Bolsonarismo tem de parar de mentir para o eleitor: Bolsonaro não pode e não será candidato a presidente

Só há dois tipos de brasileiros que acreditam que Jair Bolsonaro poderá ser candidato a presidente da República em 2026: os tolos e os mal-intencionados.

Os bailundos e nefelibatas, dados a acreditarem em curupira e saci-pererê, devem ser perdoados, sobretudo porque não podem ser levados a sério nem por crianças de 2 anos. Fiam-se na indústria de fake news que funciona sem nenhuma recessão nas redes sociais e blogs. Não examinam os fatos e os boatos de maneira racional. Acreditam. São pessoas de fé. Uma fé, frise-se, irracional.

Os mal-intencionados são um perigo para a democracia. Entre 2019 e 2022, a partir de dois palácios, o do Planalto e o da Alvorada, os bolsonaristas, com o ex-presidente Jair Bolsonaro pilotando o golpismo, conspiraram para retirar a democracia de cena e reinstalar no país uma ditadura nos moldes do governo autoritário e quase totalitário do general Emilio Garrastazu Médici.

Médici e Ustra são inspiradores de Bolsonaro

Como militar (e político) Jair Bolsonaro é da linha dura, a de Costa e Silva e Emilio Garrastazu Médici, dois generais que imperaram no fim da década de 1960 e, o segundo, na primeira metade da década de 1970.

Costa e Silva é o pai do Ato Institucional número 5, o AI-5. Seu sucessor, Emilio Médici, comandou o governo mais cruento da ditadura, com dezenas de assassinatos, inclusive o do ex-deputado e empresário Rubens Paiva, pai do escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva (autor do livro “Ainda Estou Aqui”, que, levado ao cinema, pode render um Oscar à atriz Fernanda Torres). Cogitou-se, inclusive, matar Leonel Brizola.

Brilhante Ustra e Jair Bolsonaro: o coronel “brilhava” na tortura | Foto: Reprodução

Diz-se que chumbo trocado não dói. Na verdade, dói, apesar de a frase ser “boa”. Porém, no caso da ditadura civil-militar (1964-1985), precisa ser revista, ao menos em parte. Porque muitos dos assassinados pelos militares, com o apoio de delegados e agentes da Polícia Civil de alguns Estados, não o foram em combate.

Vários indivíduos, guerrilheiros ou não, foram assassinados por militares e agentes da Polícia Civil não em combate, e sim em dependências públicas. É um equívoco falar em “porões”. A rigor, os militares, uniformizados ou não, ao “alugar” uma casa, para operar em nome do governo — leia-se torturar e matar —, a tornavam uma “repartição”, por assim dizer, pública. Então, insistindo, não havia “porões”.

O governo do presidente Emilio Médici, o mais admirado por Jair Bolsonaro, torturou e matou pessoas indefesas. Indivíduos que, presos, não ofereciam nenhum perigo ao Estado, ao país, aos brasileiros. Os massacres e assassinatos ocorreram em logradouros da (ou alugados pela) gestão do general, quer dizer, em espaços públicos.

A letal Casa da Morte, em Petrópolis — onde prisioneiros eram torturados, esquartejados e, depois, queimados em usinas de cana de açúcar (leia sobre o assunto: https://tinyurl.com/2h7xm2xd) —, era, evidentemente um local “público”. Articulada pelo Exército, era financiada pelo governo federal, ou seja, com dinheiro do contribuinte.

Dario Maravilha com Emilio Médici: o ditador interferia até na escalação da seleção | Foto: Reprodução

No caso específico da Guerrilha do Araguaia (1972-1974), a partir de determinado momento, a ordem de Emilio Medici, Orlando Geisel (ministro do Exército) e de Miltinho Tavares (comandante do Centro de Informação do Exército) era para matar todos, e não apenas em combate. Por isso, os prisioneiros foram executados, e não apenas pela turma do coronel Sebastião Moura “Curió”.

Os massacres eram feitos entre o Norte de Goiás (agora Tocantins) e o Sul do Pará, mas as ordens para matar eram dadas pelo presidente Emilio Médici e pelo ministro do Exército, Orlando Geisel (irmão de Ernesto Geisel). Miltinho Tavares e outros passavam as ordens adiante. Por isso, a partir de determinado momento, não se falou mais em prisioneiros do Araguaia, ao contrário do que ocorreu no começo da guerrilha, em 1972 (José Genoino sobreviveu porque foi preso logo no início).

