Agenda de leitura de escritores, jornalistas e intelectuais (parte 4)

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Ricardo Assis Gonçalves

Professor da Universidade Estadual de Goiás

Quando lemos um livro abrimos a imaginação ao mundaréu de ideias, personagens e palavras que compõem a prosa do mundo. Às vezes, de tão excepcional, é excruciante concluir um livro. Já prorroguei o término de uma leitura devido o arrebatamento que ela me provocou. Desejei protelar o regalo e assegurar a curiosidade.

A leitura provoca sensações inesperados ao leitor. Diante de determinada narrativa é possível sentir-nos partícipes das batalhas de personagens como Aureliano Buendía, de Gabriel García Márquez, mesmo que para perdê-las. Ademais, ler é como viajar, ter as qualidades de um aventureiro, ser um “Crusoé de poltrona”, como afirma Alberto Manguel no livro “O Leitor Como Metáfora: O Viajante, a Torre e a Traça”.

Sendo assim, ao iniciar a organização de uma agenda de leituras para 2025, anotei alguns títulos que envolvem literatura, ciência e filosofia, narrativas ficcionais e científicas. As escolhas são diversas e com temáticas abrangentes e distintas. Contudo, diante de cada título escolhido, deparei com o desejo e o desafio de me tornar cada vez mais um “leitor reflexivo”, ser sagaz, atento e apaixonado pela leitura.

Afinal, a leitura exercida de maneira reflexiva é solidária com a anotação, as dimensões lexicais, estéticas, discursivas e estilísticas de um texto. O “leitor reflexivo” está seguro da maneira como organiza o pensamento, interpreta o mundo e se posiciona com rigor teórico e político. Ele lê para se sentir por inteiro no tropel da vida.

Por consequência, abaixo apresento parte de minha agenda de leituras para o ano de 2025. Importante dizer que esta lista não é fechada, no decorrer do ano poderá ser ampliada e certamente contará com o estudo e leitura de livros de ensaios ou de ficção.

1 — A Hermenêutica do Sujeito — curso dado no Collège de France (1981-1982), de Michael Foucault (Martins Fontes, tradução de Márcio Fonseca e Salma Muchail).

Neste livro Foucault investiga a noção de “cuidado de si”, que considera mais densa do que o “conhece-te a ti mesmo” na organização das práticas de filosofia. E para isso procede de uma densa e profunda leitura de filósofos como Platão, Epicuro e Sêneca. A presença deste livro na lista de leituras para 2025 explicita meu interesse por filosofia e especialmente pela leitura de Michael Foucault. Esse será o segundo livro do autor lido por mim. O primeiro foi “Microfísica do Poder”.

2 — O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago (Companhia das Letras).

Neste romance, José Saramago utiliza do heterônimo mais clássico do poeta português Fernando Pessoa. Na contracapa do romance há a seguinte síntese: “O ano é de 1936. Médico, educado pelos jesuítas e monarquista, ele é um sábio capaz de concentrar-se em assistir ao espetáculo do mundo. Aqui, porém, ele se vê confrontado com os acontecimentos de 1936 em Portugal e fora dele: de um lado, a ditadura fascista de Salazar; de outro, a gestação da Segunda Guerra Mundial, a Frente Popular francesa, a Guerra Civil espanhola, a expansão nazista na Europa. Um confronto, enfim, com um mundo que decerto não era um espetáculo”.

3 — A Bagagem do Viajante, de José Saramago (Companhia das Letras).

Este livro fará parte de minhas leituras saramaguianas para 2025. Conforme a apresentação da Companhia das Letras, o livro “A Bagagem do Viajante” reúne “crônicas diversas, publicadas em jornais portugueses entre 1969 e 1972 e reunidas pela primeira vez neste volume em 1973, atestam a magnitude do Nobel de literatura José Saramago”.

4 — Uma Longa Viagem Com José Saramago, de João Céu e Silva (Porto Editora).

Este livro é resultado de uma densa entrevista de João Céu e Silva com José Saramago. Portanto, uma fonte imprescindível para se conhecer aspectos biográficos e da obra do escritor português José Saramago. Neste sentido, este livro está entre uma de minhas principais escolhas para leituras em 2025, dado meu interesse pela obra desse escritor português, autor de livros tão marcantes como “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” e “Ensaio Sobre a Cegueira”.

5 — Análise do Homem, de Erich Fromm (Zahar Editores, tradução de Octavio Velho).

Neste livro, Erich Fromm (1900-1980), psicanalista e filósofo humanista nascido na Alemanha, aborda temas como ética humanista, natureza e caráter do homem e problemas da ética humanista. A leitura desse livro dará continuidade ao meu interesse pela obra de Fromm, autor que venho lendo desde 2023.

6 — Introdução ao Pensamento de Erich Fromm, de Nildo Viana (Ragnatela).

Neste livro o professor e sociólogo da Universidade Federal de Goiás (UFG) Nildo Viana interpreta a obra de Erich Fromm, um dos principais pensadores do século XX. Neste livro, o autor “apresenta uma introdução ao pensamento de Fromm, através de uma visão sintética e global. É uma obra indicada para todos que querem conhecer Erich Fromm, bem como a sua concepção específica de psicanálise, sociedade e humanismo”.

7 — O Acontecimento Antropoceno: a Terra, a História e Nós, de Christophe Bonneuil e Jean-Baptiste Fressoz (Editora Unicamp, tradução de Marcela Vieira.

Comprei este livro em outubro de 2024. Contudo, diante do excesso de trabalho e viagens no fim de semestre não foi possível não pude lê-lo naquele ano. Com efeito, “O Acontecimento Antropoceno” faz parte de minha lista de leituras para 2025. O comentário de Bruno Latour explicita a relevância de sua leitura: “Em uma época na qual a palavra ‘antropoceno’ está em voga, este livro bem documentado e bem escrito ajudará os leitores a mapear os diferentes significados desse termo tão instável. Os autores mostram a diversidade histórica surpreendente das ações humanas naquilo que é genericamente chamado “crise ambiental”.

8 — Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, de José Carlos Mariátegui (Expressão Popular, tradução de Felipe José Lindoso).

