Goiás é o segundo maior emissor de CO₂ na agropecuária e especialistas pedem ação política e apoio a pequenos produtores

Com base nos dados de 2023 do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) — os mais atualizados até o momento —, Goiás ocupa o segundo lugar entre os estados brasileiros que mais emitem gás carbônico na agropecuária e aparece na nona posição no ranking geral de emissões de CO₂ em todos os setores. O levantamento revela que o setor agropecuário nacional registrou 631,2 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, o maior valor da série histórica e 2,2% acima do total emitido em 2022. Desde 1970, as emissões da agropecuária no Brasil quase triplicaram. 

Entre os estados que mais contribuíram para esse volume de emissões, Mato Grosso lidera com 92,4MtCO₂e. Já Goiás está como o segundo maior emissor do país nesse setor, com um total de 61,8 milhões de toneladas de CO₂ equivalente (MtCO₂e). Minas Gerais aparece logo em seguida, com 59,8 MtCO₂e. Juntos, esses três estados lideram o ranking e respondem por 34% de todas as emissões da agropecuária no Brasil. 

Dados de 2023 do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) | Foto: Divulgação/Painel

No recorte das emissões provenientes da pecuária, Goiás também se destaca. Com 48,8 MtCO₂e só dessa atividade, o estado ocupa o terceiro lugar no ranking nacional, atrás de Mato Grosso (68,8 MtCO₂e) e Pará (50,5 MtCO₂e). A principal fonte de emissão é a fermentação entérica, processo natural da digestão do gado que libera metano — um gás poluente. Esse tipo de emissão acontece especialmente em regiões com grandes rebanhos de bovinos de corte e leite, como é o caso de Goiás. Considerando os cinco estados que mais emitem pela pecuária (MT, PA, GO, MG e MS), eles são responsáveis por cerca de 50% das emissões dessa atividade em todo o país.

Na agricultura, Goiás permanece entre os estados que mais emitem. Com 12,9 MtCO₂e, ocupa o terceiro lugar também nesse segmento, ficando atrás do Rio Grande do Sul (18,5 MtCO₂e), onde predomina a produção de arroz irrigado, e à frente de São Paulo (12,6 MtCO₂e) e Minas Gerais (12,2 MtCO₂e). Em Goiás, a maior parte dessas emissões agrícolas vem do uso de fertilizantes sintéticos nitrogenados, que liberam óxido nitroso, um gás de efeito estufa muito mais potente que o dióxido de carbono. Ao lado de outros quatro estados, Goiás integra um grupo que foi responsável por 63% das emissões agrícolas do país em 2023

Diante desse panorama, a ambientalista e ex-secretária estadual de Meio Ambiente de Goiás, Jacqueline Vieira, defende que a mudança depende, essencialmente, de vontade política. “Em relação à questão das emissões, na verdade, tudo isso é uma questão política, de vontade política, porque nós, o mundo todo, já sabemos como fazer de uma forma mais sustentável”, afirmou em entrevista ao Jornal Opção. Ela destaca que o Brasil já possui leis ambientais avançadas, mas que ainda carecem de implementação e financiamento adequados.

“As políticas ambientais, se elas forem realmente implementadas, teriam a condição de mudar esse cenário. Então, são políticas ambientais que nós já temos”, disse.

Para Jacqueline, a Agenda 2030 e os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) devem nortear as decisões públicas. No entanto, para que a transformação ocorra, ela sustenta que é necessário “gerar mais consciência nas pessoas. A sua consciência pessoal, a sua responsabilidade social, perante até você mesmo”. Ela argumenta que, apesar da existência de soluções sustentáveis, ainda falta conexão entre os setores do governo e ações concretas que promovam mudanças estruturais.

“Nós precisamos localizar essa agenda em um território, que seja uma pequena cidade ou uma capital, mas aonde a gente possa localizar isso”, afirmou. Segundo ela, Goiás poderia ser um exemplo nacional, caso houvesse “políticos de coragem para fazer isso”.

Uma das medidas, segundo ela, seria a recomposição das Áreas de Preservação Permanente (APPs), conforme previsto no Código Florestal. Contudo, a ambientalista reconhece que a maioria dos pequenos proprietários rurais não possui condições financeiras para arcar com essa tarefa sozinha. “Em Goiás a gente tinha aproximadamente 150 mil proprietários rurais e você pode contar entre eles com 100 mil pobres ou muito pobres”, explica. Por isso, ela defende que o Estado ofereça apoio efetivo para que essas populações consigam cumprir a legislação ambiental.

Ainda conforme Jacqueline Vieira, é necessário que a recomposição das reservas legais seja feita de forma contínua às APPs. “Você vai contemplar a fauna, vai contemplar a flora, vai fortalecer o bioma. Então isso seria para nós realmente uma proposta concreta para que a gente pudesse reduzir as emissões”, afirmou.

Outra solução apresentada pela ambientalista envolve o fortalecimento da Reserva da Biosfera do Cerrado de Goiás, revitalizada por ela durante sua gestão. Segundo a ex-secretária, essa reserva representa a melhor qualidade ambiental do estado, mas sofre com a falta de investimento e estrutura. “Para mim, seria até simples. Claro que não é simplista, mas é simples, mas ainda não está dentro do planejamento estratégico. Que é prioridade, é planejamento”, defendeu.