Matar era uma especialidade dos militares admirados por Jair Bolsonaro. O ídolo deste é o coronel Brilhante Ustra, um torturador contumaz de indefesos militantes da esquerda que militavam nas organizações guerrilheiras ALN, na VPR, na VAR-Palmares, entre outras.

Golpe na ditadura: Frota contra Geisel

Com o general Ernesto Geisel no poder, militares começaram a desafiá-lo, descumprindo suas ordens — de que não era para matar pessoas nas unidades do Exército. Num desrespeito flagrante da hierarquia, a tigrada continuou matando. Pagava pra ver, com mortes. Torturar e matar eram suas expertises.

Mesmo sabendo que o disfarce não era crível para ninguém, muito menos para Ernesto Geisel, os oficiais da linha dura inventaram o assassinato-suicídio. Mataram o jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, e o operário Manuel Fiel Filho e espalharam que haviam se suicidado. O presidente-general cercou os duros e exonerou o comandante do Exército em São Paulo. O que assustou, ma non troppo, a linha dura.

Em 1978, a linha dura, liderada pelo ministro do Exército, Sylvio Frota, articulou um movimento com o objetivo de destituir Ernesto Geisel da Presidência da República (a história pode ser conferida no link https://tinyurl.com/y5sp2y9h). Brilhante Ustra, o herói de Jair Bolsonaro, era um dos partidários do golpe.

Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel: generais articularam o fim da ditadura | Foto: Reprodução

A turma de Sylvio Frota chegou a se preparar para atirar, de bazuca, no Palácio do Planalto. Para assustar ou, até, matar o general-presidente Ernesto Geisel. Insistindo: Brilhante Ustra, o ídolo de Jair Bolsonaro, estava entre os mais radicais aliados do ministro do Exército.

Ao contrário do presidente Castello Branco, que cedeu às pressões de Costa e Silva, Ernesto Geisel enfrentou o golpismo e exonerou Sylvio Frota, que foi para casa e vestiu o pijama. Mas Brilhante Ustra, o inspirador de Jair Bolsonaro, continuou atuando como membro ativo da linha dura.

O leitor há de perguntar: por que a memorabília? Para indicar que a história de que o grupo de Jair Bolsonaro, sobre a liderança deste, tramou o assassinato do presidente Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes é inteiramente plausível.

A turma anterior de militares, a que fez a cabeça de Jair Bolsonaro — não custa lembrar que o general Augusto Heleno era uma espécie de “estafeta” de Sylvio Frota —, não difere da turma que articulou o golpe de janeiro de 2023 contra Lula da Silva e chegou a planejar assassinatos. É o retorno da velha linha dura, que adormece, fica letárgica, mas não morre.

Frise-se: não haveria golpismo sem Jair Bolsonaro, quer dizer, sem “um cabeça”. Ele era o “homem” dos militares no putsch.

Anistia para Bolsonaro é crime contra a democracia

Sérgio Paranhos Fleury, delegado da Polícia Civil, e Jair Bolsonaro: depois da Lei Fleury, o país terá a Lei Bolsonaro? | Fotos: Reprodução e Euler de França Belém/Jornal Opção

É hora de retomar o início deste Editorial — que optou primeiramente por apresentar um contexto para as origens políticas e “ideias” (parcas e não democráticas) de Jair Bolsonaro.

A lei é clara: Jair Bolsonaro, o golpista, não pode ser candidato a presidente da República. Está inelegível.

Fala-se em anistia para Jair Bolsonaro. Se a anistia for aprovada — seria uma espécie de quase nova Lei Fleury (a que beneficiou o delegado Sérgio Paranhos Fleury, outro matador destacado da ditadura) —, os membros do Congresso estarão cometendo um crime contra a democracia. Estarão premiando golpistas ao concluir que conspirar e agir contra a democracia não tem nada demais e merece perdão. Não merece.

A condenação de Jair Bolsonaro merece ser ampliada, possivelmente com prisão. Assim como devem ser condenados os civis e militares que articularam o golpe de Estado, não contra apenas o governo do presidente Lula da Silva, e sim, sobretudo, contra a democracia, o país, os brasileiros.

