O pianista Tenório Jr. segundo a animação dirigida por Trueba e Mariscal

Havia música em seus dedos. Cada nota, um sopro de genialidade. Cada acorde, um universo sonoro onde o samba-jazz se encontrava com a sofisticação da improvisação. Francisco Tenório Cerqueira Júnior, ou simplesmente Tenório Jr., não era apenas um pianista, era um arquiteto de harmonias, um criador de atmosferas. Mas sua arte foi interrompida brutalmente, tragada pelo abismo da ditadura, em uma madrugada silenciosa de Buenos Aires.

Na noite de 18 de março de 1976, durante uma turnê pela Argentina, Tenório saiu do hotel para comprar um sanduíche e um remédio. Deixou um bilhete dizendo

“Vou sair para comprar cigarros e um remédio para a dor de cabeça. Volto logo.”

Mas  Nunca voltou. Capturado pela repressão da ditadura argentina, foi levado para um centro de tortura e nunca mais foi visto.

O regime militar argentino, com a leniência da ditadura brasileira, eliminava aqueles que julgavam uma ameaça. Embora Tenório Jr. não fosse militante político, sua aparência, sues parceiros e estilo de vida foram suficientes para que fosse confundido com um subversivo. Seu desaparecimento se tornou um dos símbolos da brutalidade da “Operação Condor”, um pacto obscuro e repressivo estabelecido entre ditaduras de então, na América do Sul.

Capa do Disco Embalo

Mais do que um nome na história da música brasileira, Tenório Jr. Deixou história. Seu único disco solo, Embalo, lançado em 1964, é uma obra-prima do samba-jazz, um reflexo de sua sensibilidade e sofisticação musical. O álbum apresenta uma fusão brilhante de ritmos brasileiros com harmonias elaboradas e improvisações refinadas, demonstrando sua destreza técnica e criatividade única ao piano.

Cada faixa de Embalo é um convite a uma viagem sonora onde a fluidez do jazz encontra a cadência do samba. Canções como Nebulosa e Embalo revelam sua habilidade em criar atmosferas envolventes, enquanto Consolação e Sambinha demonstram sua fluidez na interpretação do cancioneiro brasileiro com um toque de modernidade. Seu estilo, muitas vezes comparado ao de músicos como João Donato e Luiz Eça, possuía uma identidade própria, marcada por um refinamento harmônico excepcional.

Além do disco solo, Tenório Jr. foi um músico requisitado, acompanhando nomes como Elis Regina, Vinícius de Moraes, entre outros. Sua versatilidade permitia que transitasse com facilidade entre os diferentes estilos da música popular brasileira, sempre acrescentando camadas de sofisticação aos arranjos e melodias. Seu piano tinha a capacidade de transformar qualquer canção em uma experiência única, um traço raro que o colocou entre os grandes do gênero.

Apesar do impacto de Embalo e de sua presença marcante na música brasileira, Tenório Jr. ainda é uma figura pouco conhecida pelo grande público. Seu desaparecimento trágico fez com que sua carreira fosse interrompida no auge da criatividade, deixando um vazio imensurável no cenário do samba-jazz.

O recente e premiado filme, “Ainda Estou Aqui”,  reacendeu a memória da  tragédia de Tenório Jr. e de tantos outros desaparecidos políticos, reforçando a importância de lembrar e contar essas histórias. O título do filme não apenas relembra a ausência irreparável de Tenório, mas a presença persistente de sua música e de todos aqueles que, mesmo arrancados de seus caminhos, ainda permanecem na lembrança coletiva.

Felizmente, seu legado tem sido resgatado por músicos e pesquisadores que reconhecem sua importância. Regravações, tributos, animaçoes e documentários têm ajudado a manter viva a memória de seu trabalho. Sua influência pode ser percebida em novas gerações de pianistas e instrumentistas que encontram em Embalo uma fonte inesgotável de inspiração.

A história de Tenório Jr. não se resume ao seu desaparecimento.  Ela é contada em cada acorde, em cada melodia que continua a inspirar gerações. Seu piano pode ter sido silenciado naquela noite em Buenos Aires, mas sua música segue viva, como um testemunho imortal de sua genialidade e um desafio ao esquecimento.

Ouviremos o Embalo de Tenório Jr.  Observe a riqueza harmônica, a precisão rítmica e a liberdade das improvisações. Fique atento aos diálogos entre o piano e os outros instrumentos, na leveza das melodias e no equilíbrio entre técnica e emoção. Cada faixa do disco é uma janela para o talento incomparável de Tenório Jr., uma oportunidade de se conectar com a obra de um artista que, embora silenciado, jamais será esquecido.

Leia também: O Grupo Corpo celebra 50 anos: a harmonia entre música e movimento

O post O pianista Tenório Jr. segundo a animação dirigida por Trueba e Mariscal apareceu primeiro em Jornal Opção.