Em entrevista ao Jornal Opção no Brasil, ministro irlandês Seán Canney revela parcerias, elogia o país e diz: “Nosso povo tem muito em comum”

Recentemente nomeado ministro de Transporte Internacional e Rodoviário, Logística, Ferrovia e Portos da Irlanda, Seán Canney é um homem com uma longa e admirável trajetória na gestão pública e na política do país europeu. Foi com um firme aperto de mão e um sorriso afetuoso que ele, ao lado de sua simpática esposa, Geraldine, e da gentilíssima embaixadora irlandesa, Fiona Flood, recebeu na última sexta-feira, 14, a equipe do Jornal Opção, que convidada pela Embaixada da Irlanda, foi até a Residência Oficial, em Brasília, para entrevistá-lo – em sua primeiríssima vinda ao Brasil.

O ministro vem da zona rural de Galway, membro de uma família de sete. Casado com Geraldine, Seán Canney tem três filhos – um deles prestes a se casar com uma brasileira de Fortaleza, Ceará. Fato que, segundo ele, torna sua primeira vinda ao Brasil ainda mais especial.

Canney é agrimensor por profissão, com mais de 30 anos de carreira no setor privado. Foi por nove anos professor na Technical University, em Galway. Ainda em Galway, foi de membro do Conselho a prefeito – cargo que ocupou entre 2006 e 2008.

Antes de ser nomeado ministro de Transportes da Irlanda, Seán Canney foi ministro de Estado no Escritório de Obras Públicas, Chefe Assistente do Governo e ministro de Estado para Assuntos Rurais, Recursos Naturais e Desenvolvimento Digital. Também atuou como membro do Comitê Conjunto do Oireachtas, o Parlamento irlandês (do qual foi membro), sobre Questões de Deficiência e do Comitê Conjunto de Supervisão Orçamentária do Oireachtas.

Em uma conversa exclusiva com o Jornal Opção (único veículo goiano convidado para entrevistá-lo em sua passagem pelo Brasil), o ministro irlandês compara seu povo aos brasileiros, e afirma que eles têm muito em comum – entre eles, o amor ao trabalho e à celebração da vida. Segundo ele, Brasil e Irlanda têm uma forte parceria comercial e diplomática (os países, inclusive, celebram 50 anos das Relações Diplomáticas em 2025), o que será ainda mais fortalecido com a doação de mais de 91 milhões de reais neste ano ao Fundo da Amazônia.

A vinda de Canney ao Brasil acontece durante os preparativos para a celebração do famoso Dia de São Patrício, no próximo dia 17 de março. A data virou símbolo dos irlandeses e, segundo o ministro, é uma mensagem ao mundo do caráter vibrante e acolhedor da Irlanda.

Para ministro Seán Canney, Brasil e Irlanda têm muitas aberturas comerciais a serem exploradas | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Ton Paulo – A cidade de Gort, na Irlanda, é famosa por abrigar um grande número de brasileiros. Ela é até apelidada de “Pequeno Brasil”. O que causa esse fenômeno? O que atrai tantos brasileiros para lá?

Gort fica no meu próprio distrito eleitoral, por isso estou muito familiarizado com a região. Um terço da população da cidade é constituída por brasileiros que foram para a Irlanda, sobretudo nos anos 80, para trabalhar numa fábrica de processamento de carne. Eles tinham as habilidades necessárias para trabalhar na fábrica, numa época em que era difícil arranjar pessoas para fazer o trabalho. E eles, como dizemos, conquistaram os nossos corações e ficaram conosco.

Temos, hoje, 70 mil brasileiros vivendo na Irlanda. Suponho que uma coisa que temos em comum com os brasileiros é que trabalhamos muito, gostamos de nos divertir e também gostamos de estar envolvidos e integrados na nossa comunidade.

E penso que os brasileiros que foram para a Irlanda se integraram realmente, tornaram-se parte da nossa comunidade e agora contribuem de uma forma muito positiva para nossa economia. É ótimo ver isso.

Ton Paulo – Desde 1975, quando as relações diplomáticas foram estabelecidas entre Brasil e Irlanda, ambos os países têm desfrutado de um bom relacionamento. No seu ponto de vista, em quais áreas o Brasil poderia melhorar mais com a Irlanda, e vice-versa? Como as nações poderiam contribuir mais uma com a outra?

Este ano, celebramos os 50 anos das nossas relações diplomáticas com o Brasil. Mas nossos laços e nossas culturas remontam aos anos 1500, quando os missionários vieram para o Brasil. Portanto, temos uma longa, longa história de envolvimento e ligação de Brasil e Irlanda.