Quando cursei o doutorado em Geografia Humana li dois capítulos deste livro com foco em “O problema da terra” e “O processo da literatura”. Desde então, almejei retomar a leitura completa do livro, que é uma obra de referência para compreensão da formação econômica e social da América Latina. Conforme descrição da contracapa do livro: “Diferentemente de outras obras que caem no esquecimento, ‘Sete Ensaios’ foi objeto de inúmeros estudos e segue despertando o interesse dos estudiosos da realidade social peruana e latino-americana, comprovando a sua originalidade e relevância contemporânea”.

9 — Las Mujeres del Alba, de Carlos Montemayor (FCE).

É uma obra do reconhecido escritor mexicano Carlos Montemayor (1947-2010). O comprei na última viagem que fiz à Cidade do México, em 2023. Contudo, só agora fará parte de minha agenda de leituras de 2025. É um romance que se soma à diversa e exuberante literatura latino-americana, e certamente nos ajuda a compreender os principais acontecimentos políticos, históricos e sociais que atravessaram esse território e seu povo no decorrer do século XX.

10 — El Polvo y el Oro, de Julio Travieso Serrano (Editorial Letras Cubanas).

É uma obra do escritor, professor e jornalista cubano Julio Travieso Serrano. Adquiri este livro em uma livraria no centro de Havana Velha, na viagem que fiz à essa cidade| cubana em novembro deste ano. Há alguns anos leio escritores cubanos como Alejo Carpentier e Leonardo Padura. Por isso, deparar com esse livro e a síntese de sua narrativa, focada em temas como a vida dos africanos escravizados com tamanha violência e sofrimento na ilha cubana no período colonial, me fez incluí-lo na lista de leituras para 2025.

11 — A Pediatra, de Andréa Del Fuego (Companhia das Letras).

Este livro foi indicação de uma amiga, professora, leitora e muito atenta às novidades da literatura contemporânea. Ela me falou deste livro com tanto entusiasmo que eu o comprei e o inclui na agenda de leituras para o ano de 2025.

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Sinésio Oliveira

Cronista, poeta e jornalista

Não tenho uma rotina específica de tempo no meu dia a dia para leitura de livros. Às vezes, lendo uma matéria de cunho literário, encontro uma citação sobre um determinado autor, e isso desperta em mim a vontade de ler aquele autor. Até mesmo visitando algum sebo me deparo com determinados livros, que acabo comprando.

Foi assim, por exemplo, com “Rubáiyát”, de Omar Khaáyyám (1048-1131), o qual eu já tinha lido em pdf e que não resisti ao ver que a obra era de 1948.

Outro adquirido em circunstância parecida foi “A Colheita”, de Rabindranath Tagore (1861-1941).

Uma edição de “Macunaíma” (de Mário Andrade) de 1993 também entrou na minha relação de leitura, mas isso sem que eu listasse os livros.

Outra preciosidade encontrada no sebo, que estou terminando de ler: a 30ª edição de “Eu”, de Augusto dos Anjos. O escritor e dramaturgo Orris Soares, conforme levantei, era irmão do avô de Jô Soares. Orris foi amigo do poeta. Há um texto excelente dele sobre sua relação de amizade com Augusto dos Anjos.

Li apenas seis livros dos 12 que eu pretendia ler ou reler em 2024: “O Estrangeiro”, “A Peste”, “O Mito de Sísifo (Albert Camus), “Cobra Norato” (Raul Bopp), “Terra dos Homens” (Antoine de Saint-Exupéry) e “Madame Bovary” (Gustave Flaubert). “Um sentido para a vida” (Exupéry), “Eneida” (Virgílio), “Torto Arado” (Itamar Vieira Junior), “4321” (Paul Auster), “Clarice — Uma Vida” (Benjamin Moser) estão no meu alvo de leitura para este ano. Há também outros.

A minissérie da Netflix “Cem Anos de Solidão” me despertou o desejo de reler a obra, bem como “A Hora dos Ruminantes”. Enquanto a história do livro de José J. Veiga, lançado em 1966, ocorre em Manarairema, a do livro de Gabriel García Márquez, lançado em 1967, acontece em Macondo. Em ambas obras está presente o elemento comum do realismo fantástico: acontecimentos inexplicáveis gerando alteração na rotina de acontecimentos das respectivas cidades. “Camille Claudel — Correspondência” entra na minha agenda de leitura.

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Ton Paulo

Editor-executivo do Jornal Opção

“Os bons escritores quase sempre tocam a vida. Os medíocres apenas passam rapidamente a mão sobre ela. Os ruins a estupram e a deixam para as moscas. Entende agora por que os livros são odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida. Os que vivem no conforto querem apenas rostos com cara de lua de cera, sem poros nem pelos, inexpressivos.” — Trecho do diálogo entre Faber e Guy Montag no livro “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury.

Ler é um fenômeno fascinante e atribuído unicamente ao ser humano. Ao absorver sinais e códigos grafados em folhas de papel — ou na tela de kindles, tablets e computadores, como hoje em dia —, um indivíduo fica passível de transformar para sempre o modo como vê o mundo e a si mesmo. E é a partir dos livros, que exprimem o que até então vagava no cosmo do pensamento, que nascem as novas visões que transmutam a sociedade. O jornalismo, que vive das palavras, bem entende o poder disso.

O Jornal Opção publica, entre janeiro e fevereiro — em várias partes —, a lista de leitura de obras literárias de jornalistas, escritores e intelectuais para 2025. Listo, a seguir, os 20 livros que planejo durante o ano.

1 — Um Diário do Ano da Peste, de Daniel Defoe

Ouvira falar vagamente desta obra, ainda na universidade. Mas me deparei com uma menção direta a ela em outro livro que li no ano passado (“Em Agosto nos Vemos”, de Gabriel García Márquez). É de autoria do escritor Daniel Defoe (o mesmo de “Robinson Crusoe”) e é considerado um dos relatos (se não o) mais ricos sobre a epidemia de peste bubônica responsável por cerca de 70 mil mortes na Inglaterra, em 1665.

2 — Angústia, de Graciliano Ramos

O livro é considerado uma das grandes obras literárias brasileiras, e foi lançado quando Graciliano, autor de “Vidas Secas” e “Memórias do Cárcere”, estava preso (sem processo nem acusação formal, pela polícia política de Getúlio Vargas). “Angústia” tem como protagonista Luís Silva, um funcionário público de Maceió que tem uma vida sem grandes emoções até o dia em que se apaixona por Marina.

