Um detalhe inusitado — o forte odor de drogas e o estado precário de cédulas depositadas em agências bancárias — foi o estopim para uma das maiores operações da história da Polícia Civil do Rio de Janeiro contra o crime organizado nesta quinta-feira, 10. De acordo com o delegado responsável pela operação, Jefferson Ferreira, os investigadores passaram a apurar depósitos frequentes de grandes somas em dinheiro vivo, muitas vezes em notas de R$ 5, R$ 10 e R$ 20, apresentando sinais de umidade, mofo e cheiro característico de entorpecentes.
De acordo com a investigação, o núcleo financeiro do Comando Vermelho tem ramificações no estado paulista, com ligação direta com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). O grupo atuava no esquema de lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas. Para isso, eles usam uma rede estruturada que inclui bancos digitais, fintechs, intermediadoras de pagamento ilegais, empresas de fachada e plataformas contábeis, tudo sem autorização do Banco Central.
A origem do dinheiro levantou suspeitas após alertas emitidos por instituições financeiras localizadas nas zonas Sul e Oeste do Rio. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) também identificou movimentações atípicas e relatou o estado das notas. A partir dessas pistas, a Polícia Civil descobriu um complexo esquema de lavagem de dinheiro operado por integrantes do Comando Vermelho (CV), com uma impressionante movimentação de R$ 6 bilhões em apenas um ano.
Segundo os investigadores, os depósitos, realizados semanalmente por diversos “laranjas”, variavam entre R$ 150 mil e R$ 750 mil por operação. A investigação revelou ainda a participação de 22 empresas fantasmas, usadas para camuflar a origem criminosa dos recursos.
Fintech investigada e conexões com o PCC
Um dos principais canais de movimentação dos recursos era o banco digital 4TBank, registrado como 4TPag Instituição de Pagamentos S.A. A fintech, segundo a Polícia Civil, teria sido criada em 2020 com envolvimento do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção rival ao CV, mas que teria firmado uma aliança logística e estratégica para facilitar a lavagem de dinheiro e a aquisição de drogas e armamentos.
A 4TBank não possui autorização do Banco Central para operar como instituição financeira. De acordo com a investigação, parte dos recursos movimentados pelo banco era enviada para instituições financeiras em países produtores de drogas, enquanto outra parte retornava ao Brasil, sendo reinserida na economia por meio de empresas de fachada.
Uma das empresas identificadas é a Ônix Perfumaria, registrada em São Paulo. Embora supostamente atue no setor de cosméticos, nunca funcionou no endereço informado. A sócia formal da empresa é uma mulher cadastrada em programas sociais por estar em situação de miserabilidade. Sócios ocultos, com vínculos diretos ao tráfico de drogas, foram descobertos pelos investigadores, incluindo o padrasto da jovem empresária, que seria cunhado de um dos chefes da organização criminosa.
Estrutura sofisticada e uso de empresas “naves-mãe”
De acordo com o delegado Ferreira, empresas como a Ônix Perfumaria funcionavam como “naves-mãe” do esquema, pulverizando os depósitos ilícitos em diversas outras firmas fictícias — que variavam desde floriculturas até empresas de publicidade e transporte. Após essa etapa, os valores eram centralizados no 4TBank, que operacionalizava grandes transações com aparência legal.
As investigações revelaram também que parte considerável dos recursos era revertida à facção criminosa, permitindo a compra de armamentos, subornos e o fortalecimento de sua estrutura de poder.
Aliança entre PCC e Comando Vermelho
O secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Felipe Curi, classificou a relação entre PCC e CV como uma “aliança estratégica”, e não territorial. O objetivo é meramente operacional: viabilizar, por meio do esquema de lavagem, a aquisição de armas, munições e drogas, sem que uma facção interfira nos territórios da outra.
A divisão de recursos entre as facções ainda está sendo investigada. O delegado Ferreira afirmou que os valores apreendidos — até o momento R$ 6 bilhões — representam o maior bloqueio patrimonial da história da corporação. A origem precisa dos valores, bem como a proporção correspondente a cada grupo, dependerá de análise aprofundada dos dados fiscais e bancários, cuja quebra de sigilo está em curso por meio de decisão judicial.
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