Eu diria que, neste momento, estamos numa posição muito boa. Estamos negociando com o Brasil, que é o segundo maior colaborador para as nossas exportações. As empresas irlandesas trabalham aqui, estão expandindo seus negócios no Brasil.

É uma nação tão vasta, e penso que as pessoas enxergam o potencial que existe. E o que é que podemos fazer enquanto governos? Esta é uma das razões pelas quais eu vim ao Brasil. Antes de tudo, é preciso levar isto em conta: precisamos de ter voos diretos entre o Brasil e Irlanda. Estamos trabalhando nesse sentido. Precisamos conseguir que as companhias aéreas aproveitem a oportunidade que existe, e também garantir que nossos negócios e a forma como os fazemos possam ser melhorados.

Ton Paulo, editor do Jornal Opção, entrevista Seán Canney | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

E um dos pontos que acredito que temos que retificar é a taxação. Falei com vários departamentos sobre o assunto e também sobre um acordo de dupla tributação está sendo negociado neste momento, para que cheguemos em um nível de condições de concorrência equitativas em termos de empresas que vêm para o Brasil.

As relações comerciais entre os dois países são importantes. E também temos muitas parcerias na área da educação, do ensino superior e do intercâmbio de estudantes. Penso que isso enriquece ambas as nações. Portanto, temos mais trabalho a fazer.

Quanto ao trabalho que estão fazendo na Amazônia para protegê-la, fico feliz com o fato de termos contribuído com 15 milhões de euros [91 milhões de reais] para o Fundo da Amazônia. O contrato será assinado pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que irá à Irlanda em julho deste ano.

Acredito que há cada vez mais oportunidades para trabalharmos juntos. Temos muitos pontos em comum em termos das nossas políticas. Acho que temos de analisar a forma como estamos fazendo negócios em ambos os países, como podemos melhorar a conectividade e como podemos aprender uns com os outros.

Por exemplo, temos uma grande quantidade de portos. Sou responsável pelos portos da Irlanda. Somos uma nação insular. Acho que há muitas coisas que podemos aprender com a forma com que vocês trabalham aqui, em termos de portos e de infraestruturas portuárias. Portanto, temos muitas coisas para fazer, para analisar.

Ton Paulo – Poderia falar mais sobre essa doação do governo da Irlanda ao Fundo da Amazônia?  

Somos a oitava nação que aderiu ao Fundo da Amazônia. É um projeto importante. Os investimentos do mundo estão aqui no Brasil, por isso precisamos ter a certeza de que estão funcionando de forma eficaz. Precisamos garantir que salvemos o meio-ambiente de nós mesmos para tornar o mundo à prova de futuro em tempos de mudanças climáticas. Acredito que a Amazônia é uma área que temos de proteger.

Acho que a assinatura do acordo em julho, para a doação ao Fundo da Amazônia, se trata de um marco muito importante na nossa relação com o Brasil. Mas também estabelece, suponho, um exemplo para outros países.

Ton Paulo – Qual é a posição da Irlanda em relação aos imigrantes, especificamente os brasileiros? Existe algum tipo de política de integração para os residentes brasileiros, seja para estudo ou trabalho?

Sim. Neste momento, temos uma enorme quantidade de pessoas entrando em nosso país, vindas de diferentes países. Também temos ucranianos entrando, requerentes de asilo [por conta da guerra com a Rússia]. É um desafio para a Irlanda, porque temos de garantir que estejamos disponíveis e que temos capacidade para acolher pessoas. Mas, ao mesmo tempo, precisamos de pessoas no nosso país.

Isso cria diversidade em termos da nossa cultura, mas também cria um mercado de trabalho porque temos muitas demandas. A nossa população está crescendo. Somos uma população envelhecida e precisamos ser capazes de garantir que todos os serviços necessários estejam disponíveis. E é por isso que precisamos de pessoas entrando na Irlanda. E se considerarmos os brasileiros que foram para o nosso país, eles contribuem para a nossa economia. Contribuem para o que estamos fazendo, eles melhoram a nossa cultura, e também melhoram a nossa diversidade em termos de cultura.

Na primeira vinda ao Brasil, Seán Canney garante: “Uma certeza é que voltarei aqui”

Quando estivemos em São Paulo e no Rio de Janeiro, tivemos uma noite irlandesa organizada pela embaixada. E em ambas as vezes, a música era irlandesa, a dança era irlandesa, mas era tocada por brasileiros. E eles tinham orgulho no fato de serem capazes de tocar a música. Eles têm uma paixão por ela, e isso representa o que somos na Irlanda. Acho que temos muitos pontos em comum em termos da nossa atitude perante a vida. A forma como nos comunicamos uns com os outros.

