Brasil, meus brasileiros, tão calorosos, mas insensíveis ao deixar de ser lembrar dos horrores do período da escravatura e incapazes de as vezes enxergar o quão longe essa estrutura econômica e política afetou nas gerações de milhões de brasileiros. Ler que o Brasil não é um dos países mais racistas do mundo, além de uma inverdade e total falta de respaldo na materialidade histórica é mais dolorido que a atribuição nefasta de que governos de esquerda fabricam tensões raciais para fomentar luta de classe.
“Em 350 anos, cerca de 5 milhões de africanos escravizados foram trazidos para o Brasil. Isso corresponde a aproximadamente 40% de todos os africanos traficados para as Américas.”
Escravidão – Laurentino Gomes
A tese de que o Brasil seria “um dos países menos racistas do mundo” baseada na ideia de que nossa sociedade, marcada pela miscigenação, teria superado tensões raciais mais profundas é um mito, um argumento delirante e ignóbil. A mestiçagem, longe de eliminar o racismo, serviu para mascará-lo, diluindo as fronteiras raciais sem abolir a hierarquia racial, além de dificultar a mera identificação pessoal devido aos traços físicos.
A realidade material evidencia essa contradição. O racismo no Brasil não se manifesta apenas em atitudes explícitas, como ofensas ou agressões, mas se revela estruturalmente nas estatísticas socioeconômicas, de saúde, educação, segurança e mercado de trabalho.
A escravidão sustentou a economia colonial e moldou a sociedade brasileira em suas bases mais profundas. Os efeitos desse sistema são duradouros, expressos na desigualdade racial e social que ainda caracteriza o Brasil contemporâneo
Escravidão II – Laurentino Gomes
Segundo o IBGE, em sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), os negros (pretos e pardos) têm rendimento médio mensal de cerca de 56% do rendimento dos brancos. No mercado formal de trabalho, a desigualdade permanece gritante: dados do Dieese mostram que negros ocupam predominantemente posições de menor qualificação e remuneração.
Ainda mais dramáticos são os números de violência. O Atlas da Violência 2023, elaborado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou que 77% das vítimas de homicídio no Brasil são negras. A população negra é, ainda, a que mais sofre com violência policial e superlotação carcerária, segundo o relatório A Cor da Injustiça (2017), do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
O argumento de que o Brasil nunca teve “leis raciais” como os Estados Unidos ou a África do Sul também é recorrente, mas superficial. A ausência de legislação segregacionista explícita não significa ausência de racismo. O racismo brasileiro sempre operou de forma mais velada e sofisticada.
Após a abolição formal da escravidão, em 1888, políticas públicas deliberadamente excludentes — como a imigração europeia incentivada para “branquear” a população e a falta de medidas de inclusão social para os libertos — criaram um apartheid informal. A própria Constituição de 1891 não reconheceu os ex-escravizados como cidadãos com direitos plenos, perpetuando uma cidadania de segunda classe para a população negra.
As cotas raciais, tão atacadas por setores conservadores, surgiram justamente como uma tentativa tardia de corrigir parte desse desequilíbrio histórico. Desde sua implementação em 2012, pesquisas como as do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstram que as cotas aumentaram a presença de negros no ensino superior e contribuíram para reduzir desigualdades educacionais. Longe de serem um “estímulo ao racismo”, são políticas de reparação e justiça social.
O artigo também recorre a rankings internacionais para reforçar a tese de que o Brasil seria “pouco racista”. No entanto, indicadores baseados na percepção de racismo autorreferida, como os citados, muitas vezes não capturam a complexidade do racismo estrutural. Uma população que cresceu sob o mito da democracia racial tende a não reconhecer atitudes racistas como tal, reduzindo o racismo a atos explícitos e ignorando seus contornos institucionais.
O post Racismo no Brasil é latente, histórico e estruturado a partir do privilégio conquistado no açoite apareceu primeiro em Jornal Opção.