Das manifestações cívicas por eleições diretas e o aniversário de 40 anos da redemocratização

A participação popular, a tomada das praças e ruas do Brasil num movimento em direção às eleições diretas para presidente da República após duas décadas de sufrágios validados pelo Colégio Eleitoral obrigou a abertura política por parte dos militares. Esta série sobre a história política do Brasil começou e termina em manifestações. Primeiro, com o presidente cassado, João Goulart, após manifestações da Central do Brasil, em 1964. Por fim, em Goiânia, em abril de 1984, 20 anos depois do Golpe, um ato que provocou a rachadura permanente na muralha da ditadura.

Cartazes pelas Diretas | Foto: Reprodução

O governo de João Figueiredo, iniciado em 1979, foi marcado pela inflação e estagnação econômica, o que fez com que o sentimento de escolha ficasse ainda mais inflamado na população brasileira. Dentro do próprio governo militar, a abertura política já era discutida dede o governo de Ernesto Geisel, com a chamada “distenção lenta, gradual e segura”. No governo de João Figueiredo (1979-1985), isso se intensificou, mas sempre com resistência dos setores mais duros do regime, embora Aureliano Chaves tivesse conquistado a divergência.

Havia também o ministro Golbery do Couto e Silva, que articulava a transição dentro do próprio regime. É importante destacar que a abertura foi marcada pela revogação do AI-5 em 1979 e pela Lei da Anistia, que permitiu a volta de políticos cassados, como Leonel Brizola e Miguel Arraes.

A primeira manifestação pelas diretas já ocorrera em Goiânia, em 1983, articulada principalmente por Mauro Borges e Henrique Santillo. Acompanhada por aproximadamente 5 a 10 mil pessoas, a história é muitas vezes replicada como a primeira do país, mas não foi. A primeira, de fato, ocorreu em Pernambuco, em 31 de março de 83, no município Abreu de Lima. Foi uma manifestação pequena, mas não deixa de ser a primeira.

Iris Rezende: Tempos difíceis

Cassado em 1969 quando era prefeito de Goiânia, Iris Rezende se lançara candidato ao governo para as eleições de 1982. Popular e forte politicamente, Iris recebeu uma ligação de Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB, que hipotecou apoio a sua candidatura. Disse ao então candidato que participaria in loco da campanha para ver in loco a política de Goiás.

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Ao lembrar da histórica do pai, Ana Paula Rezende conta que o sentimento entre os goianos era de luta pela democracia. “Goiás teve seus três senadores cassados, inúmeros deputados federais cassados, deputados estaduais também. Governador, prefeito da Capital”. A ditadura é que mostra a criatura humana o valor da democracia”. Em documentário sobre a história política do pai que será exibido no Memorial Iris Rezende dizia ter a consciência que o povo já estava extremamente abatido com o regime implantado” durante a ditadura.

Ulysses disse a Iris que visitara todos os Estados, ouvido companheiros e lideranças e que havia sintonia para trabalhar pela aprovação de uma emenda a favor de eleição direta para presidente da República. A chamada emenda Dante de Oliveira. Iris diz no documentário que “assumir aquela responsabilidade de realizar o primeiro e um verdadeiro show cívico” seria para provocar a rachadura definitiva na muralha da ditadura no Brasil.

Apesar do sim pelas movimentações de rua que recebeu de governadores e líderes políticos do país, Ulysses ainda não tinha conseguido uma cidade para sediar a primeira movimentação popular nas ruas após décadas de repressão política por parte do governo militar. O sim veio de Iris, que ponderou a euforia de Ulysses por uma manifestação já no sábado daquela semana. “Sábado era um dia de descanso para a família em Goiás….a cidade fica vazia. O ideal seria uma sexta-feira”, relatou o ex-prefeito de Goiânia no livro Diretas Já em Goiânia, de Iúri Godinho.

Iris conta que o presidente do partido esperava algo em torno de cinco ou dez mil pessoas. “Mas foi muito maior. Nada menos que 500 mil pessoas compareceram à Praça Cívica naquele dia. Eu não tinha dúvida de que o povo compareceria, embora muitos pensassem que eu estava doido de prever tanta gente participando ainda mais porque o medo era geral”.

A confiança em um vasto público era tanta, que o governador mandou instalar autofalantes nas ruas Goiás, Araguaia, Tocantins e 1, nas imediações da Praça Cívica, o epicentro das movimentações pelo retorno da democracia popular.

