate. 

É um primeiro acerto que aponta para um bom caminho, mas não torna as mudanças inevitáveis menos custosas e traumáticas. Os próximos meses serão difíceis para Goiânia — árduos do ponto de vista financeiro e também da comunicação. Parte da imprensa subsiste das chamas no circo; e podemos esperar incêndio. Mas convém olhar para o passado e entender que a temperança em tempos turbulentos acaba pagando dobrado, e que vale a pena ser paciente quando as recompensas não são imediatas. 

O governo de Ronaldo Caiado (UB) é hoje quase uma unanimidade. O governador de Goiás é o mais bem avaliado do Brasil. Tem 84,3% de aprovação, segundo levantamento de dezembro de 2024 da Paraná Pesquisas; aprovação de 75% segundo a AtlasIntel divulgada em agosto; 80% de aprovação em Goiânia segundo o Opção Pesquisas de setembro; entre outras. Mas não foi sempre assim. 

O Jornal Opção cobriu as dificuldades dos primeiros dias do governo, como dívidas bilionárias (a dívida imediata herdada era de R$ 3,4 bilhões e o déficit total era de R$ 6,1 bilhões); preocupação do setor produtivo com a manutenção dos incentivos fiscais em cenário de corte de gastos (o setor hoje apoia o governador justamente por sua atuação em defesa dos incentivos na reforma tributária); uma enorme onda de violência assolou Goiânia. Hoje, é fácil se esquecer, mas três cabeças decapitadas foram encontradas em Goiânia em Janeiro de 2019. Desde então, a redução do número de homicídios foi de 56% e a segurança pública se tornou a área de maior aprovação do governo. 

Em março de 2019, Jornal Opção publicou um editorial rebatendo “críticas injustas” dos imediatistas, ao mesmo tempo em que recomendava mais otimismo ao governador: “Apesar da pressa da sociedade, que não é necessariamente influenciada pela oposição, o gestor Ronaldo Caiado precisa de um pouco mais de tempo antes de ser avaliado com excessivo rigor. É notório que está tentando ajustar o governo. […] O governo deve assumir que há uma crise. Mas, como se disse antes, não se vive sem esperança e, ao mesmo tempo, sem realismo.”

Naquela época, era difícil prever como estaria Goiás em 2024, mas já era possível identificar quais valores guiavam o governo e era possível avaliar tecnicamente as escolhas do Estado. Ninguém celebra o remédio amargo e a sociedade exige investimentos, mas, tecnicamente, é possível calcular a recompensa futura pelas políticas de austeridade, como no caso da entrada no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). 

A hora é de ter paciência

Em Goiânia, vale a pena fazer o mesmo exercício. Para amenizar duas crises, Mabel determinou estado de calamidade pública na Saúde e nas Finanças. Na prática, o município fica dispensado de cumprir certas obrigações e ganha poderes excepcionais para lidar com a situação por período limitado. O prefeito concentrou todas as contas do município em uma única conta centralizadora para ampliar a disponibilidade de recursos para as demandas emergenciais, sobretudo no setor da saúde. Ele não é obrigado a cumprir a ordem cronológica das obrigações firmadas, podendo eleger prioridades. 

Além disso, o prefeito renegocia contratos com fornecedores — algumas aquisições foram feitas com valores acima do mercado, diz ele. Foram suspensas as bonificações, licenças e benefícios. Foram tomadas medidas de controle sobre o pagamento da folha. Servidores foram reconvocados para órgãos de origem. Sistemas de governança tecnológica foram implementados para garantir transparência. Dívidas foram parceladas e repasses da União foram anunciados. Isso tudo apenas na área de finanças. 

Com exceção dos repasses, nem uma dessas medidas é popular — muito pelo contrário, são vistas como incômodas pelo funcionalismo público. Em entrevista ao Jornal Opção, o prefeito afirmou: “Nós temos mais de 6 mil servidores de educação com atestado médico. Isso não é possível, não pode ser. Existem funcionários afastados com atestado médico há mais de seis anos;  que conversa é essa? Alguma coisa está errada.” Como aconteceu com Caiado, é de se esperar que haja críticas e imediatismo. 

Na cerimônia de posse de Sandro Mabel, realizada na Universidade Federal de Goiás (UFG), puderam ser ouvidos gritos de ‘Não fecha a EJA’. Vale a pena ouvir o prefeito sobre o assunto: “Vou devolver para a Secretaria Estadual de Educação suas atribuições, como o Ensino de Jovens e Adultos (Eja) de nível médio. Isso é da escola estadual, por que estamos fazendo isso? Quero qualificar os alunos da educação infantil e básica, que são atribuições do município.” 

Tecnicamente, a medida de cortar o desperdício de recursos é bastante racional; na prática, é incômoda. Por reconhecer esse fato, Mabel oferece a recompensa futura: “Vou gastar 16% do orçamento para fazer funcionar a rede municipal, vou investir 7% e usar mais 2% como estímulo aos professores, bônus por resultado. Não adianta economizar em educação, você tem que gastar melhor, atingir metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).” A medida é de austeridade, mas é base de uma política que pode resultar em bônus de 2% do orçamento municipal (na realidade, não há austeridade em exigir que servidores trabalhem nas atribuições do município, mas o governo Cruz não exigiu sequer o mínimo).

O mesmo pode ser dito sobre a relação entre Paço e Câmara. Em comparação com o governo de Rogério Cruz, os parlamentares ocupam menos espaços na Prefeitura, e, por isso, podem impor dificuldades. “Às vezes, temos alguns atritos, conversas ásperas”, disse Mabel sobre sua relação com os vereadores. “Mas acredito que todos vão se convencer quando verem que a cidade está andando; quando perceberem que vão realizar muita coisa em seus mandatos”. É o valor da paciência quando a lógica indica que haverá uma recompensa futura.

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