Viagens à terra do Tio Trump

A reeleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos trouxe de volta o slogan “Make America Great Again” — um mantra que parece funcionar melhor em bonés do que na realidade. Junto com ele, vieram as promessas de fronteiras mais seguras, imigração “baseada em mérito” e discursos que transformam imigrantes em bodes expiatórios para problemas de toda ordem. Para os brasileiros, o passaporte ainda garante uma entrada nos Estados Unidos, mas atravessar o processo é como competir em um reality show: só os mais convincentes vencem.

Viajar para os Estados Unidos, especialmente sendo brasileiro, é quase um estudo de caso sobre desigualdade. Existem os turistas “de verdade”, aqueles que pedem o visto B-2 destinado ao lazer e que têm a Flórida como destino principal. Eles gastam muito — e como gastam — em parques da Disney e em shopping centers.

O Brasil é o quarto maior mercado internacional para a Disney, um dado que os americanos, pragmáticos como são, sabem muito bem. Para esse grupo, as portas estão abertas — desde que apresentem extratos bancários robustos e uma história convincente de que voltarão para casa. Os consulados funcionam como guardiões de um conto de fadas: não basta querer entrar, é preciso provar que você é digno.

Depois, temos os falsos turistas, que também pedem o visto B-2, mas com intenções um pouco mais permanentes. Para eles, a América de Trump se apresenta como um campo minado: controles mais rigorosos, desconfiança constante e uma vida de ilegalidade que beira a invisibilidade. Viver sem documentos é como atuar em um filme de suspense interminável, onde cada batida à porta ou abordagem policial pode ser o clímax do roteiro. E, ainda assim, muitos se arriscam, sustentando setores como construção e agricultura, porque sabem que, apesar do discurso oficial, a América precisa deles.

E, claro, há os profissionais qualificados, aqueles que tentam a sorte com vistos de mérito, como o EB-2 NIW, que promete oportunidades a quem pode “contribuir significativamente” para o país. No papel, isso soa quase como uma ode à meritocracia. Na prática, é um filtro elitista, onde apenas currículos impecáveis e uma dose generosa de sorte conseguem passar.

A ironia disso tudo é que Donald Trump é descendente direto de imigrantes: seu avô era alemão, sua mãe escocesa, e sua esposa, Melania, veio da Eslovênia. Outro exemplo é Elon Musk, que desembarcou nos Estados Unidos com um visto de estudante F-1 e hoje é um dos homens mais ricos do mundo. Musk é a prova de como um imigrante pode transformar a América — e um lembrete cruel das contradições de um sistema que rejeita a maioria para exaltar uma minoria.

Sob Trump, a narrativa é simples: os imigrantes são culpados pela falta de empregos e pelo sofrimento da classe média. Um discurso que é tão conveniente quanto equivocado. O verdadeiro problema é um sistema que concentra riquezas nas mãos de poucos, enquanto o restante, seja americano ou imigrante, luta para sobreviver.

A verdade é que a América precisa de todos: turistas que gastem em parques, imigrantes ilegais que sustentem indústrias inteiras, e profissionais qualificados que trazem inovação. Mas admitir isso seria como trair o discurso de exclusão que alimenta a narrativa de “América para os americanos”.

Como diria Lampedusa, em O Leopardo: “É preciso que tudo mude para que tudo continue como está”. Sob Trump, a promessa de transformação é, na verdade, a reafirmação das mesmas incoerências. A América rejeita os imigrantes, mas depende deles. Lucra com turistas, mas cria barreiras. Prega a meritocracia, mas garante privilégios para poucos.

E assim, os brasileiros continuarão tentando. Alguns com passagens de ida e volta, outros com currículos brilhantes, e muitos com a coragem de arriscar tudo pelo sonho americano. Porque a América de Trump, como sempre, é um lugar onde o discurso é encantador, mas a realidade é tão implacável quanto as barreiras que ela mesma ergue.

Ycarim Melgaço | Foto: Jornal Opção

*Ycarim Melgaço é doutor em Ciências Humanas, pós-Doutor em Economia e Gestão de Organizações. É colaborador do Jornal Opção.

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