Era chegada a hora de legitimar nas praças a participação das forças que pediam a redemocratização, relatou Iris sobre a posição de Ulysses após a derrota. “Para evidenciar a vontade popular aos líderes nacionais, no comício repeti um gesto que usava nos palanques pelo interior do Estado”, lembra Iris. Cada um dos 300 parlamentares que participaram da manifestação de 12 de abril de 1984 se apresentaram ao povo goiano em defesa da redemocratização.

A campanha culminou com grandes comícios pelo país inteiro, especialmente em 1984, levando milhares de pessoas paras as ruas. Em São Paulo, por exemplo, foram mais de 1,5 milhão de pessoas em 16 de abril de 1984. Seis dias antes, no Rio de Janeiro, foram 1 milhão.

Apesar da força política das movimentações de rua, a emenda Dante de Oliveira não foi aprovada pelo Congresso Nacional. A votação iniciada em 25 de abril só encerrou-se na madrugada, foram 298 votos a favor das eleições diretas contra 65 contrários, além de 3 abstenções. Faltaram 22 votos para atingir o quórum mínimo, e a ausência dos parlamentares na votação contribuiu para sepultar as esperanças das diretas já.

No MDB, lysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro e Orestes Quércia, começaram a articular uma estratégia dupla: manter a mobilização nas ruas e, ao mesmo tempo, disputar a sucessão dentro das regras impostas pelo regime.

O resultado desse movimento foi a formação de uma aliança política em torno da candidatura de Tancredo Neves (PMDB) à presidência e José Sarney (ex-ARENA, filiado ao PDS e depois ao PMDB) como vice, em oposição ao candidato governista Paulo Maluf, que havia sido escolhido pelo PDS (ex-ARENA).

A escolha buscava ampliar a base política da candidatura e evitar resistência dos militares na transição. O plano deu certo: em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves venceu Paulo Maluf (PDS) no Colégio Eleitoral por 480 votos a 180. Apesar da vitória indireta, sua eleição representava o fim da ditadura militar e era vista como um primeiro passo para o retorno das eleições diretas.

Sarney chegou apenas no final

Apesar do nome de José Sarney ter se consolidado para ser o vice na chapa com Tancredo, ele não era a primeira nem a mais agradável das escolhas para a união. O nome que mais agradava Tancredo era o Marcos Maciel, mas uma dúvida sobre a fidelidade partidária fez com que outro nome fosse indicado. Vilmar Rocha, que comandou o PSD em Goiás, diz que Aureliano Chaves, vice-presidente de João Figueiredo, foi responsável por articular a divergência dentro do governo militar para que o processo de redemocratização pudesse ocorrer.

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Além de Chaves e Maciel, Jorge Borhauer, do PDS, também foi uma figura importante que inclusive divergiu do partido que formava a base do governo na votação da emenda Dante de Oliveira. Maciel inclusive tornou-se ministro da Educação na gestão de Sarney, que assumiu após a morte de Tancredo.

Quando a emenda Dante de Oliveira foi votada, em 83, 54 deputados do PDS votaram favoráveis. Apesar do apoio, Oliveira sabia que a matéria não seria aprovada. Aliás, ele e a maioria dos políticos, inclusive deputados Pró-Diretas, compartilhavam essa convicção.

Tancredo adoece e Sarney assume provisoriamente

Conforme a data da posse se aproximava, a saúde de Tancredo Neves começou a preocupar seus aliados. Na noite de 14 de março de 1985, véspera da cerimônia de posse, o presidente eleito foi internado às pressas com fortes dores abdominais. Ele foi diagnosticado com uma grave infecção intestinal e precisou ser submetido a uma cirurgia de emergência.

Diante desse cenário, Sarney assumiu interinamente a presidência em 15 de março de 1985. A situação gerou grande apreensão política, pois havia o temor de que os militares, que ainda tinham influência sobre o governo, pudessem tentar reverter a transição democrática. Tancredo resistia à cirurgia antes de ter garantias de que Sarney seria empossado e que a transição ocorreria dentro da legalidade, evitando qualquer retrocesso político.

Após 39 dias de internação e sete cirurgias, Tancredo Neves faleceu em 21 de abril de 1985, aos 75 anos, em decorrência de uma infecção generalizada. O país mergulhou em luto e a incerteza política aumentou, mas Sarney, que já vinha exercendo a presidência interinamente, foi efetivado pelo Congresso Nacional.

Em meio a um contexto delicado, marcado pelo medo de retrocessos democráticos, Sarney assumiu definitivamente a Presidência da República, tornando-se o primeiro civil a ocupar o cargo desde João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964. Como chefe do Executivo, Sarney teve o desafio de consolidar a transição democrática e garantir a realização da Assembleia Constituinte, que viria a promulgar a Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã.

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