Brasil enfrenta crise de saúde mental com mais de 472 mil afastamentos em 2024

O Brasil vive uma crise de saúde mental com impactos diretos no ambiente de trabalho. Em 2024, o país registrou um recorde de 472.328 afastamentos do trabalho por transtornos mentais, o maior número dos últimos 10 anos.

Esse dado representa um aumento de 68% em relação ao ano anterior, quando foram concedidas 283 mil licenças médicas. A situação reflete uma realidade alarmante, que tem afetado tanto os trabalhadores quanto as empresas.

Os especialistas apontam que a pandemia e as mudanças no mercado de trabalho são os principais fatores que explicam esse aumento. O luto pós-pandemia, o estresse prolongado causado pelo isolamento social, a insegurança financeira e o aumento do custo de vida são algumas das causas que têm contribuído para o agravamento dos transtornos mentais.

Além disso, a crise gerada pela pandemia intensificou a sobrecarga de trabalho, especialmente entre as mulheres, que representam a maior parte dos afastamentos por questões psicológicas.

Embora os dados mostrem um aumento significativo nos afastamentos, a situação é ainda mais complexa. Transtornos como o burnout, que têm ganhado atenção, não estão entre os mais comuns em termos de afastamentos, com apenas 4.000 licenças concedidas em 2024.

Esse número está relacionado à dificuldade de diagnóstico dessa condição. Vale destacar que os dados apresentados não representam a totalidade dos trabalhadores afetados, já que um mesmo indivíduo pode ser afastado mais de uma vez ao longo do ano, o que inflaciona os números.

Prejuízo mental e financeiro

O impacto financeiro dessa crise também é expressivo. Em 2024, o INSS gastou quase R$ 3 bilhões com benefícios para trabalhadores afastados por transtornos mentais. Os afastamentos duraram, em média, três meses, com o pagamento de cerca de R$ 1.900 mensais, o que evidencia o peso dessa crise no sistema de seguridade social.

Esse quadro se reflete de maneira mais intensa nos estados mais populosos, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, mas também em estados como o Distrito Federal, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde os índices de afastamento proporcional à população são mais elevados.

As mais sobrerregadas são elas

Mulheres são as principais afetadas por esse aumento nos transtornos mentais. Elas representam 64% dos afastamentos por questões psicológicas. Esse dado está diretamente ligado à sobrecarga social que enfrentam, seja pela responsabilidade do cuidado familiar, pela menor remuneração em comparação aos homens, ou pela violência doméstica.

De acordo com o IBGE, 82% das mulheres ganham menos que seus colegas homens, o que contribui para um quadro de estresse e ansiedade. Além disso, as mulheres são responsáveis por mais de 49% dos lares no Brasil, o que aumenta ainda mais a pressão financeira e emocional sobre elas.

Os especialistas destacam que, apesar de as mulheres buscarem mais ajuda médica, a pressão social é um fator agravante para o aumento dos transtornos mentais. A psiquiatra Arthur Danila afirma que a pandemia intensificou a sobrecarga de trabalho e a responsabilidade das mulheres, o que contribuiu para o aumento de quadros de ansiedade e depressão.

A pesquisadora Thatiana Cappellano, por sua vez, alerta que a combinação de um aumento na carga de trabalho com a falta de suporte psicológico adequado resulta em uma “tragédia social anunciada”.

Como fiscalizar?

Diante desse cenário, o governo federal adotou medidas mais rigorosas. O Ministério do Trabalho atualizou a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que trata da saúde no ambiente de trabalho, para incluir a fiscalização dos riscos psicossociais nas empresas.

A norma estabelece que as empresas devem adotar medidas para prevenir e corrigir questões relacionadas à saúde mental dos trabalhadores, com a possibilidade de multas caso essas diretrizes não sejam seguidas. As inspeções serão realizadas com base em denúncias e priorizarão setores como teleatendimento, bancos e estabelecimentos de saúde, onde os índices de adoecimento mental são elevados.

Ainda assim, especialistas como Thatiana Cappellano alertam que a atualização das normas, por si só, não resolverá a crise. Para que haja uma mudança real, é necessário que as empresas implementem ações eficazes para melhorar as condições de trabalho e promover a saúde mental de seus colaboradores.

A fiscalização pode ajudar a chamar a atenção para o problema, mas a verdadeira transformação dependerá de uma mudança estrutural nas empresas. Um exemplo de adaptação pode ser visto na Coris Seguro Viagem, que, após perceber um aumento no número de afastamentos por questões psicológicas em 2022, decidiu repensar suas práticas.

A empresa passou a oferecer apoio psicológico, benefícios de academia e orientação financeira para seus funcionários, o que resultou em uma melhora no ambiente de trabalho e uma redução nos afastamentos. Esse tipo de iniciativa demonstra como as empresas podem ajudar a mitigar o impacto dos transtornos mentais no local de trabalho.

A crise de saúde mental no Brasil é um reflexo de um problema global. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, globalmente, 12 bilhões de dias úteis são perdidos todos os anos devido a transtornos como depressão e ansiedade, o que representa uma perda de US$ 1 trilhão por ano.

A crise no Brasil exige uma resposta coordenada entre governo, empresas e sociedade para garantir que os trabalhadores tenham as condições necessárias para preservar sua saúde mental, evitando que o quadro atual se agrave ainda mais.

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