Investigações da PF mostram ligações entre a máfia italiana e o crime organizado no Brasil; R$ 12 bilhões já foram movimentados  

“Eu tenho o Brasil e o Equador, compá”, disse Vincenzo Pasquino, mafioso italiano do clã de San Luca da ‘Ndrangheta, em um aplicativo de mensagens criptografadas, em 2020. A investigação da Polícia Federal, revelada pelo O Globo, mostra que o mafioso visitava cidades como Guarujá (SP) e João Pessoa (PB) para buscar contato com o Primeiro Comando da Capital (PCC). O objetivo: escoar drogas e lavar o dinheiro do tráfico. 

Pasquino foi preso em maio de 2021, no Brasil, e, em 2024, foi extraditado para a Itália, onde conseguiu acordo de delação premiada com a Justiça.  

“Ele revelou detalhes sobre as conexões da máfia com facções criminosas brasileiras e esquemas de lavagem de dinheiro que sustentavam suas operações no Brasil. O impacto dessas ações conjuntas é significativo, pois atinge diretamente a infraestrutura criminosa utilizada pela máfia, tanto no tráfico de drogas quanto na lavagem de dinheiro”, disse o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues. 

O Brasil tem se tornado um ponto estratégico para as máfias italianas, que não apenas utilizam o país como rota para o tráfico internacional de drogas, mas também se envolvem em atividades como a criação de empresas fantasmas e o garimpo ilegal de ouro na Amazônia. Essas operações servem, segundo investigações da PF,  para lavar dinheiro ilícito, e contam com a ajuda de brasileiros que funcionam como facilitadores ou “concierges do crime”, desempenhando papeis essenciais para os traficantes europeus.

Conforme revelado pelo Globo, os relatório das autoridades brasileiras apontam que  as organizações criminosas italianas movimentaram aproximadamente R$ 12 bilhões no Brasil desde 2009. Na última década, pelo menos 25 italianos ligados a grupos como Cosa Nostra, ‘Ndrangheta e Camorra foram presos em solo brasileiro, evidenciando a presença e a atuação dessas redes no país.

Um dos nomes citados nas investigações da PF é o de Anselmo Limeira de Oliveira, ex-assessor parlamentar da Câmara Municipal de João Pessoa, na Paraíba. Oliveira, que tentou se eleger vereador em 2022 sem sucesso, é apontado como sócio de uma construtora que firmou contratos com o governo da Paraíba e a prefeitura de Queimadas (PB) entre 2017 e 2019. A empresa, segundo as investigações, não possuía funcionários ou endereço físico e teria sido usada para lavar recursos obtidos com o tráfico de drogas. Até o momento, as defesas de Oliveira e dos órgãos públicos envolvidos não haviam se pronunciado sobre as acusações.

Leia também: PCC corrompia aeroportos na Bélgica e no Brasil para tráfico aéreo de cocaína

Plano de guerrilha: lideranças do PCC que articularam resgate são transferidas de Goiás para presídios federais

Durante cumprimento de mandados de busca e apreensão, a PF encontrou R$ 770 mil na casa de mafiosos da ‘Ndrangheta, no interior de São Paulo. 

A ligação de Anselmo Limeira de Oliveira com a máfia italiana veio à tona em 2021, quando ele foi flagrado em uma reunião com dois importantes membros da ‘Ndrangheta em um apartamento na praia de João Pessoa. Entre os presentes estavam Vincenzo Pasquino e Rocco Morabito, conhecido como o “Rei da Cocaína de Milão” e, na época, o segundo homem mais procurado da Itália.

De acordo com as investigações, Oliveira atuava como “concierge” para os mafiosos, fornecendo documentos e intermediando contatos com corretores de imóveis que atendiam aos interesses de Morabito e Pasquino. Além disso, mensagens interceptadas pela Polícia Federal revelaram que ele também negociava a venda de armas e drogas, ampliando seu papel na rede criminosa.

