Prédios de unidades de saúde de Goiânia estão sucateados e usuários reclamam do atendimento médico

O Jornal Opção recebeu, nesta semana, fotos de algumas unidades de saúde em Goiânia, onde se constata o sucateamento dos prédios que abrigam os Centros de Atenção Integral à Saúde (Cais). Pelo menos em dois dos cinco visitados pela reportagem – o Cais Amendoeiras e o de Campinas – verificou-se o descaso do poder público com a estrutura física.

A reportagem visitou quatro unidade de saúde na capital e em três delas foram encontrados problemas estruturais e de atendimento aos pacientes. Os equipamentos de algumas unidades foram encontrados em estado de deterioração como cadeiras onde os pacientes recebem medicamentos sem condições de uso, aparelhos de acondicionamento quebrados além de macas com o acolchoado rasgados e infiltrações e pedaço de paredes e tetos caindo.

Banheiro do Cais Amendoeiras l Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Problemas também foram encontrados com relação ao atendimento aos pacientes que chegam precisando de auxílio médico. As reclamações são de falta de médico ou médicos que estão dormindo em horário de trabalho, falta de educação de alguns funcionários, demora nas filas da emergência que chegam a durar de quatro a cinco horas para receber atendimento.

Funcionários e pacientes do Cais Amendoeiras e de Campinas relataram que os problemas de infiltrações nas paredes e lajes provocam goteiras e, dependendo da quantidade de chuva, até alagamento. “Já chegou a cair pedaço de pintura e massa da laje em cima de paciente”, disse um funcionário do Cais de Campinas em condições de anonimato.

Na enfermaria apertada do Cais Amendoeiras, os problemas de infiltrações estão bem em cima das camas onde estão os doentes, com risco de cair pedaços sobre eles. “Olha aí essa situação amigo, a gente só fica porque é obrigado, não tenho para onde ir. É uma falta de respeito conosco”, relatou um paciente que preferiu não ser identificado.

Cadeiras estão em estado deplorável l Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

No Cais Amendoeiras, a reportagem constatou diversos problemas estruturais no prédio, como infiltrações nas paredes que fazem com que a massa utilizada para a pintura se solte e caia. Na sala designada para a enfermaria, a situação é precária, com parte dessa massa caindo, podendo ferir os pacientes sob tratamento de soroterapia.

Nos banheiros, as condições são similares, com muitas infiltrações. Foi encontrado também uma cadeira, utilizada para as coletas de sangue, que precisou ser remendada com esparadrapos para não cair e oferecer suporte ao paciente. Além disso, a população reclama do descaso dos prestadores de serviços da unidade de saúde.

A dona de casa Miria Pereira, de 81 anos, informou que já foi maltratada, inclusive por médicos. “Sempre venho aqui quando preciso, pois infelizmente não tenho condições de ter um plano de saúde. Eu já fui humilhada por médicos e por enfermeiras, que não têm respeito nem pela minha idade”, reclama.

Fernando Rodrigues Rocha, paciente da unidade, relatou ter presenciado uma pessoa morrer por falta de atendimento médico, enquanto o profissional dormia, mesmo sendo durante o dia. Além do mais, os pacientes reclamam frequentemente da falta de respeito por parte de enfermeiros e até mesmo dos atendentes.

Fernando estava com a sua mãe, de 75 anos, aguardando atendimento em frente à sala de Raio-X que estava em uma cadeira de rodas sentindo dores com suspeita de fratura na bacia. Segundo o filho, a espera já durava mais de 40 minutos. Outra acompanhante de um paciente interrompeu a conversa para alertar que o responsável pelos exames tinha saído, mas já havia retornado e se trancado na sala com uma criança.

Senhora de 75 anos esperava a mais de 40 minutos na porta do Raio-X l Foto: LeoIran/Jornal Opção

Diante dessa informação, a reportagem bateu na porta até que fosse aberta e pôde fazer alguns questionamentos ao profissional de radiologia, que optou por não se identificar. Questionado sobre sua saída durante o expediente, o homem alegou ter ido buscar um paciente fora da unidade, porém, quando indagado se essa era uma prática permitida pela direção do cais, desconversou e fechou a porta.

