O serviço de inteligência da Alemanha classificou na sexta-feira, 2, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) como uma organização de extrema direita. A medida, que amplia os poderes legais de vigilância sobre o partido, ocorre após a AfD conquistar o segundo lugar nas eleições federais de fevereiro, assegurando 152 das 630 cadeiras do Bundestag, com 20,8% dos votos.
O comunicado oficial do Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), conhecido como Verfassungsschutz, afirma que a AfD “desrespeita a dignidade humana” e “tenta excluir grupos populacionais da participação igualitária na sociedade”. Em especial, o relatório acusa o partido de adotar uma visão baseada em critérios étnicos e de ancestralidade, considerada “incompatível com a ordem democrática livre”.
Segundo o documento de 1.100 páginas, a AfD promove a “agitação contínua” contra minorias, com discursos “xenofóbicos, antiminorias, anti-islâmicos e antimuçulmanos” proferidos repetidamente por seus líderes.
A reação dos dirigentes do partido foi imediata. Alice Weidel e Tino Chrupalla, que dividem a liderança da AfD, classificaram a decisão como “um golpe severo para a democracia alemã”, alegando que “tem motivações políticas claras”. Eles denunciaram que o partido estaria sendo “desacreditado e criminalizado” num momento crítico, a poucos dias da votação que pode confirmar Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU), como novo chanceler em coalizão com os social-democratas. “O AfD continuará a se defender legalmente contra essas difamações que colocam a democracia em risco”, declararam os líderes.
Além disso, o vice-presidente da legenda, Stephan Brandner, definiu a classificação como “um completo absurdo” e afirmou que a medida “não tem absolutamente nada a ver com a lei e a ordem”. Segundo ele, trata-se de um ataque político deliberado contra o avanço da AfD, que segue com força nas intenções de voto, mesmo após uma sequência de escândalos — entre eles, o de um integrante de destaque do partido que foi condenado por utilizar slogans nazistas, proibidos pela Alemanha.
Por outro lado, a ministra interina do Interior, Nancy Faeser, defendeu a decisão da agência de inteligência. Segundo ela, a análise foi “clara e inequívoca” e conduzida com total isenção. “Nenhuma influência política pesou sobre o relatório”, garantiu Faeser. A avaliação, que culminou com a classificação da AfD como grupo extremista, foi baseada em uma auditoria conduzida ao longo dos últimos meses.
A vice-presidente do Bundestag, Andrea Lindholz, também se posicionou. Ela afirmou que, após a nova designação, o partido “não deve ser tratado da mesma forma que os demais” dentro do parlamento. Apesar do número de assentos conquistados pela legenda nas últimas eleições, Lindholz considerou “quase impensável” que membros da AfD possam presidir comissões parlamentares.
Já a vice-presidente do Partido Social-Democrata (SPD), Serpil Midyatli, afirmou que o relatório apenas oficializou uma realidade já conhecida. Em declaração à agência DPA, ela afirmou que “que a proibição precisa ser imposta”, reforçando que o posicionamento do serviço de inteligência confirma os alertas que vêm sendo feitos há tempos.
Midyatli também ressaltou que os idealizadores da Constituição alemã, redigida no pós-guerra, agiram com o objetivo de impedir que o país voltasse a trilhar os caminhos do passado nazista — razão pela qual, segundo ela, medidas firmes são indispensáveis.
Embora alas da AfD já estivessem anteriormente sob monitoramento — incluindo o braço jovem da legenda e diretórios regionais em três Estados do leste, onde o partido tem forte apoio —, esta é a primeira vez que a classificação de extremismo se estende à organização nacional como um todo. A decisão autoriza o BfV a utilizar métodos mais incisivos de investigação, como o emprego de informantes e escutas, respeitando o princípio da proporcionalidade previsto na Constituição.
O relatório revela que a AfD “não considera cidadãos alemães com histórico migratório de países predominantemente muçulmanos como membros plenos do povo alemão”, algo que, segundo a agência, infringe os fundamentos da ordem democrática. “O partido visa excluir certos grupos populacionais da participação igualitária na sociedade, sujeitando-os a discriminação inconstitucional e atribuindo-lhes um status legalmente inferior”, destacou o Verfassungsschutz.
A crescente radicalização do discurso da legenda, evidenciada por falas polêmicas e por propostas como a chamada “remigração” — termo usado por Weidel no início deste ano e que é amplamente entendido como a deportação em massa de imigrantes —, preocupa não apenas autoridades alemãs, mas também organismos internacionais. Apesar de Weidel ter negado essa interpretação, o uso da palavra levantou alertas sobre os rumos ideológicos do partido.
Em paralelo, o apoio internacional à AfD também chama atenção. A co-líder Alice Weidel chegou a se reunir com o vice-presidente dos EUA, JD Vance, e contou com o endosso público do bilionário Elon Musk durante a campanha. Em uma live transmitida no X, plataforma do próprio Musk, ele pediu abertamente aos alemães que votassem na AfD, reforçando as mensagens da legenda ao longo do pleito.
Diante dessa conjuntura, alguns políticos alemães sugerem que a classificação como grupo extremista deva abrir caminho para a proibição do partido. A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, adotada em 1949, permite o banimento de partidos que “deliberadamente minam o funcionamento da ordem básica livre e democrática” e agem de forma “militante e agressiva”.
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