Os hospitais psiquiátricos usados na China para silenciar quem critica o governo

O governo chinês utiliza hospitais psiquiátricos para internar, e assim, silenciar, os cidadãos críticos ao sistema vigente no país. Essa é a conclusão de uma reportagem investigativa da jornalista Nyima Pratten, da BBC, publicada na última semana. Conforme apurado, pessoas mentalmente saudáveis estariam sendo internadas após reclamarem ou protestarem contra autoridades. O veículo identificou dezenas de pessoas em situações similares.

A maioria dos pacientes afirmou ter recebido medicamentos antipsicóticos, para bipolaridade ou esquizofrenia. Alguns relataram ainda o uso de eletroconculsoterapia (ECT) sem o devido consentimento.

Há décadas, há notícias de que a hospitalização estava sendo usada na China como uma forma de deter cidadãos dissidentes sem envolver os tribunais. No entanto, a BBC descobriu que um problema que a legislação procurou resolver voltou à tona recentemente.

Zhang Junjie

Uma das histórias da reportagem começa com um jovem de 18 anos que protestou contra o lockdown na China durante a pandemia de Covid-19. De acordo com ele, o seu pai, que trabalhava para o governo local, o entregou às autoridades. Disseram que Zhang Junjie seria levado até um centro de testes para covid, mas na verdade, ele foi internado por 12 dias.

Cerca de um mês depois ele foi detido mais uma vez, por ir contra a lei que proíbe fogos de artifício na sua comemoração de ano novo. Ele foi acusado de “provocar brigas e criar problemas”, acusação frequentemente usada para silenciar as críticas ao governo chinês. Junjie diz que foi internado à força novamente por mais de dois meses.

A partir de então, foi receitada para ele um antipsicótico, e a polícia passou a visitar sua casa para conferir se ele teria tomado a medicação corretamente. “Tomar o medicamento me fazia sentir como se meu cérebro estivesse uma bagunça”, disse ele à reportagem.

Temendo uma terceira internação, ele decidiu deixar a China. Dizendo aos pais que estava voltando para a universidade para arrumar seu quarto — mas, na verdade, ele fugiu para a Nova Zelândia. A reportagem relata que ele não teve oportunidade de se despedir da família nem dos amigos.

Saúde Mental x Liberdade de expressão

Essa é apenas uma das 59 pessoas confirmadas pela apuração da BBC — seja conversando com elas, com seus parentes, ou consultando documentos judiciais — que foram internadas por motivos de saúde mental depois de protestar ou desafiar as autoridades.

A questão foi reconhecida pelo governo da China — a Lei de Saúde Mental do país, de 2013, teve como objetivo impedir esse abuso, tornando ilegal o tratamento de alguém que não esteja mentalmente doente. Também declara explicitamente que a internação psiquiátrica deve ser voluntária, a menos que o paciente represente um perigo para si mesmo ou para os outros.

Um homem conta que foi detido por participar de um protesto exigindo melhores salários em uma fábrica. De acordo com ele, a polícia o interrogou por três dias antes de levá-lo a um hospital psiquiátrico. E depois receitaram os medicamentos antipsicóticos, que prejudicaram seu pensamento crítico.

Após uma semana internado, ele diz que recusou mais medicamentos. Depois de brigar com a equipe e ser informado de que estava causando problemas, em 2018 ele foi enviado para a eletroconvulsoterapia — terapia que envolve a passagem de correntes elétricas pelo cérebro do paciente.

Ele afirma que recebeu alta depois de 52 dias. Agora, tem um emprego de meio período em Los Angeles, nos EUA, e está buscando asilo no país. Em 2019, um ano após esse caso, a Associação Médica Chinesa atualizou suas diretrizes de ECT, afirmando que a terapia só deve ser administrada com consentimento e sob anestesia geral.

Casos encontrados

Entre 2013 e 2017, mais de 200 pessoas relataram que haviam sido internadas injustamente pelas autoridades, de acordo com um grupo de jornalistas cidadãos na China que documentou abusos da Lei de Saúde Mental. Suas reportagens terminaram em 2017, porque o fundador do grupo foi detido e posteriormente preso.

A reportagem encontrou 112 pessoas listadas no site oficial de decisões judiciais chinesas que, entre 2013 e 2024, tentaram entrar com processos contra a polícia, governos locais ou hospitais por esse tipo de tratamento. Cerca de 40% dos autores dos processos estavam envolvidos em reclamações contra as autoridades. Apenas dois ganharam seus casos.

As atenções agora estão voltadas para o destino da vlogger Li Yixue, que acusou um policial de agressão sexual. Diz-se que Yixue foi internada recentemente pela segunda vez depois que suas postagens nas redes sociais falando sobre a experiência se tornaram virais. Há informações de que ela está agora sob vigilância em um hotel.

A BBC informa, ao fim da matéria, que apresentou suas conclusões a partir dessa apuração à embaixada chinesa no Reino Unido. Eles disseram que, no ano passado, o Partido Comunista Chinês “reafirmou” que precisa “melhorar os mecanismos” em torno da lei, que, supostamente, “proíbe explicitamente a detenção ilegal e outros métodos.

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