Efeito Trump? Washington Post muda seção de opinião mas deixa reportagem intocada… por enquanto

Presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, um Donald Trump intelectualmente cerebrado, autorizou que “aliados” grampeassem o escritório do Partido Democrata, no edifício Watergate.

Os jornais americanos, notadamente o “Washington Post” — então dirigido pela empresária Katharine Graham e pelo editor Ben Bradlee —, começaram a investigar a história.

O “Post” colocou uma equipe para vasculhar os bastidores, com Bob Woodward e Carl Bernstein na linha de frente, como repórteres rompedores.

Uma fonte de Woodward — o vice-diretor do FBI, Mark Felt — foi decisiva para o sucesso da investigação jornalística.

Mark Felt funcionava mais como um corretor dos rumos das reportagens. Sugeria avanços e mudanças na investigação. Os formidáveis Katharine Graham (nunca pediu que os repórteres revelassem suas fontes) e Ben Bradlee deram todo o apoio aos jornalistas, enfrentando, com grande coragem, as pressões do republicano Richard Nixon (que, a rigor, não era um presidente ruim).

Bob Woodward, Carl Bernstein e Ben Bradlee: trio derrubou Nixon | Foto: Reprodução

Ante as evidências, do descumprimento das leis, Richard Nixon possivelmente sofreria impeachment. Então, optou pela renúncia, em 1974. Há 51 anos.

A era Jeff Bezos no Washington Post

Desde 2013, o “Post” não é mais controlado por uma família de experts em jornalismo, e sim pelo empresário Jeff Bezos, o bilionário que criou a Amazon.

Woodward, de 81 anos, continua escrevendo no “Post” e é um dos interlocutores-conselheiros de Bezos.

Há pouco tempo, Woodward elogiou Bezos, informando que o empresário, embora não seja do ramo, está investindo em novas formas de fortalecer o jornalismo. Chegou a contratar mais repórteres.

Frise-se: Bezos é o dono — solitário — do “Post”. Jornal é, porém, um empreendimento com ligeiras diferenças de negócios como Amazon, Google, Facebook, Tesla e X. Seu controle é privado, mas a operação é pública. Portanto, não acolhe tão-somente a opinião dos proprietários.

Elon Musk e Donald Trump: jogando pelo mercado e pela direita | Foto: Reprodução

Por isso, precisam contemplar a diversidade da sociedade, que, naturalmente, tem opiniões diferentes sobre os fatos. No Jornal Opção, por exemplo, há articulistas de centro, de direita e de esquerda. Nenhuma linha de seus artigos é cortada por razão ideológica. Às vezes um articulista reclama do outro, mas de uma coisa nenhum deles pode reclamar: sempre esteve livre para expor sua opinião.

Na semana passada, o editor de Opinião do “Post”, David Shipley, pediu demissão. Porque Bezos tomou uma decisão que contraria seus princípios jornalísticos.

A partir de agora, a seção de Opinião do “Post” mudou, de maneira ampla: o foco do veículo de Bezos “será apoiar e defender temas ligados às liberdades pessoais e a mercados livres”.

Opiniões contrárias à decisão editorial não serão mais publicadas. Antes, sob a coordenação de David Shipley, a opinião era livre. Agora, Bezos pondera que há outros espaços, notadamente na internet, para opiniões divergentes.

Por que a guinada editorial só agora, quase 12 anos depois de ter adquirido o “Post”? Bezos não explicou. Mas a ascensão do presidente Donald Trump, que radicalizou o discurso pró-mercado, pode ter levado à mudança. O poderoso chefão da Casa Branca e Elon Musk comemoram. O dono da Tesla e do X, Elon Musk exultou: “Bravo, @JeffBezos”.

No caso de um novo Watergate, o que Bezos faria: moitaria o caso? Talvez não. Por enquanto, a mudança foi feita apenas no espaço de opinião. O bilionário não fez interferência no setor de reportagem. O jornal permanece equilibrado, de algo nível. Seu jornalismo é de primeira linha, irrepreensível.

A redação do “Post” sempre foi uma das mais aguerridas e qualificadas dos Estados Unidos, inclusive na gestão de Bezos. A mudança na seção editorial pode aumentar a autocensura? É possível.

Recentemente, ao informar que não apoiaria nenhum dos candidatos a presidente dos Estados Unidos — quando, aparentemente, “havia” decidido apoiar Donald Trump (não há total clareza a respeito, ao menos durante a disputa presidencial) —, o “Post” perdeu alguns repórteres e 250 mil assinantes.

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