 “Se puder me ajudar com pequenos serviços, ficarei grato. Depois certamente entrarei nas licitações e pegarei outros serviços maiores”, disse Oliveira em mensagens interceptadas pelos investigadores. Os indícios apontavam para atividade paralela ao tráfico envolvendo indicação de parentes para cargos na Prefeitura de João Pessoa, além claro, da atuação em obras públicas. 

O relatório oficial afirma que “Diante do exposto constata-se que Anselmo seria para os estrangeiros uma “espécie de faz tudo”, sendo inclusive o responsável pela locomoção dentro da cidade, aluguel de apartamentos, flats e hoteis para hospedagem dos estrangeiros”. Além disso, concluem existir  “fortes evidências que comprovam a ligação de Anselmo com os estrangeiros, apontando desta vez para o tráfico de drogas, possivelmente internacional”.

Em nota oficial, a prefeitura de João Pessoa afirmou que o prefeito e a primeira-dama (destinatários de mensagens enviadas por Oliveira) não são alvos do inquérito e não mantinham “relação pessoal nem tampouco conhecimento sobre fatos da vida pregressa” do investigado. Oliveira já havia sido preso anteriormente por tráfico de drogas.

Rede de atuação

Conforme revelado pelo Globo, a prisão de mais dois “concierges” expôs a dimensão do modus operandi desses grupos criminosos. William Barile Agati e Marlon Santos foram detidos durante a Operação Mafiusi, realizada em dezembro de 2024, e são acusados de fornecer uma “complexa estrutura” de empresas e criptomoedas para lavar dinheiro proveniente do tráfico internacional de drogas e de atividades ligadas ao PCC.

“Nessa seara, os criminosos só querem saber do lucro. Não há ideologia. Então, eles dividem esses ganhos e compartilham as estruturas”, disse Eduardo Verza, delegado da PF responsável por essa investigação. 

Uma corretora de valores e uma produtora de eventos estão entre as companhias de Agati que recebiam os repasses, ambas ligadas ao garimpo ilegal na Amazônia. Um relatório do Conselho de Controle de Atividade Financeiras (Coaf) mostra que o grupo moveu fundos para uma distribuidora de combustíveis, um banco digital e uma distribuidora de bebidas. Segundo as investigações, R$ 2 bilhões do tráfico foram mascarados nessas ações.

A defesa de Agati afirma que ele é “inocente, um empresário internacional de conduta ilibada, primário, e nunca teve nenhum contato (lícito ou ilícito) com o PCC, nem com a máfia italiana”. A defesa de Santos não foi encontrada. 

Código Antimáfia

Diante do crescimento de organizações criminosas que operam além das fronteiras nacionais, o Ministério da Justiça  intensificou seus esforços e está desenvolvendo um “código antimáfia”. A iniciativa tem como objetivo fortalecer as ferramentas legais para enfrentar de forma mais eficaz esses grupos, com foco em cortar suas fontes de financiamento.  

Mario Sarrubo, secretário Nacional de Segurança Pública, destacou que a medida visa sufocar financeiramente as organizações. “Devo entregar o texto ao ministro (Ricardo Lewandowski) entre o fim de março e começo de abril”, disse Sarrubo. 

O antigo secretário nacional antidrogas e observador da ONU na Conferência de Palermo sobre Crime Transnacional,  Walter Maierovitch, enxerga um fenômeno de terceirização e atuação em rede das máfias italianas no Brasil: “É uma prática nova que foi introduzida pela ‘Ndrangheta, que tem uma estrutura horizontalizada de células independentes. Não há mais a exposição dos grandes capos. O maior recurso deles hoje é a “terceirização”, a capacidade de fazer contatos e usar a estrutura do crime daqui”.

O post Investigações da PF mostram ligações entre a máfia italiana e o crime organizado no Brasil; R$ 12 bilhões já foram movimentados   apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.