HISTÓRIA COM SABOR DE ROMANCE

O festejado escritor e jornalista Fernando Jorge, em seu livro mais recente, relata um caso real que tem todas as características de verdadeiro romance (*). Wilson Moreira da Costa, homem muito rico mas de pouca ilustração e amigo do escritor agasalhava o sonho de ser embaixador. Cidadão refinado, habitante de um palacete no centro da Pauliceia e com dinheiro a rodo, ficaria “bem” acrescentar o título de diplomata ao seu nome. Para isso, no entanto, impunha-se a construção de um plano ousado mas que pudesse ser materializado. Procura, então, o escritor, homem inteligente, vivido e experiente e lhe confia o antigo desejo. Fernando mergulha no imaginário e antevê com humor as consequências do plano. Seria exercitar a criatividade além dos limites e colocar em teste a suprema arte de enganar.

O passo inicial, cogitou Fernando, seria tirar Wilson do ostracismo e trazê-lo ao noticiário. Para ocupar posto de tal relevância haveria de ser alguém notório. Mas como? E então brotou a ideia salvadora: Wilson seria transformado em escritor, um romancista de sucesso, autor de livros que se tornariam best-sellers. Fernando se debruça sobre o tema e redige o romance “Coração, sexo e cérebro”, editado sob o nome de Wilson Moreira da Costa e lançado pelo editor José de Barros Martins. A capa apelativa e o enredo picante funcionaram e o romance caiu no gosto dos leitores. Animado, o editor pedia mais e Fernando repetiu a dose escrevendo “A filha do boticário” que seguiu a trilha de sucesso do anterior. Wilson Moreira da Costa, de um dia para o outro, se tornou famoso escritor, ainda que as pessoas conhecidas duvidassem que fosse ele o autor daquelas obras. Atribuíam a autoria a escritores e jornalistas conhecidos mas, ao que parece, nunca suspeitaram de Fernando Jorge. Ele se divertia no íntimo com as situações criadas.

Vencida com êxito a primeira fase da operação, urgia avançar. Agora as coisas se complicavam porque teriam que envolver muitas pessoas.  O ex-presidente Jânio Quadros, o chanceler Hermes Lima, o senador Lino de Matos, o embaixador Pio Correa, a primeira dama Maria Thereza Goulart e o próprio presidente João Goulart (Jango) teriam que entrar no jogo. O plano consistia em convencer Jânio a pedir a Jango para nomear Wilson Moreira da Costa embaixador do Brasil em algum país da Europa. Logo souberam que Hermes Lima era contrário à nomeação, mas mesmo assim levaram Jânio a fazer a solicitação. Descobriram que Hermes Lima era estudioso da história da Revolução Francesa e inventaram uma trama inacreditável. Fernando Jorge escreveu centenas de perguntas e suas respostas a respeito do tema e fez Wilson decorar tudo, de cabo a rabo, sem pestanejar. Dotado de excelente memória ele passou a insinuar que era “expert” em Revolução Francesa e assim dobrou a resistência do chanceler que passou a admirá-lo. Outros truques foram usados, coo enviar os livros com melosas dedicatórias à primeira dama. Assim chegaram até o presidente Jango e Wilson foi nomeado Adido Cultural junto à embaixada brasileira no México. Não foi embaixador porque não existia vaga.     

Feliz da vida, Wilson assumiu o elevado cargo e passou a se pavonear na capital mexicana. Até que foi convidado para longa entrevista no canal mais famoso do país e então surgiu novo problema. Que assunto abordar? Seria indispensável algo que tocasse no sentimento dos mexicanos, povo muito patriota. Fernando pensou e pensou e encontrou a solução. Criou a teoria, sem pé nem cabeça, de que os astecas cruzaram o oceano e ensinaram os egípcios a construir pirâmides, tanto que elas eram muito mais antigas que aquelas do Saara. Com seu jeitão descontraído e uma coragem sem limites, Wilson sustentou a tese com múltiplos argumentos e fotos e a entrevista foi um sucesso.   Passou a ser festejado nas ruas e aplaudido pelas pessoas. Além de tudo isso, inúmeros outros truques foram postos em prática, incluindo até discursos para Lino de Matos proferir na tribuna do Senado.

O sonho de Wilson Moreira da Costa, no entanto, durou pouco. A implantação da ditadura, em 1964, o desalojou de seu cargo e teve que retornar como cidadão comum.

Fernando e Wilson continuaram amigos. Provaram que uma estratégia inteligente é capaz de enganar pessoas importantes e com grande experiência de vida. O livro de Fernando Jorge faz pensar em quantas coisas julgamos reais e não passam de grandes farsas. Por outro lado, é admirável a coragem do escritor expondo assim em pormenores como logrou tantas pessoas ilustres. 

Além desses livros, Fernando Jorge escreveu “Falência das elites”, de Adelaide Carraro, a falsa escritora mais famosa da época.

(*) “Como enganei dois presidentes, um ministro,
um senador e uma primeira dama” (Guaju Editora – S. Paulo – 2020).

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