Um menino me estendeu a mão e me levou ao Parque Mutirama

Há um consenso, dentro da história da culinária brasileira, de que o pão de queijo tem sua origem em Minas Gerais, mas o local exato do estado não é mencionado. O pão de queijo verdadeiramente de queijo não é encontrado em qualquer lanchonete de Goiânia. Na maioria dos estabelecimentos, o que se encontra é pão-sem-queijo. Creio que já falei sobre isso numa crônica anterior. Em algumas das lanchonetes (na verdade, a maioria), o que se oferece é uma quitanda grande, sem queijo. É mais polvilho. Sobre o tamanhão, ele é um marketing ardiloso para atrair os clientes que têm o olho maior que a boca.

Estive em Ouro Preto recentemente. Fui a uma padaria tomar café da manhã e perguntei à atendente se o pão de queijo de lá era realmente de queijo. Inclusive contei-lhe que em Goiânia é difícil encontrar uma iguaria realmente legítima. Ela foi rápida na resposta, dada de modo risonho e espontâneo: “Você vai comer o pão de queijo de Minas, o verdadeiro, o melhor”. “Será”, pensei. Dei a primeira mordida e tchan-tchan-tchan… Conversa mole da atendente. Ainda bem que havia muitos clientes, e ela nem percebeu o meu semblante de desaprovação. Em Mariana, cidade vizinha, também foi do mesmo jeito: nada de queijo na iguaria. Não deu tempo de eu ir a outras lanchonetes e saber se lá ocorre o mesmo que aqui.

Eu praticamente como pão de queijo (verdadeiramente de queijo) todos os dias quando vou para o trabalho. Nos sábados não, mas resolvi ir neste último à lanchonete onde vou sempre em busca da iguaria, como também da famosa mãe-benta. A história deste estabelecimento (Biscoito Pereira da rua 55, Centro) passa de 60 anos. Na primeira vez em que fui lá, eu tinha uns 16 anos. Eu trabalhava como office boy numa gráfica. Cansado de andar de bicicleta pela cidade na entrega de mercadorias e documentos, posteriormente virei blocador, depois impressor.

Aos 24 anos, já curso letras na Universidade Católica de Goiás, fui ser professor de língua portuguesa no colégio em que cursei o terceiro ano do segundo grau; os dois primeiros fiz no Colégio Carlos Chagas de Campinas, onde tive excelentes professores, entre os quais estão o Eurípedes Leôncio, Álvaro Catelan e o Pita; aqueles professores de literatura, este de língua portuguesa. O Pita foi quem me disse que eu era poeta, mas isso não diretamente. Eu só cismava que era. Certa vez pediu aos alunos que fizessem um poema e lhe entregassem. Alguns dias depois, devolveu os poemas. O meu inclusive foi interpretado por ele na sala de aula. Foi o único. Quase tive um orgasmo poético de tanta alegria. Acho que tive. Depois disso, enveredei-me no ofício, coisa que já passa de quatro décadas. E não tem volta, pois o ofício poético não se dá por escolha.

Sobre o menino mencionado no título, ele surgiu quando eu estava lanchando. Na porta do estabelecimento, passou uma senhora conversando com sua neta sobre os brinquedos do Parque Mutirama, que neste ano completa 56 anos. Elas iam rumo a ele. A carinha de felicidade da menina, ouvindo atenciosamente o relato da avó, fez surgir em minha mente um menino de 12 anos brincando adoidado no Mutirama. Nem só ele, o mais velho, como também suas quatro irmãs.

Em vez de ir ao Bosque dos Buritis tentar fazer um novo registro de uma cutia que vive por lá solitariamente, fui bater perna no Mutirama, acompanhado do menino. Ele pegou na minha mão e fomos. Lá encontrei a mulher com a netinha. Coincidentemente, elas e eu estávamos na mesma fila: a do trenzinho. Enquanto o trenzinho percorria o parque e dando apitos, eu e o menino, que era eu, nos deliciávamos com o passeio. Terminado a pequena viagem entre árvores e inúmeros outros brinquedos, peguei meu carro e fui para casa ruminando a alegria do passeio numa das veredas onde minha infância caminhou. O menino foi embora me dizendo que voltaria a me visitar. Agradeci-o pela visita e pedi-lhe mais visitas.

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza

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