3 — “Columbine”, de Dave Cullen

O autor, Dave Cullen, foi um dos primeiros repórteres a chegar à cena do massacre da escola de Columbine, quando dois estudantes armados entraram na escola e mataram 12 alunos e um professor, antes de cometerem suicídio. O jornalista passou dez anos escrevendo Columbine, dando origem ao que é tido como a obra definitiva sobre o tema.

4 — “O Jovem Törless”, de Robert Musil

Destacado escritor do século XX, Musil, neste livro, narra a história da formação de um adolescente em um rígido internato no Império Austro-Húngaro. É um romance de cunho filosófico pautado em análises psicológicas que logo depois se tornariam características do expressionismo germânico. A obra é considerada, também uma das primeiras “e mais radicais denúncias dos sistemas totalitários europeus que surgiriam depois da Primeira Guerra Mundial”. Mais tarde, devo ler “O Homem Sem Qualidades”, sua obra-prima.

5 — “Os Escandinavos”, de Paulo Guimarães

Fui presenteado com este livro pelo amigo e editor-chefe do Jornal Opção, Euler de França Belém, logo após minha viagem à Escandinávia, no ano passado. Pouco depois de ficar encantando com os ares noruegueses, comecei a leitura da obra, mas pausei para começar a de outro livro. Devo, agora, retomá-la. No livro, Paulo Guimarães, um diplomata brasileiro e casado com uma nórdica, traz os pormenores da cultura escandinava, indo desde a economia até os costumes atribuídos exclusivamente a esse povo.

6 — Aprendendo a Viver, de Clarice Lispector

Um dos poucos livros de Clarice que ainda não li, quadro que devo mudar neste ano. Aprendendo a viver é a junção de crônicas da que é considerada uma das maiores escritoras da história do Brasil, sendo citada por artistas e pensadores de todo o mundo. Clarice inventou um modo único de escrita, e espero me surpreender, mais uma vez, com esta obra.

7 — Os Filhos de Húrin, de J.R.R. Tolkien

Não é segredo para meus amigos e conhecidos que sou um grande fã da obra de Tolkien (assim como dos filmes originados de seus livros). É consenso entre estudiosos e especialistas que a fantasia pode ser dividida entre antes e depois de Tolkien. Livros como “O Hobbit” e “O Silmarillion” impactaram, impactam e sempre vão exercer influência sobre o gênero. Em “Os filhos de Húrin”, o escritor sul-africano/britânico conta a história do guerreiro “cujo orgulho era tão grande quanto sua força física”. Mais uma “página” no quase infinito universo criado por Tolkien.

8 — Misery, de Stephen King

King é, verdadeiramente, o rei da literatura de terror e suspense. “Misery” narra a história de uma enfermeira aposentada e leitora fanática das obras de um Paul Sheldon, um famoso escritor. Quando ele sofre um acidente e é resgatado pela enfermeira, é quando a insanidade começa. O livro deu origem ao filme “Louca Obsessão”, dirigido por Rob Reiner e que tem Kathy Bater no elenco, e faz parte do cronograma de um clube de leitora do qual faço parte, que tem como membros amigos da comunicação.

9 — Salvar o Fogo, de Itamar Vieira Júnior

Não há quem não se apaixone pela literatura de Itamar Vieira Júnior. O escritor baiano conseguiu a proeza de, em uma geração de TikTok e X, “viralizar” seu carro-chefe: o magnífico “Torto Arado” (um de meus atuais livros de cabeceira). Em “Salvar o Fogo”, Itamar Vieira narra a história de Luzia do Paraguaçu, uma mulher que busca na coragem o caminho para ultrapassar as maiores injustiças, e Moisés, órfão de mãe que encontra afeto em Luzia. Minhas expectativas quanto a este livro são altas, não nego.

10 — Pequenas Coisas Como Estas, de Claire Keegan

A história do livro é ambientada na Irlanda, em 1985, e gira em torno de Bill Furlong, um comerciante de carvão e madeira, que leva uma vida simples com a família até fazer uma descoberta “perturbadora sobre um convento local e as jovens mulheres que ali vivem”. “A revelação obriga Bill a enfrentar as consequências morais e sociais de suas ações em uma comunidade profundamente marcada pela influência da Igreja Católica e seus silêncios”, narra a sinopse da obra que, inclusive, deu origem ao filme com direção de Tim Mielants e com Cillian Murphy (Cillian Murphy, o mesmo de Oppenheimer) no elenco.

11 — Mudar: Método, de Édouard Louis

Trata-se de uma indicação da querida Candice Marques, professora da UFG e pesquisadora de psicanálise e educação e mulher de Euler de França Belém, e que, pela sinopse, chamou-me a atenção. A obra narra o “processo de amadurecimento de Eddy Bellegueule, nascido na classe operária de uma pequena cidade no norte da França, até se transformar, ativamente, didaticamente, em Édouard Louis, escritor de sucesso internacional”. “É por meio desse exame da própria trajetória que Louis pode enfim repassar as relações familiares e sociais, pautadas pelo dinheiro e pelo poder, até a descoberta da homossexualidade e as discriminações que marcariam sua vida para sempre”, adianta a sinopse do livro.

12 — Baviera Tropical, de Betina Anton

Outra indicação. Esta, do bacharel em filosofia e mestre em Direitos Humanos pela UFG, Saymonn Caetano. O livro, ganhador do Prêmio Jabuti 2024, traz a história de Josef Mengele, o conhecido médico nazista, e como ele viveu por anos no Brasil sem ser pego. A autora, na obra, promove um trabalho de recuperação de memórias e de testemunhos, com entrevistas inéditas e propondo versões dos fatos até então desconhecidas. O livro como Mengele recebe proteção no país onde morreu afogado.

13 — Limite de Caracteres — Como Elon Musk destruiu o Twitter, de Kate Conger

Sugerido por Euler de França Belém, e que já me faz esperar, ansioso, pela sua leitura. Livros-reportagens são, em suma, uma paixão particular. Este traz o homem mais rico do mundo no centro de uma negociação inaudita no mundo das mídias, e apresenta o retrato de um Musk “controverso, inconstante e sem limites quando se trata de satisfazer seus desejos”. O jogo arrojado e sujo de Musk é exibido sem dó nem piedade, sugerem os críticos.