Nós, irlandeses, assim como os brasileiros, gostamos, como já disse, de trabalhar. Gostamos de contribuir, mas também gostamos de aproveitar a vida e de apreciar os valores que são a amizade, o sentimento de pertencimento. E também de estar em posição de ajudar pessoas que não têm a mesma sorte que nós. Acho que isso me foi transmitido pela atitude e pelas conversas que tive com pessoas do Brasil aqui. E também pela quantidade de pessoas que conheci, irlandeses que estão inseridos no Brasil, nas comunidades daqui.

Eles têm orgulho do fato de amarem o Brasil, de amarem as pessoas. Meu filho Kenneth está noivo de uma mulher linda e encantadora do Brasil, de Fortaleza. E vão se casar em outubro. Isso dá uma sensação extra de que esta visita é especial para nós, a nossa primeira vez no Brasil.

Ton Paulo – A Irlanda é considerada um país muito preocupado com a segurança e o meio ambiente. Como isso se reflete nos meios de transporte utilizados pela população e nas estradas do país?

Neste momento, como ministro dos Transportes, estamos fazendo aquilo que chamamos ‘All-island rail review’ [revisão ferroviária de toda a ilha]. O meu antecessor, o Ministro Ryan [Eamon Michael Ryan], conduziu essa revisão no ano passado para analisar e ver qual é o potencial que existe na oferta de modos de transporte alternativos aos automóveis na estrada. Assim, efetivamente, o que fizemos foi identificar nesse relatório projetos que podemos fazer para alargar a rede de transportes ferroviários, tanto para passageiros como para mercadorias.

Somos um país pequeno, por isso é um desafio torná-lo viável. Mas muitas das empresas na Irlanda querem ter os seus produtos livres de carbono. O transporte ferroviário de mercadorias oferece essa possibilidade como meio de transporte, para os seus bens e serviços. Por isso, vamos trabalhar nesse sentido.

Também estamos investindo fortemente naquilo que chamamos de ‘vias verdes’, como ciclovias, para que tenhamos meios alternativos de viajar, seja de bicicleta ou a pé, para chegar à escola, ao trabalho, e também para tornar as viagens mais ativas. Temos o desafio de desenvolver uma rede de infraestrutura.

Por isso, estamos promovendo muitas mudanças, e algumas delas são mudanças no modo de vida das pessoas, para que possamos efetivamente reduzir o número de carros na estrada, aumentar a segurança nas estradas, investindo na rede rodoviária que temos.

Ministro Seán Canney e sua esposa, Geraldine | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Este ano, investimos 730 milhões [de euros] em melhorias nas nossas estradas. E isso é só a manutenção. Nas próximas semanas, vamos lançar o nosso programa de capital para a estrada nacional, estradas principais e estradas secundárias, para melhorar e ajudar a eliminar alguns dos congestionamentos de tráfego que temos.

Precisamos proporcionar meios de transporte alternativos para que as pessoas possam ir para o trabalho, para a escola, sem terem de usar o carro.

Ton Paulo – No dia 17 de março temos o famoso Dia de São Patrício, uma data que é amplamente celebrada na Irlanda e em vários outros países. Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre essa data. O que o Dia de São Patrício representa para o povo irlandês?

São Patrício é o nosso santo padroeiro. A data se tornou, suponho, o sinal ou um símbolo irlandês. Isso se desenvolveu ao longo dos séculos, atravessou todos os continentes. Todos os países conhecem o Dia de São Patrício. Todos os países conhecem São Patrício.

Trata-se de uma oportunidade para a Irlanda se apresentar na cena mundial. Todos os nossos ministros estão viajando pelo mundo esta semana para se encontrarem com os seus correspondentes de outros países para celebrar o Dia de São Patrício.

É um símbolo da Irlanda, de orgulho e de tudo o que é bom na Irlanda. É uma oportunidade para promover a Irlanda como um bom lugar para trabalhar, viver e fazer negócios. E a data também gera parcerias em nível mundial.

Ton Paulo – Como é a relação entre o governo brasileiro e o governo irlandês hoje? Há algum tipo de diálogo ou parceria planejada ou em andamento sobre a qual o senhor poderia falar?