Posteriormente, o Jornal Opção descobriu que a criança na sala de Raio-X era neta do profissional que ele teria buscado na escola. Logo após a conversa com o radiologista, a senhora que aguardava para fazer o exame foi finalmente atendida. A reportagem procurou a direção do cais para esclarecer a situação e informou que a conduta do técnico em radiologia não pode acontecer e frisou que nenhum profissional pode sair para buscar pacientes fora da unidade ou trazer filhos ou netos para o local de trabalho, principalmente em uma sala de Raio-X. A direção do Cais informou que vai tomar as devidas providências nesse caso. A diretora da unidade de saúde que não é médica não quis se identificar.

A reportagem também encontrou com Fábio Henrique, que estava acompanhando a esposa Luciana de Resende Pena internada há 11 dias no Cais Amendoeiras à espera de uma vaga em algum hospital. Fábio conta que a esposa tem câncer de mama, mas durante as quimioterapias desenvolveu um problema no quadril que precisa ser solucionado para assim dar continuidade ao tratamento do câncer. “Minha esposa precisa urgentemente de uma vaga porque se não ela pode morrer por falta de tratamento do câncer, e segundo os médicos, não tem como ela fazer quimioterapia e radioterapia sem antes resolver essa deficiência. Já fui até no Ministério Público, mas até agora nada”, desabafa.

Cais Campinas

No Cais de Campinas, o cenário é idêntico ao anterior. Há muitas infiltrações nas paredes e tetos, e superlotação, principalmente na pediatria. A falta de ar-condicionado também é um problema sério observado por pacientes e funcionários.

Maria Raimunda Andrade estava na unidade com o esposo, que apresentava sintomas de dengue. A mulher queixava-se das cadeiras: “Essas cadeiras já deveriam estar no lixo. Não tem nem como fazer a higienização com elas todas rasgadas assim. É perigoso até o doente sair pior daqui por causa de alguma bactéria alojada nessas cadeiras”, expõe.

Maria Raimunda sentada em cadeira resgada l Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Katiely Pereira, que estava com a filha adolescente internada com dengue, disse que foi preciso levar roupas de cama e um ventilador para tentar amenizar o calor. Aliás, praticamente todos os acompanhantes levam ventiladores. “Tem até o aparelho de ar, porém, ele não funciona, aí a gente precisa se virar para conseguir suportar o calor. Até os lençóis para a cama eu tive que trazer. A situação desse prédio aqui está feia viu, nem parece que é um local para promover a saúde das pessoas”, diz.

Katiely pereira teve que levar um ventilador para refrescar o intenso calor dentro da unidade l Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

A recepção da pediatria estava lotada de mães com seus filhos à espera de atendimento, a maioria com os mesmos sintomas – febre e vômito. As reivindicações eram as mesmas, ou seja, por agilidade no atendimento. Sabrina Cristina, moradora do Parque Santa Rita, aguardava assistência para o filho desde as 8h da manhã, sendo que já era 11h no momento em que a reportagem conversou com ela. “Eu vim no domingo às 19h e fiquei até às 23h e não fui atendida, aí fui embora. Mas tive que retornar hoje (quarta-feira), pois meu bebê não melhorou, porém, já fazem mais de 3h que estou aqui e nada. É triste ver nossos filhos passando mal e não poder fazer nada”, disse chorando. Um funcionário da recepção revelou para o Opção que a demora nos atendimentos era porque quatro dos cinco pediatras eram novatos.

Pediatria do Cais de Campinas lotada l Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Cais Vila Nova

 Apesar de a unidade ter sido reformada recentemente, os problemas de superlotação e a demora no atendimento persistem. De acordo com Domingos Carneiro, que aguardava o suporte para a esposa há mais de três horas, é plausível manter os prédios em plenas condições de uso, no entanto, não podem deixar de lado o que é mais importante, que é um atendimento de qualidade para os doentes. “Quero aplaudir o poder público pela reforma do prédio, mas quero pedir para que olhem com o mesmo cuidado para os pacientes, ofertando um atendimento ágil e de qualidade”, pediu.

A gestora técnica do Cais,que também não se identificou, explicou que a demora sempre foi entre uma e duas horas, mas desde quando a prefeitura fechou o Centro de Referência em Ortopedia e Fisioterapia (CROF), esse período aumentou. “Agora os clínicos gerais precisam atender além dos pacientes com enfermidades, os pacientes com traumas, causando uma demora ainda maior na espera. Não temos o que fazer, já que é uma resolução da secretaria”, esclarece.