Embora não possa ser candidato a presidente, Jair Bolsonaro, seu grupo político e até a imprensa ficam repetindo o lenga-lenga de que poderá disputar. Não poderá. Trata-se de uma ilusão, de uma contrafação. A imprensa não pode ser porta-voz indireta do ex-presidente. Por que colocá-lo nas pesquisas de intenção de voto se a lei é explícita: Jair Bolsonaro não pode ser candidato em 2026? Os institutos de pesquisa e a mídia não acreditam nas leis do país? É o que parece.

Tarcísio, Eduardo ou Ronaldo Caiado

Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado: nomes mais qualificados da direita | Foto: Divulgação

Diz-se, entre “aliados”, “amigos” e “quase-amigos”, que Jair Bolsonaro não confia em ninguém, quiçá nem na própria sombra (as aspas anteriores dizem tudo). Por isso planeja lançar para presidente um membro de sua família.

Mas há a possibilidade de Tarcísio de Freitas disputar? Consta que Jair Bolsonaro já tratou o governador de São Paulo como um filho. Ele seria o Zero Cinco (ou Zero-Zero), ou seja, depois de Flávio, Eduardo, Carlos e Renan Bolsonaro.

Porém, depois que Tarcísio de Freitas assumiu o governo de São Paulo, Jair Bolsonaro perdeu ascendência sobre o pupilo. O membro do Republicanos ouve muito mais Gilberto Kassab, devido à sensatez deste, do que o ex-presidente, que estaria enciumado.

O fato é que Tarcísio de Freitas não quer ser candidato a presidente. Ele deve disputar a reeleição, quer dizer, não planeja trocar o quase-certo pelo muito duvidoso (Lula da Silva está mal, no momento, mas é uma raposa e pode dar a volta por cima).

Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil

Então, ante a resistência de Tarcísio de Freitas, Jair Bolsonaro não tem, no momento, nenhum candidato a presidente. Por isso insiste com a alopradice de que será candidato. Noutras palavras, está ocupando espaço, com o objetivo de evitar que outro postulante da direita cresça.

O ex-presidente está tentando “segurar” o lugar de candidato. Para quem? Talvez para o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Talvez para o senador Flávio Bolsonaro (que é moderado, o que irrita o pai). Talvez a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (aliados sugerem que, machista, o ex-presidente não permitirá que ela seja candidata, exceto ao Senado). Os três do PL.

Jair Bolsonaro não pertence à linhagem dos grandes políticos racionais, como Ulysses Guimarães, Petrônio Portella, Bilac Pinto e Tancredo Neves. Parece mais o “cruzamento” de Tiririca com Carlos Lacerda e Bin Laden. (Vale lembrar que já quis jogar bomba num quartel do Exército.)

Michelle Bolsonaro deve ser candidata a senadora no Distrito Federal | Foto: Reprodução/Instagram

Uma figura crua, com escassa formação — o economista Paulo Guedes tinha uma dificuldade imensa de explicar ao ex-presidente as linhas básicas da economia e suas conexões internacionais —, Jair Bolsonaro é um poço de emoções, um político impulsivo, de rompantes. Mas, como tem voto, o aplauso de parte substancial do eleitorado de direita, precisa mesmo ser cultivado por aqueles pré-candidatos a presidente, como Ronaldo Caiado (União Brasil) e Ratinho Júnior (PSD).

Uma chapa com Ronaldo Caiado para a Presidência — o goiano é um símbolo de consistência política e administrativa, respeitado nacionalmente (sua política de segurança começa a ser copiada, assim como seu projeto para a educação) —, com Michelle Bolsonaro (ou Eduardo Bolsonaro) na vice teria chance de derrotar Lula da Silva ou seu candidato a presidente.

Ronaldo Caiado atrairia o voto da direita moderada e do centro. Eduardo Bolsonaro (ou Michelle Bolsonaro) atrairia o voto da direita radical.

Jair Bolsonaro seria sensato o suficiente para bancar uma chapa com Ronaldo Caiado na cabeça de chapa e seu filho Eduardo como vice? Se quer derrotar a esquerda, seria um caminho viável. Porém, se persistir pensando no poder como uma coisa pessoal, certamente bancará alguém da família, notadamente se Tarcísio Freitas optar pela reeleição em São Paulo.

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