Yêda Schmaltz era uma poeta da estirpe de Florbela Espanca e Emily Dickinson

Marina Teixeira Canedo

Especial para o Jornal Opção

Lembro-me do dia em que nosso piano chegou à cidade de Inhumas, Goiás. Foi um grande acontecimento. Afinal, era o primeiro piano a adentrar naquela cidade interiorana. Durante algum tempo, várias pessoas pediam para ver o dito instrumento e para que mamãe tocasse. Era pelos filmes que tinham conhecimento do que era um piano. Mas, claro, era apenas uma parte da população que nunca tinha vislumbrado esse instrumento maravilhoso e que contêm a completude dos sons.

A partir daí, minha mãe, uma excelente pianista, foi instada a dar aulas de piano para algumas meninas e moças. Mamãe tornou-se a primeira professora de piano da cidade. Uma de suas alunas chamava-se Yêda Schmaltz (1941-2003). Ela era filha do capitão Willy Schmaltz, que chegara à Inhumas, vindo de Ipameri, e que exerceu o cargo de professor de Educação Física do Ginásio de Inhumas. Foi a partir desse fato que fiquei conhecendo, mais de perto, a moça loira, delicada e circunspecta, que viria se tornar uma grande poetisa, conhecida e consagrada em Goiás e em todo o país.

Creio que sua passagem pelos estudos pianísticos foi rápida. Logo se encaminhou para Goiânia, onde prosseguiria no estudo dos cursos secundário e superior. Mas, naquela época, ela já escrevia. É de sua autoria um soneto, publicado no jornalzinho do Ginásio de Inhumas, chamado “O Astro Estudantil”, com data de maio de 1957 e que já deixava antever seu gênio criativo. Nele, o jornal é a sua persona lírica:

          Eu Me Apresento

          Eu sou um grande jornal,

          Desses de primeira mão;

          … só faltava o capital.

          Eis que surge o João Abrahão!

          Escrever em mim é sopa,

          Aceito quem tira zero,

          Mas, não escreva coisa boba

          Muito menos lero-lero.

          Proibido é pregar peças.

          Dos colegas não se fala

          Sem ter devida licença.

          Se escreverem às avessas

          E o Diretor “der na mala”

          Diremos: é livre a imprensa!

 Yêda tinha apenas 15 anos quando compôs este soneto, metrificado em redondilha maior, digno de uma poetisa experiente. Creio que ele não está registrado em nenhum de seus livros. O gênio precoce do poeta Arthur Rimbaud (1854-1891) está presente na poética de Yêda Schmaltz.

 Dois dos poetas e escritores, fundadores do Grupo de Escritores Novos, o GEN, viveram em Inhumas. Falo de Yêda Schmaltz e Miguel Jorge. Miguel foi nosso vizinho de rua e amigo de meu irmão e de minha mãe. Inhumas estava destinada a acolher escritores e movimentos culturais importantes, como o Gremo, que revelou novos talentos nas artes goianas.

Yêda teve uma profícua vida acadêmica. Formou-se em Direito e em Letras e foi professora universitária. A par das letras, dedicou-se também às artes plásticas. Seus dons artísticos ficaram registrados em livros e nas telas.

Mas Yêda foi uma escritora e poetisa incomum. Escreveu 14 livros, entre contos, ensaios e, principalmente, poemas; e mais teria escrito se não fosse tirada tão precocemente do convívio humano.

Dentre seus livros há um, “Prometeu Americano”, publicado em 1995, no qual fica patente sua cultura clássica e abrangente, escrito sob a égide do mito de Prometeu. Ela admirou em Prometeu a coragem, ousadia e resiliência do titã. Também, como ele, entregou à humanidade o fogo de seus versos, para um mundo tão carente da verdade e da beleza.

Yêda teve a urgência amorosa de Florbela Espanca (1894-1930) e o preciosismo assemelhado ao da escrita de Emily Dickinson (1830-1886). Seu nome provém do hebraico, Iadah, que significa “aquela que possui as propriedades do mel”, “a doçura do favo de mel”. Sim, ela possuiu a doçura contida em seu nome. Mas não foi só a doçura uma característica da grande poetisa. Foram seu doce mel, aliado ao vigor enérgico de sua poesia, sempre direcionada à verdade e à justiça, e sua técnica apurada, algumas de suas qualidades como poetisa.

Para terminar essas evocações, daquilo que conheci sobre a escritora e poetisa Yêda Schmaltz, faço a pergunta que a Rainha Má fez ao espelho: “Espelho, espelho meu, existe alguma poetisa em Goiás, maior do que Yêda Schmaltz? Resposta negativa. O espelho não mente nem dissimula. Yêda Schmaltz continua sendo a nossa musa maior, a Branca de Neve da poesia goiana.

Marina Teixeira Canedo é crítica literária.

O post Yêda Schmaltz era uma poeta da estirpe de Florbela Espanca e Emily Dickinson apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.