14 — Em Nome dos Pais, Matheus Leitão

Livros-reportagens são minha paixão. No “Em Nome dos Pais”, Matheus, movido pela curiosidade de entender o passado, tanto do país quanto dos pais — os jornalistas Marcelo Netto e Míriam Leitão —, apresenta o resultado de suas investigações, que “começam pela busca do delator e seguem com a localização dos agentes que teriam participado das sessões de tortura de seus pais”. Conforme o jornalista e escritor Zuenir Ventura, trata-se de uma história “indispensável”. “Ensina que se pode perdoar, mesmo sendo difícil, mas esquecer jamais.”

15 — Em Busca de Watership Down, de Richard Adams

É considerado um clássico da fantasia de língua inglesa. Uma fábula aparentemente inocente, mas com um sentido muito mais profundo, uma metáfora sobre o fascismo e o delírio coletivo. A história: “um coelho vidente prevê a destruição da toca onde vive, ele se une a seus amigos para achar uma nova casa. No caminho rumo à mítica colina de Watership Down, enfrentam rivais e armadilhas. Mas, mesmo depois de chegarem e, teoricamente, encontrarem um lugar seguro para viver, precisarão lutar para salvar a colônia vizinha e repopular a própria comunidade”. Há, inclusive, uma minissérie no streaming baseada na obra.

16 — O Imoralista, de André Gide

De autoria do francês André Gide, ganhador do Nobel de Literatura, a obra é voltada para a história de Michel, um jovem que sempre teve uma educação rígida e casou-se para agradar o pai. Porém, ao conhecer um adolescente árabe durante uma viagem à África “selvagem”, Michel “renasce e ganha um novo gosto pela vida”. Em uma época em que a hipocrisia do conservadorismo ainda impera, o livro segue mais atual do que nunca.

17 — Filho Nativo, Richard Wright

Publicado inicialmente em 1940, o livro é tido como um clássico da literatura americana. É ambientado em Chicago, EUA, na década de 1930, e traz a história de Bigger Thomas, que, conforme a sinopse, é “um jovem negro massacrado pela pobreza, assombrado pelos traumas de uma irrecuperável memória da escravidão e atiçado pela consciência de que as injustiças que o atingem beneficiam as pessoas brancas”. O livro deu origem a um filme dirigido por Rashid Johnson, com Ashton Sanders no papel de Bigger Thomas.

18 — O Livro dos Baltimore, Joël Dicker

Lembro-me a primeira vez que li Joël Dicker, com o livro “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert”. Foi paixão instantânea. Dicker tem uma linguagem fluída, envolvente, viciante. O livro dos Baltimore narra a história de Marcus Goldman, personagem que teve uma juventude inesquecível em Baltimore com a família. “Mas a felicidade aparente não condizia com a realidade e o dia do Drama marcou o destino fatídico e inesperado de todos aqueles que ele mais amava”. Espero ter, com esse livro, a mesma grande experiência que tive com o outro.

19 — Uma Breve História da Igualdade, de Thomas Piketty

Um dos economistas mais respeitados da atualidade, Thomas Piketty, cuja obra se popularizou com o excelente e bem embasado “O Capital no Século XXI”, traz, em Uma breve história da igualdade, a trajetória de grandes movimentos que moldaram o mundo moderno para melhor e pior: o crescimento do capitalismo, as revoluções, o imperialismo, a escravidão, guerras e a construção do Estado de bem-estar social. “Sua análise de todos esses eventos exemplifica como as sociedades humanas evoluíram em direção a uma distribuição mais justa de renda e bens, a uma redução das desigualdades raciais e de gênero, e a um maior acesso aos cuidados de saúde, à educação e aos direitos de cidadania”, narra a sinopse.

20 — Humanos Exemplares, de Juliana Leite

O autor da indicação deste livro, Saymonn Caetano, referiu-se a ele como “elegante e delicado”. “Coisa fina”, completou. O livro narra a história de Natalia, uma mulher “velha, muito velha” que passa os dias trancada em seu apartamento à espera de ligações da filha que mora em outro país. A sinopse do livro, por si só, é de cortar o coração: “Viúva e última sobrevivente de um grande grupo de amigos, ela carrega os seus queridos humanos como um buquê íntimo de desaparecidos, companhias invisíveis que povoam a casa a partir de suas memórias”. Mais uma obra com expectativas altas em volta.

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Candice Marques de Lima

Professora na Faculdade de Letras da UFG e pesquisadora de psicanálise e educação

Gosto de ler devagar. Degustando as palavras, como se degusta uma bebida saborosa. Afinal, o que é um livro senão um amontoado de palavras colocadas de maneira a fazer algum sentido para quem o lê?

Isto posto, acrescento que leio mais de um livro ao mesmo tempo, pois depende do meu humor, da minha vontade de ler determinado texto. No momento, leio três livros: “Sobre Esta Tierra”, da escritora uruguaia Lalo Barrubia — um ótimo achado, que descobri em viagem para Montevideu. A história, contada em primeira pessoa, é sobre uma mulher que constrói a própria casa, com as próprias mãos, ao mesmo tempo que vai recontando e ressignificando sua vida. “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert”, de Joël Dicker — aprecio romances policiais e os leio geralmente nas férias.

No livro “Monique s’évade”, Édouard Louis conta a história de sua mãe, quando precisou fugir da casa de um marido abusivo.

Leio também livros da minha área de pesquisa e de trabalho, que são psicanálise e educação. Por isso, nesta lista, serão apresentados alguns livros que lerei ao longo do ano para poder ministrar aulas e fazer pesquisas. Detalhe: Freud está sempre a me acompanhar. No momento releio “Moisés e o Monoteísmo”.

Não vou me exceder, pois, como disse, sou uma leitora lenta. E aprecio a lentidão. Gosto de flanar pelas leituras, muitas vezes mudo o caminho, paro no meio, retomo ou não…

1 — Começo com “Querido Babaca”, da ótima Virginie Despentes. Dela, já li “Teoria King Kong”, e o primeiro volume de “A vida de Vernon Subutex” — os outros dois volumes da trilogia não foram traduzidos para o português e não consegui comprar o e-book em francês. É um romance epistolar entre uma atriz de 50 anos e o querido babaca, um homem com comportamento misógino, acusado de assédio sexual por uma funcionária. Mas não se trata somente de cartas/e-mails com insultos. Trata-se, sobretudo, como enfatiza a editora: “De um profundo elogio ao diálogo em um mundo tomado pelo ódio”.

2 — “O Feminismo É Para Todo Mundo: Políticas Arrebatadoras”, de bell hooks, será a leitura teórica. Quero tentar acessar o pensamento dessa autora em minhas leituras sobre feminismo e decolonialidade.