Em sua avaliação, sem planejamento estratégico e investimento, não há como garantir a produção agropecuária de forma sustentável. “Você precisa de clima, precisa de solo, precisa de água, precisa de ar. Isso tudo é feito com o desenvolvimento sustentável. Esse é o indexador para que a gente possa realmente produzir com sustentabilidade”, disse.

Complementando essa análise, o ambientalista Bruno Benfica Marinho, membro do Observatório de Políticas Socioambientais do Estado de Goiás e procurador federal, também vê a ausência de vontade política como um dos maiores entraves. Para ele, “falta conscientizar o produtor rural já que ele será uma das primeiras e uma das maiores vítimas das mudanças climáticas pela perspectiva da inviabilização do seu próprio negócio”.

Bruno explica que o crescimento descontrolado do rebanho bovino, aliado ao uso intensivo de calcário e fertilizantes nitrogenados e ao desmatamento do Cerrado, resulta no aumento das emissões de gases do efeito estufa (GEE). Como alternativas para mitigar esse impacto, ele propõe a substituição dos fertilizantes fósseis, o uso de sistemas integrados de produção — como lavoura-pecuária-floresta —, o abate precoce de gado e práticas regenerativas de solo e água.

Além disso, Bruno defende a adoção de mecanismos de incentivo fiscal atrelados à adoção de boas práticas ambientais. Segundo ele, essa medida “trata-se de fator eficaz de incremento da adesão dos produtores rurais às tais práticas ambientalmente sustentáveis”. 

Ele ainda cita como exemplo bem-sucedido em Goiás a atuação da Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (ARCA), por meio da Rede ARCA de Agroecologia e Segurança Alimentar do Cerrado, que trabalha para fortalecer a produção agroecológica e a conservação ambiental.

A reportagem do Jornal Opção procurou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) para comentar o assunto. Em nota oficial, a pasta afirmou que há “sensacionalismo e mitos” em torno da discussão climática e ressaltou que o Brasil representa apenas 3,1% das emissões globais, conforme os dados mais recentes do Instituto Climate Watch. Segundo a Semad, os principais emissores do mundo são a China (26%) e os Estados Unidos (11%).

Ainda segundo a secretaria, dentro do cenário nacional, Goiás tem uma participação “insignificante” nas emissões, ocupando a nona posição e ficando “muito atrás” dos estados do Pará e Mato Grosso, que emitiram cerca do triplo de gases de efeito estufa. Mesmo com essa contribuição, o governo estadual afirma executar ações de grande porte para mitigar os impactos ambientais. Entre elas, a secretaria destacou o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que remunera proprietários de terra que preservam o Cerrado. Em 2025, o programa recebeu 560 solicitações, abrangendo 24 mil hectares.

A Semad também citou outras políticas públicas ambientais em andamento. Entre elas estão o sistema Reflor, que oferece créditos para incentivar a silvicultura e reduzir a pressão sobre a vegetação nativa; o programa Juntos Pelo Araguaia, voltado para a recuperação de 5 mil hectares de solo na bacia do Alto Araguaia; e o Goiás Resiliente, que prevê ações diversas de mitigação climática.

A secretaria ainda destacou que, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento em Goiás caiu 48% em comparação com o ano anterior, resultado atribuído à fiscalização e à articulação com produtores rurais.

Veja nota completa da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad): 

“A propósito das informações solicitadas pelo jornal Opção, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável tem a dizer o seguinte:  

– A despeito do sensacionalismo e dos mitos que se criam sobre o assunto, cabe esclarecer que o Brasil está longe de ser um dos principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa no mundo. O país responde por apenas 3,1% dos gases de efeito estufa emitidos no mundo (segundo os dados mais recentes disponibilizados pelo Instituto Climate Watch). A maior parte vem da China (26%) e dos Estados Unidos (11%). 

– E, dentro do recorte nacional, o que diz respeito a Goiás é uma parcela ainda menor. O Estado é o nono nesse ranking, muito atrás dos líderes Pará e Mato Grosso, que, segundo o recorte disponibilizado pelo Seeg (entre 1990 e 2023), emitiram o triplo de gases de efeito estufa (312 milhões e 298 milhões de toneladas, respectivamente). 

– Embora seja insignificante a quantidade de gases de efeito estufa emitidos em Goiás, a Semad executa ações de grande porte para mitigar o problema. Uma delas é o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que remunera os donos de terra que se dispuserem a preservar o Cerrado em vez de converter o uso do solo de suas respectivas propriedades para, por exemplo, agricultura ou pecuária. Em 2025, foram inscritos 24 mil hectares, divididos em mais de 560 solicitações. 

– Outra ação importante foi a criação de um sistema chamado Reflor, que incentiva a prática da silvicultura no Estado por meio de um sistema de créditos. Com o incentivo à silvicultura, a Semad está reduzindo a pressão pelo desmatamento em áreas de vegetação nativa. 

– Cabe também mencionar o programa Juntos Pelo Araguaia, que se destina à recuperação de 5 mil hectares de solo na bacia do Alto Araguaia; o plantio de mudas nativas em unidades de conservação administradas pelo Governo de Goiás; a implantação do programa Goiás Resiliente, que em seu bojo prevê a implantação de uma série de ações de mitigação climática, entre tantas outras. 

– Por fim, é fundamental lembrar que, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento em Goiás caiu 48% se comparado ao ano anterior – resultado não apenas da fiscalização, mas do trabalho de articulação que o governo faz junto aos produtores rurais, para que o Estado continue a crescer de forma sustentável e com equilíbrio.

Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Governo de Goiás

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