E eu diria que, primeiro de tudo, a relação entre o Brasil e Irlanda é muito forte. Acho que nós precisamos melhorar nosso ‘jogo’, ambos os lados, para ter certeza de que nos engajemos mais. Ontem à noite, o ministro do Turismo [Celso Sabino] esteve na recepção aqui [na Residência Oficial]. Foi uma grande ocasião, um ministro vir a uma recepção irlandesa.

Acho que é importante continuarmos a nos empenhar. E aguardamos com expetativa a ida do ministro Vieira [Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil] à Irlanda para assinar o contrato do Fundo Amazónico. Mas penso que também é importante dizer que temos muito em comum. Precisamos explorar todas as oportunidades na área da educação. Temos um intercâmbio de estudantes. Temos estudantes que vão à Irlanda para fazer cursos. E isso também é importante, porque a educação é a base de tudo.

“Nosso maior desafio neste momento é a habitação”, diz ministro irlandês Seán Canney, em entrevista ao Jornal Opção na Residência Oficial, em Brasília | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

E precisamos ser capazes de partilhar a boa sorte que temos nos termos do nosso sistema educativo na Irlanda com pessoas de todo o mundo, incluindo o Brasil.

Ton Paulo – No seu ponto de vista, quais são as maiores preocupações da Irlanda e do povo irlandês hoje? Economia, segurança, meio ambiente?

Eu diria que, em primeiro lugar, o nosso maior desafio neste momento é a habitação. O que aconteceu foi que tivemos o Tigre Celta [expressão que se refere ao período de rápido crescimento económico da Irlanda entre 1995 e 2000], como chamamos, no início dos anos 2000, nos anos noventa.

A nossa economia entrou em colapso porque superaqueceu, as pessoas tinham muito dinheiro, contraíram empréstimos e estávamos construindo mais casas do que precisávamos. Assim, o nosso setor da construção entrou em queda, a nossa economia entrou em queda livre. Mas graças a uma gestão fiscal muito boa, corrigimos nossa economia. Mas o legado disso é que agora temos uma maior demanda por casas.

Atualmente, o nosso maior desafio é garantir que o número de habitações no país seja suficiente. Estamos construindo habitação social, algo que não tínhamos feito. Tínhamos deixado de construir casas sociais. Por isso, estamos construindo agora.

Temos uma série de outros projetos para construir casas a preços mais acessíveis, onde as pessoas podem comprar, mas ainda temos de estimular o setor privado a construir casas para venda, para que os jovens, os casais jovens, possam comprar uma casa a preços acessíveis, em vez de dependerem do Estado para construir.

Um dos desafios é que, por causa da recessão que tivemos e dos cortes que fizemos, agora temos um déficit em termos de infraestrutura, seja água, esgoto, estradas ou serviços. Nos últimos cinco anos, planejamos muito e penso que, nos próximos cinco anos, esperamos ver a implementação desses planos para garantir que a infraestrutura exista para construir as casas e criar novamente um ambiente em que as pessoas possam comprar residências a preços acessíveis.

Ministro Seán Canney e Ton Paulo, do Jornal Opção | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Esse é um desafio. Estamos construindo 30 mil casas por ano, mas temos de aumentar esse número para o objetivo de 50, 60 mil. Temos de fazer isso uma forma sustentável e estamos trabalhando nesse sentido.

Ton Paulo – Esta é a primeira vez que o senhor visita o Brasil. Quais foram suas impressões?

Acho que há dois aspectos. Há o país em si e depois há o seu povo. Acho que as pessoas do Brasil são muito compatíveis com as pessoas irlandesas. Os seus traços, a sua simpatia e a sua abertura. Há uma enorme quantidade de pontos em comum.

Na sua infraestrutura, vi um contraste entre, por exemplo, São Paulo, Rio e Brasília, que é uma cidade nova, tem um design espaçoso, há uma enorme infraestrutura rodoviária. Digamos que São Paulo tem problemas de trânsito. E esses são os contrastes.

Mas acho que o mais importante é o fato de vocês serem provavelmente autossuficientes em termos de produção. Fabricam automóveis, vocês têm companhias aéreas. A agricultura é forte.

E muitas cidades aqui são maiores do que a população que temos inteiramente no nosso país. Tem alguma beleza paisagística. Tem litoral, tem pesca, tem portos, tem uma indústria aeronáutica forte. Têm também um sistema educativo forte. Por isso, penso que é importante olharmos para o que estão fazendo. E nós também temos de ver o que estamos fazendo, para podermos aprender uns com os outros.

Mas essa é a minha primeira vez aqui e, definitivamente, estou devidamente impressionado com o que vi. E a única coisa que posso garantir é que voltarei.

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