3 —“Orchideas”, de Leodegária de Jesus, é um livro de poesia da escritora goiana encoberta pela fama de Cora Coralina, e por ser negra. Em um Estado em que muitas, senão a maioria das pessoas é negra e parda, Leodegária ainda é lida em alguns nichos de poetas e universitários, não tendo o reconhecimento que merece.

4 — “A Cor do Inconsciente: Significações do Corpo Negro”, de Isildinha Baptista Nogueira, foi um desses achados que encontro em meus passeios por livrarias. Neste livro, Isildinha, uma psicanalista negra, busca o reconhecimento em uma profissão de pessoas brancas e elitizadas, e de teorias sobretudo europeias. Assim, seu estudo é para “compreender de que maneira a realidade sócio-histórico-cultural do racismo e da discriminação se inscreve no inconsciente do negro, em seu processo de constituição como sujeito.”

5 — “Esta No Soy Yo: Biografía de Autora Venturini”, de Liliana Viola. Descobri a escritora Autora Venturini em um dos meus passeios pela Livraria Palavrear. Natália Garcês, livreira e grande leitora, sabendo do meu gosto por literatura (latino-americana de mulheres) de terror, me indicou “As Primas”. Me disse que o livro a lembrava de “Mandíbula”, de Mónica Ojeda — um dos meus livros preferidos dos últimos anos. Claro que o comprei e o li em três dias. E que leitura! Curiosa com a história dessa escritora argentina, que teve reconhecimento aos 85 anos, descobri que sua biografia havia sido lançada em Buenos Aires e pedi à amiga argentina Luciana Ramos que a trouxesse para mim. Curiosa, li alguns trechos da biografia, mas vou deixar para me deleitar com a história dessa mulher peculiar com o cuidado que ela merece. (Prometo escrever uma resenha sobre o livro.)

6 —“Crítica da Colonialidade em Oito Ensaios: e uma Antropologia por Demanda”, de Rita Segato. A autora é uma antropóloga argentina e professora emérita da UnB. O livro traz ensaios que tratam sobre a colonialidade, a questão do racismo na América Latina e faz uma articulação com a psicanálise. Certamente começarei a leitura pelo texto intitulado “O Édipo negro: colonialidade e forclusão de gênero e raça”, no qual Rita Segato trata sobre a figura das mães pretas, mulheres escravizadas que eram as amas de leite das crianças brancas e que foram foracluídas da história brasileira.

7 — Ainda na onda das escritoras uruguaias, vou ler uma das contemporâneas já reconhecidas — Cristina Peri Rossi. Euler me presenteou com seu livro “La Nave de los Locos”. O título já diz o que o livro traz: uma história de liberdade, que explora a condição humana e trata também de nossa constitutiva vulnerabilidade. O boom da literatura é, acima de tudo, masculino? Pois na Europa Peri Rossi, que mora na Espanha, é lista como uma das grandes escritoras do boom.

8 — De novo, bell hooks: “Ensinando Comunidade: uma Pedagogia da Esperança”. O livro traz 16 ensinamentos dessa escritora e docente. Nele, a autora aborda temas sobre espiritualidade, racismo, machismo, sexualidade etc. Temas muito apropriados e necessários para todos e todas que ensinam, seja em sala de aula ou fora dela.

9 — Lígia Paganini me presenteou com “As Abandonadoras: Histórias Sobre Maternidade, Criação e Culpa”, de Begoña Gómez Urzaiz. Como o próprio título já diz, trata-se de histórias de mulheres, reais ou fictícias, que se recusaram a carregar o fardo de um/a filho/a. História tabu e por isso necessária, trata de mulheres “malditas”, que tiveram coragem de fazer o que todas as mães já desejaram um dia.

10 — “Imagens da Branquitude: A Presença da Ausência”, de Lilia Moritz Schwarcz. Continuando em minha saga para entender mais sobre racismo, decolonialidade e o que nos tornou o que somos: um país racista.

11 — “Cráteres Artificiales”, de Rosario Lázaro Igoa, é o terceiro livro de escritora uruguaia que pretendo ler neste ano. É uma história que trata sobre casas — em construção, perdidas, esquecidas, recém-alugadas etc. — e o corpo. Dois significantes importantes para o psiquismo, que podem ser enredar muitas vezes. Estou curiosa com a leitura.

12 — Trouxe do último colóquio do Lepsi/FEUSP um livro que vai me auxiliar nas pesquisas: “Psicanálise, Educação e Política na Universidade e na Cidade”, de Rose Gurski e Nádia Laguárdia de Lima (organizadoras). É um livro fundamental para todas e todos que estudam e praticam psicanálise de alguma forma, pois apresenta a psicanálise para além do discurso mofado e elitizado que ainda marca alguns lugares, como Goiânia. Parece novidade, mas não é. Freud, o fundador da psicanálise, já tratava de inserir a psicanálise no campo da educação e de divulgá-la onde quer que houvesse um sujeito para ser escutado.

13 — “La Insumisa”, de Cristina Peri Rossi. É um romance autobiográfico, em que a autora conta sobre sua vida familiar, sua formação e sua luta para se tornar escritora. Peri Rossi foi tão insubmissa, que, em sua viagem para a Europa, ao invés de desembarcar em Gênova, terra de seus bisavós, seguiu viagem para Barcelona.

14 — Além desses, certamente irei reler Lev Semeonovitch Vigotski, Jean Piaget e muito Freud, pois são autores que trabalho em sala de aula. Sempre releio os textos que vou trabalhar. E sempre percebo uma novidade, uma palavra ainda desconhecida ou já olvidada. A propósito, do Vigotsk indico “Problemas de Defectologia”, obra em que o autor bielorrusso tratou sobre crianças com deficiências. Um belo livro. E finalmente traduzido do russo pelas pesquisadoras e docentes Zoia Prestes e Elizabeth Tunes.

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Marcelo Franco (segunda parte)

Crítico literário e promotor de justiça

“Una tal insaciabilidad es síntoma evidente de un espíritu enfermo.” — Louis Bollioud-Mermet, “Sobre la Bibliomanía”.

