Bruno Goulart
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, manifestou-se favoravelmente à derrubada da Lei Estadual 22.419/2023, de Goiás, que proíbe acampamentos de movimentos sociais às margens de rodovias. O parecer, enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), atende a uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Gonet argumenta que a norma ignora jurisprudência do STF ao permitir despejos imediatos sem diálogo ou garantia de reassentamento digno.
A lei, sancionada pelo governador Ronaldo Caiado (União Brasil), autoriza a Polícia Militar e outros órgãos a remover ocupações sem ordem judicial, além de prever punições administrativas e criminais aos acampados. Na avaliação da PGR, a medida “desconsidera direitos básicos, como o cadastramento em programas sociais, prazo para desocupação e encaminhamento a abrigos adequados”.
“Destruíram tudo”
Uma mulher acampada no município de Lagoa Santa, que preferiu não se identificar por medo de represálias, descreveu ao Jornal Opção o que chamou de “despejo brutal”. Ela integrava um grupo de quase 100 famílias removidas à força do Acampamento Santa Maria-Reunidas em maio de 2024.
“Estava há 12 anos esperando assentamento. A polícia chegou com máquinas e derrubou os barracos. Não deu tempo nem de pegar nossos pertences”, relatou, chorando. “Temos direito de lutar por um pedaço de terra, mas o latifúndio manda aqui”, disse. As famílias ocupavam uma área próxima à BR-303 após serem expulsas de outro acampamento em Itajá, no sudoeste goiano, no final de 2023.
Ainda de acordo com a fonte ouvida pelo Jornal Opção, as famílias do Acampamento Santa Maria-Reunidas, em Lagoa Santa, enfrentam novas intimidações mesmo após o despejo. De lá para cá, as famílias vivem em área cedida por um assentado, mas, mesmo assim, a comunidade sofre com perseguição política de uma vereadora local, que ameaçou representar contra elas após recusarem uma ação social vinculada a entidades patronais. Além disso, os acampados dizem que a polícia realiza “monitoramento intimidatório” constantes.
Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o posicionamento da PGR pela inconstitucionalidade apenas reforça o que vem sendo dito pelos movimentos sociais e também pela própria comissão. “A Lei não apenas é inconstitucional por legislar sobre assuntos de competência exclusiva da União, mas também atenta contra direitos fundamentais de pessoas em luta pela reforma agrária, na medida que os condiciona a situações de criminalização e pobreza (por negar acesso a benefícios sociais, por exemplo)”, ressalta.
A CPT acaba de lançar o Caderno de Conflitos no Campo de 2024, em que foram constatados 49 conflitos por terra no estado de Goiás, envolvendo 4.158 famílias. Segundo a entidade, os dados revelam a situação de violência vivida pelas pessoas do campo no estado de Goiás, e o governo do estado deveria agir para diminuir estes conflitos, e não para intensificá-los, como ocorreu após a promulgação da lei em discussão na ADPF nº 1117, proposta pela CONTAG.
“Conivência com o coronelismo”
O deputado estadual Mauro Rubem (PT), que acompanha o caso, afirmou ao Jornal Opção que a lei é “um instrumento de perseguição” a movimentos sociais. “A PGR só confirmou o que denunciamos: há abuso e violação de direitos no campo em Goiás”, disse Rubem.
O que diz a lei questionada pela PGR
A Lei Estadual 22.419/2023, sancionada pelo governador Ronaldo Caiado, estabelece normas rigorosas para as faixas de domínio – áreas de 40 metros às margens de rodovias estaduais e federais sob gestão do governo de Goiás. Com o objetivo declarado de combater ocupações irregulares, a legislação concede amplos poderes a órgãos como a Secretaria de Segurança Pública, Casa Civil, Goinfra e Semad para atuar contra acampamentos sociais.
Na prática, a lei permite que forças de segurança como Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Polícia Civil realizem despejos imediatos sem necessidade de ordem judicial, bastando uma notificação administrativa. Além da remoção forçada, a norma prevê medidas duras contra os ocupantes, incluindo a suspensão de benefícios sociais, autuações criminais por invasão de patrimônio público e apreensão dos pertences utilizados nas ocupações.
O texto determina que qualquer autoridade que tome conhecimento de uma ocupação deve comunicar imediatamente às forças policiais para intervenção, sem exigir qualquer processo de negociação ou oferecer alternativas de moradia.
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