Lagoa da Conceição, em Florianópolis, tem alta concentração de cocaína e remédios, mostra estudo

FLORIANÓPOLIS, SC (FOLHAPRESS) – Um dos principais cartões-postais de Florianópolis, a lagoa da Conceição está com suas águas contaminadas por uma variedade de medicamentos e substâncias ilícitas, incluindo cafeína, antibióticos, analgésicos e cocaína.

A constatação é resultado de uma pesquisa conduzida pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), que identificou 35 contaminantes emergentes em amostras coletadas em diferentes pontos da lagoa. Os resultados foram divulgados na quinta-feira (13) e, segundo os pesquisadores, apontam uma preocupação ambiental persistente na região.

“Encontramos o metabólito da cocaína, a benzoilecgonina, em 63% das amostras, assim como a substância pura em uma quantidade menor”, explica a professora Silvani Verruck, do departamento de ciência e tecnologia de alimentos da UFSC, que coordenou a pesquisa.

Segundo ela, a concentração da droga na lagoa da Conceição está entre as mais altas já reportadas no mundo. Os dados da pesquisa estão publicados na revista Science of the Total Environment.

O objetivo do estudo foi identificar os chamados contaminantes emergentes, que não costumam ser detectados nos testes tradicionais de qualidade da água, como aqueles que avaliam a balneabilidade.

A pesquisa revelou que pelo menos quatro tipos de medicamentos presentes nas amostras estão associados a riscos ambientais, podendo causar impactos agudos ou crônicos na fauna aquática, incluindo peixes, algas e crustáceos.

“Essa contaminação, em um ciclo contínuo, pode também afetar a saúde da população por meio do consumo de peixes contaminados”, alerta Silvani.

Os resultados, segundo a docente, formam um retrato daquilo que as pessoas que vivem na região estão consumindo. Por se tratar de uma laguna, com baixo fluxo de água do mar, a causa mais provável destes contaminantes na água é o consumo da população.

“Algumas destas substâncias não desaparecem com o tratamento convencional [de esgoto]. Elas podem ter chegado ali de diferentes maneiras, mas o mais provável é que seja mesmo pelo uso pelos moradores da região”, explica.

Como esses poluentes não são removidos completamente pelos sistemas de tratamento convencionais, sua presença levanta preocupações sobre os impactos de longo prazo na biodiversidade e na saúde pública.

A Prefeitura de Florianópolis, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, afirmou que irá analisar os dados apresentados no estudo da UFSC. “A partir dessa avaliação, serão adotadas as providências cabíveis dentro da competência da secretaria, em diálogo com os órgãos responsáveis pelo saneamento e pela preservação ambiental”, disse, em nota.

Na Assembleia Legislativa, na tarde de quarta-feira (19), os deputados aprovaram a realização de uma audiência pública para tratar do assunto. O encontro será realizado na segunda quinzena de março.

HISTÓRICO DE POLUIÇÃO E SUPERBACTÉRIAS

A pesquisa coordenada pela UFSC é fruto de uma longa preocupação com a qualidade ambiental da lagoa da Conceição e foi viabilizada por meio de um convênio com a Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento) após o rompimento da estação de tratamento na região, em 25 de janeiro de 2021, o que causou uma grande contaminação da lagoa com esgoto in natura.

O trabalho faz parte do Programa de Recuperação Ambiental proposto pela empresa para mitigar os impactos do desastre.

“Há décadas existe uma preocupação com a lagoa da Conceição: o tratamento dos efluentes não atinge 100% dos moradores, uma realidade que também é vista em outras regiões da cidade”, afirma a pesquisadora.

A baixa circulação da água da lagoa também agrava a contaminação, dificultando a dispersão desses compostos. E, apesar da gravidade da situação, ainda não há regulamentação clara para os contaminantes emergentes no Brasil.

“Precisamos olhar para essas moléculas de forma regulatória, chegando ao ponto de estabelecer limites claros para que não saiam das estações de tratamento em concentrações prejudiciais”, afirma a pesquisadora.

Em uma segunda pesquisa do programa, também coordenada por Silvani, ainda não publicada, os pesquisadores avaliaram as interações das microbactérias com os contaminantes emergentes. Os resultados preliminares apontam para possível surgimento de superbactérias no ambiente da lagoa da Conceição.

“Nós estamos avaliando a interação destes microrganismos com antibióticos, por exemplo, que podem dar origem a bactérias mais resistentes”, diz Silvani.

A pesquisa também apontou para soluções em desenvolvimento para reduzir a contaminação das águas. Um dos projetos em fase de teste é o sistema Reacqua, um dispositivo de destilação solar que gera água pura para reúso sem consumo de energia.

O sistema, que opera no Centro de Ciências Agrárias da UFSC, apresentou resultados positivos na remoção de contaminantes emergentes das amostras coletadas na lagoa da Conceição.

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