Cada capítulo de Vento Vazio, de Marcela Dantés, é como um dardo: curto, preciso e visceral

Carlos Willian Leite

Especial para o Jornal Opção

Quarto livro lido em 2025: “Vento Vazio” (Companhia das Letras, 224 páginas), de Marcela Dantés.

A literatura brasileira vive um de seus auges, impulsionada por uma geração de escritoras de excelência rara. Este conjunto impressiona pela força e diversidade, articulando-se em correntes bem definidas.

De um lado, há Carla Madeira, que mistura frases dignas de para-choques de caminhão com a platitude risível dos bolinhos da sorte do China Inbox. Por outro, nomes como Marcela Dantès, Natalia Timerman e Andréa del Fuego elevam a literatura contemporânea a novos patamares.

Mas a questão aqui é outra: “Vento Vazio”, de Marcela Dantés. Não conhecia o romance até saber que fora eleito o melhor livro de 2024 pelos leitores da “Revista Bula”. Ao iniciar a leitura, é impossível não traçar paralelos com o tom introspectivo e lírico de “Coivara da Memória“, de Francisco Dantas. Marcela Dantés não emula o lendário escritor sergipano, mas provoca o mesmo assombro com sua escrita.

A pergunta que surge no início é: será possível sustentar esse impacto até o final? A cada página, a resposta é um sim contundente. Cada capítulo é como um dardo: curto, preciso e visceral.

“A mãe de ninguém devia morrer quando se tem catorze anos, mas a minha morreu e eu comecei a fumar. E ainda hoje, de vez em quando, fico pensando que seria bonito se a gente se sentasse para fumar na varanda.”

A Quina da Capivara, com seu ambiente árido e vento incessante, não é apenas cenário, mas personagem central de uma narrativa que murmura solidão, cicatrizes e memórias soterradas. Miguel Sem-Fim, marcado por dores que o tempo não apaga, chega à Quina buscando recomeço. Acolhido por Teodora, cuja firmeza o conecta à decadente usina eolioelétrica, ele enfrenta um vazio além do físico, desenterrando verdades que o vento não dissipa.

Ao redor, vidas e segredos se entrelaçam. Maura vaga em busca de algo indefinido; Alma desafia superstições ao reconstruir beleza entre ruínas; e Cícera cava a terra como quem busca segurança nas profundezas.

Com uma prosa que transita entre a brutalidade da paisagem e a delicadeza das emoções, Marcela Dantés entrega um romance único, à altura de livros como “Madona dos Páramos”, de Ricardo Guilherme Dicke. É o tipo de obra sobre a qual, daqui a muitos anos, ainda estaremos falando. Uma narrativa que é como um murmúrio contínuo, um lugar de sonhos, onde cada página ressoa com a força do que está por vir e do que, independentemente do querer, jamais será esquecido.

Nota: 9,5

Carlos Willian Leite, jornalista, poeta e editor da “Revista Bula”, é colaborador do Jornal Opção.

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