A Ilusão do Turismo na Terra de Van Gogh

Passei na terra onde o nome do velho Vincent paira no ar – e, acredite ou não, foi ele mesmo que me pregou a primeira peça. Cheguei a Amsterdã, todo empolgado, esperando me perder num mundo de museus, canais encantadores e bicicletas que parecem ter saído de um filtro de Instagram.

A ideia de uma Holanda clássica – com suas tulipas, moinhos de vento, casinhas tortas à beira d’água e aquelas pinceladas ousadas do próprio Van Gogh – era irresistível. Eu abracei essa fantasia, e confesso, comprei ela com gosto.

Mas, mal o avião tocou em Schiphol e, olha só, o encanto começou a rachar. Pela janela – enquanto o piloto ainda manobrava – deparei-me com uma série de jumbos cargueiros, 747s alinhados como se fossem majestades num desfile aéreo. Nada de turistas com mochilas e olhos brilhando; eram apenas máquinas que chegam e partem carregando o que realmente importa por aqui: dinheiro muito dinheiro.

A ironia, de verdade, é de deixar qualquer um perplexo. Num país onde 27% do território se encontra abaixo do nível do mar – e onde a engenharia se encarrega de segurar as águas com maestria – as contradições são abundantes. Enquanto o turista desliza despreocupado pelos canais, uma corrente invisível de euros, dólares e yuans corre sob seus pés, impulsionada por uma logística quase cirúrgica, comércio global e tecnologia de ponta.

Confesso: fui enganado. E, geralmente falando, todo mundo que desembarca com essa ideia de “paraíso turístico” acaba caindo nessa armadilha. O turismo aqui, ao fim das contas, é apenas espuma – representando uns 3% ou 4% do PIB – uma vitrine caprichada que distrai enquanto a real engrenagem econômica gira bem longe das filas do Rijksmuseum.

E como se não bastasse, Amsterdã sabe ainda como dar um toque especial: a liberdade “regulamentada” dos coffee shops. Entre uma foto de tulipas e um ingresso para o museu de Van Gogh, o turista acaba sendo convidado a experimentar a brisa oficial.

Os cardápios de cannabis, com um ar sofisticado, agradam tanto o novato quanto o expert – um cenário que se mistura com bicicletas, barcos turísticos e os canais, criando uma cena tão surreal quanto aquelas pinceladas meio tortas do próprio Van Gogh.

Agora, a verdadeira Holanda? Essa é outra história, que nenhum guia turístico mostra. Fala-se da Holanda da ASML, que fabrica máquinas incrivelmente avançadas para produzir chips – sem os quais seu celular, seu carro elétrico e até o seu micro-ondas se tornariam pura sucata.

A Philips, por exemplo, hoje se dedica muito mais a equipamentos médicos de ponta do que àquela lâmpada de sala de antigamente. E tem também a Holanda das estufas high-tech e da agricultura de precisão, que transformou um pântano em um dos maiores exportadores agrícolas do mundo.

E, sem muita alarde, o dinheiro invisível flui pelos escritórios espelhados da Zuidas, aquele distrito financeiro de Amsterdã onde contratos bilionários se fecham enquanto turistas se perdem no agito do Mercado das Flores – entre uma camiseta de Van Gogh por 9,99 euros e uma selfie com as tulipas. Negócios de proporções até maiores que o PIB de alguns países acontecem em silêncio.

Autorretrato com chapéu cinza de feltro, Van Gogh, 1887 | Foto: Ycarim Melgaço

Quem segura de fato essa vitrine turística? Os imigrantes, sem dúvida. Aqueles que trabalham na recepção, na limpeza, nas lojinhas de souvenirs – vindos do Leste Europeu, da Ásia, da África – são invisíveis, mas essenciais.

E, de modo quase irônico, o país que regula o Airbnb e controla o fluxo dos visitantes abre as portas para outro tipo de imigrante: os de luxo – cientistas, engenheiros e especialistas em IA, que não esperam nem entram na fila, pois vêm não para admirar tulipas, mas para garantir que a engrenagem econômica nunca pare de girar.

No fim das contas, a ilusão do turismo na terra de Van Gogh é como uma obra de arte feita sob medida para o olhar do turista – vibrante, sedutora, mas em última análise ilusória. A verdadeira obra-prima da Holanda não pende num museu; ela está escondida nos terminais de carga, nos enormes silos, nas estufas ultra modernizadas e nas planilhas frias dos fundos de investimento.

Uma tela invisível, pintada com containers, satélites e transações digitais que correm rápido demais para aparecer em qualquer selfie. Holanda, afinal… é bem mais do que se vê à primeira vista. Isso é só um pedacinho do cenário.

O nome oficial do país, se formos exatos, é “Países Baixos”. Mas, vamos ser francos, dizer “Holanda” tem um charme bem maior.

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