Recepção do Cais Vila Nova com superlotação l Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

A gestora ainda informa que não há espaço na unidade para acomodar médicos ortopedistas. Porém, ela pondera que não foi uma decisão acertada da Secretaria de Saúde levar esses atendimentos para os Cais.

Comissão de Saúde

A vereadora Kátia Maria (PT), presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Goiânia, tem acompanhado de perto a situação do sucateamento das estruturas, mobiliário e médicos efetivos da rede municipal. Kátia Maria relata que a comissão tem realizado visitas constantes a essas unidades e cobra da prefeitura melhorias em todo o sistema.

Kátia Maria presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal l Foto: Wesley Menezes

A vereadora explica que o sucateamento não se limita aos Cais, mas afeta todas as unidades de saúde da capital. “Infelizmente, esta precariedade está presente em todas as unidades básicas de saúde, inclusive nas péssimas condições de trabalho dos profissionais da área. Já fizemos requerimentos para que a Secretaria de Saúde detalhasse para a comissão a prestação de contas, que sempre chega de forma muito genérica. Queremos saber onde o dinheiro está sendo aplicado, já que não vemos melhorias nos serviços”, pontua.

Kátia Maria ressalta que a comissão continuará denunciando o descaso e cobrando as benfeitorias necessárias. “O que sinto é que a prefeitura, mesmo com a comissão realizando audiências públicas, apresentando requerimentos e exigindo respostas, acaba sendo muito omissa e não fornece as respostas que esta comissão necessita. Para ilustrar, na semana passada realizamos uma audiência pública para discutir o tema da terceirização do serviço de saúde, no entanto, o atual secretário, Wilson Pollara, não compareceu nem enviou representante”, questiona.

Kátia Maria enfatiza que a comissão utilizará todas as prerrogativas do diálogo, entretanto, caso não tenha sucesso, será necessário judicializar o assunto. “A partir de agora, em vez de convidar, convocaremos os responsáveis. Nossa intenção é resolver esse problema dentro da política, mas se mesmo assim não funcionar, recorreremos ao judiciário para que se cumpra o que a lei exige”, argumenta a vereadora.

Pacientes são obrigados a sentar em cadeiras rasgadas l Foto: LeoIran/Jornal Opção

A reportagem pediu uma entrevista com o secretário de Saúde, Wilson Pollara, mas a pasta se limitou em mandar um nota respondendo os questionamentos da matéria e também as demandas dos pacientes.

Veja a nota na íntegra.

A Secretaria Municipal de Saúde esclarece que a ampla revitalização do Cais Amendoeiras está prevista para começar em duas semanas. Todos os pontos que precisam ser melhorados, estão sendo discutidos com o Conselho de Saúde local, inclusive, a plenária realizada no início desde mês, foi acompanhada por veículos de comunicação.   

As obras do Cais Campinas seriam executadas pela empresa RT Ambiental Eireki – EPP, vencedora da licitação para reformar as unidades de saúde que necessitavam de grandes reformas. Mas após atrasos, descumprimento de cronogramas e falta de investimentos nas obras, a secretaria foi obrigada a romper o contrato com a empresa. 

Diante disso, a revitalização do Cais Campinas será incluída no cronograma de execução do Consórcio Gouveia, empresa que já realiza obras nas unidades de saúde do município. No momento, a empresa trabalha em 15 obras, entre elas a conclusão da UPA Guanabara e a reforma do Centro de Referência em Ortopedia e Fisioterapia (CROF). Tão logo seja concluída uma das obras maiores, a revitalização do Campinas será iniciada. Enquanto isso, então sendo realizados reparos conforme as necessidades da unidade para garantir conforto aos pacientes e condições de trabalho aos profissionais de saúde.

A Secretaria Municipal de Saúde esclarece que os casos simples de ortopedia passam primeiro pelo atendimento com o clínico geral onde a maioria dos problemas são resolvidos. Como, por exemplo, entorses, luxações e contusões onde o clínico faz exames e recomenda medicações.

Esse já é um fluxo normal em qualquer unidade de urgência. Caso haja necessidade, o paciente é encaminhado ao especialista. Em se tratando de casos mais complexos, o paciente vai direto para o ortopedista.  A secretaria esclarece ainda que está trabalhando para descentralizar e aumentar o serviço de ortopedia no município.

A Secretaria informa ainda que 43 unidades de saúde já passaram por completa revitalização. 

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