Publico aqui a segunda parte da minha agenda de leitura para 2025, com foco maior nos livros editados no ano passado — ou antes: é mais um roteiro ou uma autosugestão que propriamente uma agenda inflexível; muitos livros mencionados não serão lidos, outros entrarão na lista durante o ano. Listas não são uma Pedra de Roseta imutável; contudo, este vosso criado confessa, é prazeroso as escrever e ler, com elas fixando-se em nós uma falsa ideia de ordem que jamais se cristaliza, obviamente. E, claro, uma tal acumulação livresca es síntoma de un espíritu enfermo, muy enfermo.

Comecemos. Alguns bons livros foram publicados em 2024 sobre jornais brasileiros. Por exemplo “Gazeta Mercantil: A Invenção do Maior Jornal de Economia do Brasil”, de Célia de Gouvêa Franco (tenho bisavós Gouvêa Franco, apesar de não conhecer a autora — seríamos parentes?). Do final de 2023 é “JB: A Invenção do Maior Jornal do Brasil”, de Luiz Gutemberg. Saindo dos jornais para a televisão, a Globo ganhou a sua história: “A Globo (Hegemonia): 1965 – 1984, Volume 1 “, de Ernesto Rodrigues (os volumes 2 e 3 sairão ambos em 2025). Talvez até sobre tempo para “O Lado B de Boni”, que, imagino, deva ter histórias saborosas do senhor Padrão Globo de Qualidade.

De fora nos chega a obra jornalística de Mario Vargas Llosa. Já foram publicados “El Fuego de la Imaginación: Libros, Escenarios, Pantallas y Museos (Obra Periodística I)” e “El País de las Mil Caras: Escritos Sobre el Perú (Obra Periodística II)”. Em meados do ano sairá o terceiro volume, “El Reverso de la Utopía: América Latina Y Oriente Medio”. Llosa, membro das academias de letras francesa, peruana e espanhola (que feito!), permanece atualíssimo. Também encontrei a preço razoável, em edição Kindle (três volumes), os textos jornalísticos de Manuel Vázquez Montalbán, escritor espanhol que aprecio (e invejo…). Já Emmanuel Carrère publicou “V13: O Julgamento dos Atentados de Paris”, sobre os julgamentos dos ataques de 2015 — mais um para a interminável lista.

Leio mais livros sobre viagens do que uma junta médica consideraria saudável. É um gênero — “travelogue” — respeitado entre norte-americanos e britânicos. Por aqui, Fernando Dourado Filho, asseguram-me, honrou essa rica tradição estrangeira com “A Viagem Imóvel”. De William Blacker, temos “Ao Longo do Caminho Encantado — Viagens na Transilvânia”, que já disseram ser uma rapsódia cigana. Era livro caro a Patrick Leigh Fermor, um dos grandes do gênero. Ah, sim: incluo em “viagens” não só relatos pessoais, mas tudo o que possa nos fazer enxergar com olhos de ver, daí que entra na lista, com bumbos e tapete vermelho, “São Paulo nas Alturas: A Revolução Modernista da Arquitetura e do Mercado Imobiliário nos Anos 1950 e 1960”, de Raul Juste Lores. Viajando, olhemos sempre para o alto; no Rio e em São Paulo, por exemplo, surpresas agradáveis surgirão.

Repetindo uma tendência de anos anteriores, as editoras publicaram ótimas biografias e memórias. Max Boot lançou uma aclamada biografia de Ronald Reagan, “Reagan: His Life and Legend”. Mais um livro sobre o presidente americano? Claro: em relação a Reagan, Margaret Thatcher, Abraham Lincoln, Winston Churchill e John Adams jamais se escreverá o suficiente. E há as memórias de líderes políticos, que devem ser lidas com um grão de sal, é certo, pois são ajustes históricos; de qualquer modo, poucas não são proveitosas. Duas se sobressaíram em 2024: “Freedom: Memoirs, 1954 – 2021”, de Angela Merkel, e “Unleashed”, do desgrenhado Boris Johnson, o Breve.

Como nada faço entre a meia-noite e cinco da manhã, haverei de ter tempo para as memórias ficcionalizadas do exílio de Chico Buarque na Itália, “Bambino a Roma”, e para o livro com que Ruy Castro nos presenteou, “O Ouvidor do Brasil: 99 Vezes Tom Jobim”. Dormir é para os fracos.

A Zahar traduziu a biografia de Martin Luther King escrita por Jonathan Eig, “King: Uma Vida”. I have a dream: viver 240 anos para ler tudo o que pretendo.

E dizem que o italiano Antonio Scurati, aquele dos romances sobre Mussolini, escreveu um livro notável, “A Melhor Época da Nossa Vida”, no qual alterna a história de seus avós com a de Leone Ginzburg (marido da escritora Natália Ginzburg e pai do historiador Carlo Ginzburg).

Leone Ginzburg foi assassinado pelos fascistas em 1944, não sem antes ter ajudado a fundar a grande editora Einauldi. Talvez valha acompanhar esta leitura com “As Pequenas Virtudes”, de sua mulher e grande escritora Natália, onde há um capítulo sobre seus últimos dias com o marido. E que soem os tambores: pela Todavia nos chegou outro volume da monumental biografia de Kafka escrita por Reiner Stach, “Os Anos de Discernimento”.

Sigo neste filão, de biografias e memórias. Haverá tempo para “A Bem-Amada: Aimée de Heeren, a Última Dama Brasil”, de Delmo Moreira? E ainda temos “Calma Sob Pressão: O que Aprendi Comandando o Banco de Boston, o Banco Central e o Ministério da Fazenda” (Henrique Meirelles), “Memórias” (Rubens Ricupero).

Saiu também a biografia “Cesar Lattes: Uma Vida — Visões do Infinito” (Marta Góes e Tato Coutinho). Nota mental: em fevereiro teremos “Oswald de Andrade: Mau Selvagem”, de Lira Neto.

Um desvio aqui. As séries de TV me estragam: eu as aprecio, mas elas furtam meu tempo. Dito isso, também gosto de vidas aventurosas como foi a de Benjamin Franklin: o americano teve muitas vidas numa única. Um dos chamados “Pais Fundadores” dos Estados Unidos, o homem foi escritor, cientista, inventor, jornalista, impressor, editor, político (exerceu o cargo de presidente da Pensilvânia, antes de o título do chefe do Executivo estadual se tornar “governador”), diplomata…

Querem mais? Ele fundou a Universidade da Pensilvânia, estruturou a primeira rede regular dos correios norte-americanos, criou o primeiro hospital das colônias inglesas e as primeiras associações de bombeiros voluntários, inventou o para-raios e os óculos bifocais (como inventor, ele nunca patenteava suas várias criações, deixando-as para uso comum), mapeou e nomeou a Corrente do Golfo, coadjuvou Thomas Jefferson na redação da Declaração de Independência dos Estados Unidos, estudou demografia, defendeu a autoinoculação como forma de prevenção contra a varíola, tocava violino e outros instrumentos (desenvolveu a já existente harmônica de vidro, e Mozart e Beethoven criaram peças para ela), compôs músicas, jogava xadrez com frequência, foi um dos precursores do vegetarianismo e um grande defensor da liberdade de expressão e religião.

