Neste momento em que o nosso ensino é reprovado em todos os testes internacionais a que comparece, e de maneira indecorosa remete o Brasil para os últimos lugares, não posso deixar, de, com saudades, lembrar-me do Lyceu de Goiânia das décadas de 1940 e 1950.
Era excelente o patamar docente que lá existia, quando eu, pré-adolescente, aos 11 anos de idade, nele ingressei.
O seu precursor fora o vetusto Lyceu de Goyaz, fundado em 1847, que, com a mudança da Capital, daria lugar, em 1937, ao atual estabelecimento, com o mesmo aristotélico nome de Lyceu, na novíssima capital.
Uma das mais imponentes construções da época era o prédio art-deco da Rua 21, que o abrigava — e abriga —, projetado por Attilio Correa Lima, arquiteto da implantação de Goiânia (que, entre outros prédios da Capital, projetou o Teatro Goiânia).
A construção persiste até hoje, agora em fase de reabilitação (o governo do Estado informa que está procedendo a uma reforma estrutural).
O exame de admissão era duríssimo, dado a grande procura para as limitadas vagas oferecidas, quando me apresentei, naquele ano de 1948.

A professora de minha escola primária, e dela proprietária, Maria Camargo, irmã do maestro Joaquim Edson de Camargo (que compôs a canção “Noites Goianas”), comparecia infalivelmente, ano pós ano, ao anúncio dos aprovados, e se regozijava com seus alunos admitidos. Dela ganhei um abraço emocionado naquele ano, por meu sucesso de então.
Os professores do Lyceu eram excelentes, os currículos cuidadosamente compostos, a didática elaboradíssima, as provas rigorosas, a disciplina inflexível. Quem ali se matriculava o fazia para, de fato, aprender.
Quantos de nós, seus alunos, nas décadas de 1950 e 1960, terminado o ensino médio em suas salas, prestávamos os duríssimos vestibulares das faculdades do Rio de Janeiro (ainda Distrito Federal) ou de São Paulo e éramos aprovados.
Um grupo seleto de professores
O legado daqueles professores para a formação de nossa geração é inestimável.
Nomes como o de Luiz Ângelo Milazzo, que lecionava latim, Egídio Turchi, que ensinava matemática, Alfredo de Castro, professor de espanhol, Augusto Cesar Fleury, de geografia, Genesi de Castro e Silva, mestra excelente de francês, Fritz Koehler, de física, Tietre Couto Rosa, de Química, Joaquim Edson de Camargo, de canto orfeônico, Genesco Ferreira Bretas, de inglês, Baltazar dos Reis e Carlos Campos, de português, e tantos outros mestres — na verdadeira acepção da palavra — me vêm à mente, quando recordo aqueles tempos.

Eram figuras respeitadas da intelectualidade goiana, e não à-toa. Criativos, esses professores sabiam tornar atrativas as aulas, e exigentes, faziam com que aprendêssemos. Com os dois anos de francês da professora Genesi, muitos de nós conseguimos ler razoavelmente no idioma, pelo resto da vida. Falar e entender, naturalmente, não seria tão fácil, dado a necessidade de educar a audição e treinar a pronúncia.
Muitas lembranças ficaram daquelas aulas tão cheias de motivação e ensinamentos. As aulas de português de Carlos Campos, por exemplo, eram estimulantes.
Exemplifico. Certo dia, Carlos Campos distribuiu em classe cópias do soneto “Mal Secreto”, do afamado poeta parnasiano Raimundo Correia (1859-1911).
O mestre disse que um aluno, na próxima aula, seria chamado a declamá-lo, valendo a apresentação como nota.
Evidentemente não disse qual aluno e nem por qual critério o escolheria. Era uma maneira de fazer com que todos se debruçassem sobre a poesia.
Incontinenti, Carlos Campos falou da existência de paródias do soneto, e recitou uma delas, muito criativa, uma verdadeira anedota, de autoria de outro poeta de fama, que era também humorista, Bastos Tigre (1882-1957).
A declamação dos dois sonetos, a profundidade do original e a verve da paródia acabaram por prender a atenção de toda a classe. Eram aqueles professores, de fato, mestres no fazer aprender. Para conferência do leitor, seguem original e paródia.
1
Mal secreto
Raimundo Correia
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;
*
Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!
*
Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!
*
Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
2
Mal discreto
Bastos Tigre
Se a prontidão, a pinda, a quebradeira
E os vários males desta mesma classe,
Tudo o que punge a tísica algibeira,
Sobre o rosto do “pronto” se estampasse;
*
Se se pudesse a crise financeira
Ler “através da máscara da face”,
Quanta gente, talvez, que da primeira
Fila, então, para a última passasse…
*
Quanta gente nós vemos, quanta gente,
Cuja gravata, cautelosamente,
Uma camisa enxovalhada esconde!…
*
Quanto moço há, elegante e perfumado
Que anda, imponente, de baratinha, fiado,
Porque lhe faltam níqueis para o bonde!
Para o leitor mais jovem, que nunca ouviu falar a respeito com esse significado: “baratinha” eram os carros compactos, das décadas de 1920 e 1930, geralmente conversíveis (usava-se dizer “descapotáveis”). Caros e elegantes, eram coisa de gente rica, não de gente “pronta”.
O post Saudades do Lyceu de Goiânia e de seus excelentes professores (saiba o nome de alguns) apareceu primeiro em Jornal Opção.