“A gente tem jeito”: ressocialização transforma sistema penitenciário em oportunidade além da punição 

A companhia de confecção Sallo possui um projeto de ressocialização dentro da Penitenciária de Aparecida de Goiânia, o presídio Coronel Odenir Guimarães. No Projeto Heliponto, os reeducandos produzem milhares de peças por dia com técnicas de costura, estamparia, bordado, termotransferência. Centenas de reeducandos recebem curso de capacitação e são remunerados com salários, enquanto contribuem para a produção da companhia. 

“Cada item produzido aqui carrega uma história de transformação e persistência” e “As melhores oportunidades surgem na vida daqueles que lutam” são algumas das frases que figuram nos uniformes dos reeducandos e nas paredes dos diferentes setores da empresa, dentro da seção industrial da penitenciária.   

O cotidiano nesse espaço é quase idêntico ao dos colaboradores da empresa fora do presídio. A rotina de trabalho, cercada por supervisores e auxiliares que vêm de fora da penitenciária, começa às 07h30 e termina às 16h30, com intervalo para almoço. As máquinas industriais (operadas, programadas e reparadas pelos detentos) produzem dezenas de peças por vez. A rotina industrial domina: abafadores, setorização da produção e caminhões de abastecimento estão presentes na rotina do projeto.  

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Na Polícia Penal 

Em entrevista ao Jornal Opção, Paulo Sérgio Silva, policial penal e gerente de produção agroindustrial na penitenciária de Aparecida de Goiânia, explica que na seção industrial do complexo existem quatro empresas funcionando de forma parecida à Sallo, que entraram via chamamento público, e outras quatro oficinas que são geridas pelo estado. 

“O trabalho transforma, ele traz oportunidade, ele traz condições para que a pessoa possa ser inserida de uma maneira mais humana em meio à sociedade”, garantiu. 

Na seção industrial do complexo de Aparecida de Goiânia, as oficinas, não remuneradas, oferecidas são: marcenaria, serralheria, alfaiataria e tapeçaria. Eles trabalham com materiais doados e reaproveitados para produção e formação profissional dos reeducandos. 

Já no trabalho junto às empresas, no modelo da Sallo, existe, além da produção e formação, o pagamento regular de salário, “conforme a Lei de Execução Penal”. Além dos benefícios para os detentos, existe aferição e lucro pelas empresas no processo de produção, além de certa economia para o próprio estado. 

Na seção industrial da penitenciária, são empregadas cerca de 400 pessoas, enquanto outras 100 se dedicam à manutenção do presídio em si, fora dessa seção. No total, o presídio conta com cerca de 2.300 detentos. 

Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Aqueles que trabalham junto às empresas contam com alojamento separado do restante da penitenciária. Esse alojamento, chamado de módulo de respeito, garante que “quem está inserido num projeto de ressocialização, não se mistura com os demais que não estão”. O diferencial da Sallo, nesse sentido, é a garantia de alimentação separada para seus colaboradores reeducandos, já que o restante dos detentos em ressocialização nas outras empresas contam com alimentação fornecida pelo estado. 

Paulo revela ainda que não existe espaço disponível para novas empresas se instalarem na seção industrial do complexo de Aparecida de Goiânia, entretanto, existe espaço na própria penitenciária que será disponibilizado para chamamento público no intuito de atrair novas companhias interessadas nos projetos de ressocialização. “São 4 galpões com previsão de empregabilidade para mais 200 pessoas dentro da penitenciária”, resumiu, sem dar datas específicas para início do chamamento.  

Pensando tanto no feedback dos reeducandos (que apresentam alto índice de procura pelos projetos e menores taxas de reincidência na criminalidade), quanto no das empresas, as respostas aos projetos de ressocialização são positivas. “As próprias empresas atestam que o trabalho que é feito dentro do presídio, a qualidade do serviço que é feito lá dentro, é superior ao trabalho que é feito aqui fora”, sintetizou.

Quem vive na pele 

Um dos reeducandos do Sallo ouvidos pelo Jornal Opção explica que, no início da sua participação no projeto, houve dificuldades, mas os gestores o realocaram para um setor no qual se identificou. “No primeiro dia eu já comecei a desenvolver meu trabalho”, compartilhou feliz o início da trajetória na Sallo. Mesmo dentro do presídio, já houve evolução. “A gente passa a se valorizar, a gente vê que vale a pena agarrar a oportunidade”, afirmou. 

Os desafios enfrentados dentro da penitenciária mostram para ele que os obstáculos que virão após a soltura também são superáveis. “Hoje meu foco é outro, eu penso em sair daqui, trabalhar, me especializar na área de criação, me especializar na área de design”, explicou.  

Um segundo reeducando ouvido pela reportagem pontua o valor da oportunidade para quem está pagando pelos crimes cometidos. “Ainda tem pessoas que olham para nós e vê a solução, que acreditam na nossa mudança”, compartilhou. Esse reeducando trabalhava na construção civil antes de ser preso, e hoje tem o objetivo de abrir sua própria estamparia. 

Seu principal desejo após sua soltura é reconstruir o que foi perdido. Pensando no estigma que ex-detentos sofrem, ele pede “que as pessoas olhem para nós com um olhar de solidariedade”.

“A gente tem jeito”, conclui.

Na Sallo 

Eliana Porto é uma colaboradora da Sallo há 11 anos, e atua no projeto Heliponto da penitenciária de Aparecida de Goiânia desde outubro de 2024. Ela ensina os detentos no setor de estamparia. Ela, única mulher no setor, fala em “muito respeito”. A disposição, a produtividade e a atenção dos reeducandos se destacam. “Trabalhar com eles é bem melhor do que com as pessoas que estão lá fora”, disse. 

Ela reconhece o valor do projeto na vida dos reeducandos após o cumprimento da sentença. Como muitos não têm parentes ou qualquer rede de apoio na cidade, a oportunidade no projeto é essencial. “Lá na fábrica tem bastante reeducandos que abraçaram essa oportunidade e estão dando continuidade na vida lá fora e crescendo”, compartilhou. 

Fabrício Vieira, ex-detento que participou do Projeto Heliponto, hoje é líder de turno na companhia. Ele foi contratado um dia depois que saiu da penitenciária. Durante seus oito anos e dois meses no regime fechado, seis anos e dois meses foram como funcionário da Sallo e ele garante: “Depois que a gente trabalha, muda tudo”. 

“Quando sair, o que eu vou fazer? Se antes já não conseguia emprego, imagina agora… A gente pensa até em voltar para o crime”, compartilhou Fabrício, que hoje está no quinto período do curso de Administração. O trabalho no projeto de ressocialização “deu uma perspectiva de vida totalmente diferente”. 

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