Franklin engajou-se em muitas outras atividades, claro; contudo, uma lista parcial nos serve para mostrar o seu gigantismo intelectual, ainda que admitamos que ele tenha apenas arranhado a superfície de muitas questões que o interessavam — e tudo isso sendo ele ainda dotado de certo humor que vai se perdendo, em todos os cantos, atualmente: chegou a escrever um ensaio sobre… bem, sobre flatulência. Acerca das invenções, parece que até a “lista de prós e contras” é coisa sua.

Ah, sim, aquele cartum “Join, or Die” (yes, com vírgula), mostrando uma cobra dividida em pedaços e que simbolizava a necessidade da união das colônias americanas, um símbolo poderoso na Guerra de Independência (e também antes dela), é atribuído a Franklin. E que seja repetido: sim, ele teve escravos, bem sabemos, mas acabou se tornando um ativo abolicionista, o que é importante ser registrado em tempos woke.

Pois então: no ano do Nosso Senhor de 2024, uma minissérie da Apple TV+, “Franklin”, colocou-o mais uma vez na ribalta, obscurecido que estava por figuras do porte de George Washington, John Adams e do próprio Jefferson.

A série é fraca. Michael Douglas interpreta Franklin e está longe da excelência que alcançou em “O Método Kominsky” — eu diria que Douglas interpreta a si mesmo tentando interpretar o personagem principal. “E os livros?”, já começo a ouvir o uivo nas campinas distantes. A eles, então. Como a série retrata os muitos anos que Franklin passou na França tentando, e conseguindo, obter o apoio dos franceses para a causa americana, então destinada, por lógica militar e política, a um fracasso que não aconteceu, ela se baseia num livro que parece ser excepcional, “A Great Improvisation: Franklin, France, and the Birth if America”, de Stacy Schiff. Já na lista! A Independência Americana, a propósito, é uma história fascinante — editores, advogados, vendedores de livros e ferreiros vencendo o melhor exército do mundo, que tal?

O livro de Schiff narra uma história notável, pois a Independência fora declarada sem meios de ser obtida militarmente e Franklin deveria, lembra a escritora (já dei umas bispadas no livro), apelar a uma monarquia para estabelecer uma república. Notemos que Franklin foi a única pessoa que assinou quase todos os principais documentos fundadores dos Estados Unidos: a Declaração de Independência (1776), o Tratado Franco-Americano (1778), o Tratado de Paris (1783) e a Constituição (1787), tendo participado efetivamente da gestação dos três primeiros; quanto à Constituição, participou da Convenção da Filadélfia, onde ela foi escrita, mas pouco a debateu, já idoso e bem doente (morreria em 1790). Sobre o Tratado de Paris, o seu artigo 1º mostra a sua importância: “Sua Majestade Britânica reconhece os Estados Unidos etc. etc.”, isso apenas seis anos depois da Declaração de Independência! Obviamente, há muito mais que possa ser lido sobre o brilhante Franklin (a mais proveitosa leitura sendo, talvez, a da cédula de cem dólares, em que sua imagem está estampada…). Por exemplo, Walter Issacson, que parece ter um fraco por polímatas, escreveu “Benjamin Franklin: Uma Vida Americana” (além de biografias de Steve Jobs, Elon Musk, Leonard da Vinci e Einstein, o que prova sua obsessão, creio).

Desvio feito, retomo o caminho principal. Planejo releituras, é certo. Tenho adotado um método de releitura mais abrangente, por assim dizer: tudo, ou quase tudo, de um autor. Em 2025, os escolhidos são os romances de Saul Bellow. Por ora, por ora, que se registre; amanhã os planos podem mudar. Tempo para tanto? Ora, matamos o temo e o tempo nos mata, sem dúvida, meu caro Machado.

E a política? Uma agenda que constou de listas anteriores será talvez retomada neste ano. Tenho imensa curiosidade para compreender a figura dos autodeclarados revolucionários, hoje muito mais revolucionários de sofá e até mesmo empáticos também de sofá (um dos fatos marcantes do nosso tempo é a substituição dos bons modos por gotas de empatia propagandística). Lerei ou retomarei a leitura, então, de livros sobre esse tema, começando pelo calhamaço de James H. Billington, “A Fé Revolucionária: Sua Origem e História”. Prometo que, se alguma revolução eu fizer, ela será somente em mim mesmo.

Poesia. É preciso descalcificar o coração e colocar sístoles e diástoles em sintonia com alguns versos; então tentarei me fixar na chilena Gabriela Mistral, que ganhou o Nobel de Literatura em 1945, antes, portanto, do seu chatíssimo conterrâneo Pablo Neruda. Conheço pouco a sua obra, então vamos de antologias mesmo. Confesso que estou um tanto interessado na sua vertente cristã; as redes sociais me entregaram um poema seu que se fixou em mim como marca de ferro em brasa (ou seria mais um daqueles casos de atribuição errônea de autoria?), daí o motivo que faz com que os meus lobos frontais, comandando as minhas excessivas obsessões-compulsões, tentem buscar tudo sobre a chilena, e já consegui uma prateleira pesada, creiam-me. Eis o poema, “Solo Sé Cómo se Llama”, mas noto que a divisão dos versos parece às vezes estranha, o que também ocorre muito na internet:

“Que si nació hoy,

que si nació ayer,

que si nació aquí,

que si nació allá.

Que si murió a los 33,

que si murió a los 36.

Que cuántos clavos,

que cuántos panes y pescados.

Que si eran reyes, que si eran magos.

Que si tenía hermanos,

que si no tenía.

Que dónde está, que cuándo vuelve.

Yo, lo único que sé es que…

A mí me tomó de la mano

cuando más lo necesitaba.

Me enseñó a sonreír y a agradecer

por las pequeñas cosas.

