Como explicar Cristina Buarque? Como explicar, em qualquer tempo, uma artista que escolheu a sombra, o coletivo, o silêncio entre uma canção e outra, ao invés do aplauso individual, do centro do palco, da fama e de seus atalhos? E como explicar isso agora, num tempo em que tudo parece girar em torno da visibilidade, da performance constante, da presença multiplicada em telas?
Cristina Buarque foi, talvez, uma das figuras mais discretas e, paradoxalmente, mais firmes da música brasileira. Nascida em São Paulo em 1950, criada no Rio de Janeiro, filha do historiador Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista Maria Amélia Cesário Alvim, irmã de Chico, Miúcha e Ana.

Cristina vinha de uma família onde a arte era alimento cotidiano. Mas jamais se escorou no peso do sobrenome: trilhou um caminho próprio, atento, devotado ao samba, à memória musical e à justiça poética dos esquecidos.
Cristina não era uma estrela, e, nisso estava justamente sua grandeza. Preferia o coro. Dizia: Viveria feliz ali, entre as vozes.
“Bom mesmo é o coro”
Longe dos holofotes, não fosse seu ouvido afiado e o faro incansável por repertórios que não cabem nas vitrines do sucesso. Tinha gosto pela fresta, pelo canto não celebrado, por aquelas canções que ficam à margem das playlists e que, no entanto, carregam um Brasil inteiro em seus versos. Como intérprete, mergulhava fundo nos compositores da velha guarda: Manacéia, Candeia, Nelson Cavaquinho, Paulo da Portela. Não cantava para impressionar: cantava para preservar.

O disco Prato e Faca (1976), título que evoca o cotidiano e a partilha, já anunciava essa postura ética e estética. Cristina servia canções como quem serve um almoço de domingo: com simplicidade, generosidade e verdade. Em sua discografia extensa, feita de parcerias, homenagens e registros ao vivo, há um cuidado que beira o devocional. Cristina não só cantava: ela documentava, restaurava, reanimava histórias e melodias que a indústria cultural, com sua pressa e suas cifras, tende a esquecer.
Morreu neste 20 de abril, aos 74 anos, deixando um rastro de integridade, de resistência e de afeto profundo pela música brasileira. Aquela que poderia ter sido “mais uma Buarque” escolheu ser apenas Cristina. E, ao fazer essa escolha, nos ensinou que a arte, para ser plena, não precisa de palco iluminado, basta que seja feita com respeito, coerência e amor.
Vá em paz, Cristina. E obrigada pelo coro.
Maria Christina Buarque de Hollanda (1950–2025) gravou mais de trinta discos, muitos deles ao lado de nomes fundamentais do samba. Intérprete de “Quantas Lágrimas”, de Manacéia, foi também pesquisadora e divulgadora incansável de compositores e sambistas da Portela e da Mangueira.

Sugerimos ouvir Cristina Buarque e Henrique Cazes em gravação de 1995: Sem tostão – A Crise Não é Boato. Observe Cristina ao lado de Henrique Cazes, homenageando, Noel Rosa, com arranjos enxutos e leitura inteligente. Uma das versões mais elegantes do repertório de Noel já gravadas.
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