Me enseñó a llorar con fuerzas y a dejar ir.

Me enseñó a despertarme agradecido

y a acostarme con la cabeza tranquila.

A caminar muy lento y sin preocupaciones.

Me enseñó a abrazar al que me necesita.

Me enseñó mucho, me enseñó todo.

Me enseñó a quererme con ganas.

A querer a quien está al lado y a darle la mano.

Me enseñó que siempre me está hablando

en lo cotidiano, en lo sencillo,

a manera de mensajes

y que, para escucharlo,

tengo que tener abierto el corazón.

Me enseñó que un “gracias” o un “perdón“ lo pueden cambiar todo.

Me enseñó que la fuerza más grande es el amor

y que lo contrario al amor es el miedo.

Me enseñó cuánto me ama

a través de lo que yo amo a mi familia.

Me enseñó que los milagros sí existen.

Me enseñó que, si yo no perdono, soy yo el que se queda prisionero,

y para perdonar primero tengo que perdonarme.

Me enseñó que no siempre

se recibe bien por bien,

pero que actúe bien a pesar de todo.

Me enseñó a confiar en mí

y a levantar la voz frente a la injusticia.

Me enseñó a buscarlo adentro y no afuera.

Me dejó que me aleje, sin enojarse;

que salga a conocer la vida;

a equivocarme y a aprender.

Y me siguió queriendo, cuidando y esperando.

Me enseñó que sólo vengo por un tiempo,

y sólo ocupo un lugar pequeño.

Y me pidió que sea feliz

y viva en paz,

que me esfuerce cada día en ser mejor

y en compartir Su luz conociendo mi sombra,

que disfrute, que goce, que ría, que llore y que valore,

que Él siempre va a estar conmigo…

que aunque dude y tenga miedo, confíe,

ya que esa es la fe, confiar en Él a pesar de mí…

Gracias, Jesús, por estar en mi vida y enseñarme a vivirla.

Celebro que llegó a mi vida y que, si se lo permito, ¡vuelve a nacer en mi corazón!”.

Enfim, muitos planos ainda estão se construindo. Se houver bom tempo e paciência do editor-chefe Euler de França Belém e do meu eleitorado, cometerei uma terceira parte desta agenda: ficção, História, ensaios, livros sobre livros, coletâneas de cartas, Filosofia, Religião e talvez até Direito e livros “inclassificáveis”. Lerei todos? Ora:

“Caminante, son tus huellas

el camino y nada más;

Caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace el camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar.

Caminante no hay caminho

sino estelas en la mar”.

Encerro, afinal. Reclamações poderão ser direcionadas por cartas ao editor; obrigado, obrigado e até mais ver.

6

Enzo de Lisita

Jornalista

Fazer tal lista é sempre uma tarefa desafiadora, não pelo fato de que gostos são gostos e cada um tem o seu, mas, também por vivermos em um país onde o número de leitores/as tem diminuído como aponta recente pesquisa divulgada. Segue link com detalhes https://g1.globo.com/educacao/noticia/2024/11/19/o-brasil-que-le-menos-pesquisa-aponta-que-pais-perdeu-quase-7-milhoes-de-leitores-em-4-anos-veja-raio-x.ghtml.

Mas vamos à lista.

A primeira obra indicada vem da Itália, de Umberto Eco. Trata-se de “Quale Verità” (livre tradução para Qual Verdade?), um apanhado de escritos que vão desde 1969 até 2013. Inicia-se no mundo analógico até chegar na pós-verdade virtual. A orelha do livro apresenta uma pista dos escritos quando fala da ilusão da verdade nos discursos (mídia, política e do cidadão comum e suas teorias da conspiração). E afirma, não nos interessa os fatos, mas as palavras.

Também já adquiri e está prontinho no meu prelo de leitura “Nada será como antes”, do neurocientista brasileiro reconhecido internacionalmente no seu campo de pesquisa, o professor e palmeirense de primeira linha, Miguel Nicolelis. À primeira vista a trama parece ser trivial, a saber: o mundo está em colapso devido questões ambientais e uma neurocientistas e um matemático buscam enfrentar seus problemas pessoais enquanto buscam uma solução para evitar o caos. Me atraiu para a leitura do livro uma entrevista de Nicolelis expondo que apesar de ser um romance ficcional, ele procura fazer um alerta sobre o tema inserindo informações reais adquiridas em seus mais de 40 anos de pesquisa nos Brasil e nos Estados Unidos, onde professor dá aula.

Depois de ter lido este ano “Bem-Vindo a Livraria Hyunam-dong” da sul-coreana Hwang Bo-Reum, que nos apresenta uma ode à literatura, abri minhas páginas (ou quebrei o meu preconceito) para a literatura oriental. Nesse sentido, pretendo seguir a sugestão de um vizinho que me apresentou outra coreana, a vencedora do Nobel de Literatura, Han Kang. Na lista dele estão três títulos, “A vegetariana”, “O Livro Branco” e “Atos Humanos”. Optei pela última indicação pelo fato de abordar o eterno conflito liberdade/repressão a partir da repressão estudantil desenvolvida pela ditadura militar que reprimiu a Coreia do Sul durante décadas. Uma curiosidade: a tentativa de golpe empreendida pelo patético presidente daquele país aconteceu na semana em que escrevi estas linhas e isso me motivou mais ainda a iniciar leitura deste livro. Aliás, todo presidente que tenta dar golpe de Estado e não consegue é um ser patético.

Para desespero de escritores, livreiros e livrarias vai uma múltipla e gratuita sugestão. Trata-se do projeto Literatura Livre, do Sesc São Paulo, já em sua temporada que oferece gratuitamente clássicos da literatura mundial e outras obras menos conhecidas, mas não menos importantes. Ao todo, são 29 títulos de autores como Jack London, George Orwell, Franz Kafka, Clorinda Matto de Turner e Matilde Serao, dentre outro. Um detalhe, todas as edições são bilingue. Segue o link: https://literaturalivre.sescsp.org.br/biblioteca/

Para encerrar, vamos à literatura feita em Goiás. Como apresentador do TBC Memória, da TV Brasil Central, é recorrente ganhar livros de entrevistados e entrevistadas ao longo da temporada. Na grande maioria dos casos eu leio. Um que está bem visível na estante aguardando o momento exato da leitura em 2025 é “Minhas Reminiscências”, do saudoso Bariani Ortêncio.

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