A recente aprovação, pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, do projeto de lei que institui o “Dia da Cegonha Reborn” no calendário oficial da cidade preocupa especialistas da saúde mental. Às vésperas do Dia das Mães, a medida, proposta pelo vereador Vitor Hugo (MDB), foi criticada pelo psicólogo e Especialista em Análise do Comportamento Clínico, Fernando Gobbato, que aponta os riscos emocionais da prática de tratar bonecas como filhos e questiona a coerência da proposta em meio a tantos desafios reais enfrentados pelas mulheres.
Aprovado em segunda discussão na última quarta-feira , 7, o Projeto de Lei nº 1892/2023 agora aguarda sanção do prefeito Eduardo Paes (PSD). O texto propõe celebrar no dia 4 de setembro as artesãs conhecidas como “cegonhas reborn”, responsáveis por confeccionar bonecas hiper-realistas que simulam bebês. Segundo o autor do projeto, a data remete a um encontro ocorrido em 2022, na Estrada do Portela, quando mulheres da Instituição Cegonha Reborn se reuniram para reivindicar o reconhecimento simbólico da prática.
Contudo, a medida gerou controvérsia contundente por parte do psicólogo Fernando Gobbato. Em entrevista ao Jornal Opção, ele afirmou que “esse tipo de política nada ajuda para o desenvolvimento emocional das mulheres que adotam essa prática, é um caminho muito perigoso pois elas podem perder a interação social se houver intensidade nessa relação de objetificação de um bebê não real”.
A justificativa do projeto destaca que o nascimento de um bebê é um momento marcante na vida de qualquer mulher e que isso não seria diferente para as “mamães reborn”. No entanto, para Gobbato, a proposta ignora os aspectos psicológicos das pessoas envolvidas nessa prática. “Ao meu ver deveriam criar políticas públicas para saúde mental incluindo tratamento a ser adotado pelo SUS. Esse tipo de ação dos vereadores do Rio demonstra a banalização da política brasileira”, criticou o profissional de saúde mental.
Ainda segundo o psicólogo, o crescimento da cultura reborn nas redes sociais e a comercialização intensa do conceito de maternidade simulada podem causar efeitos adversos. “Isso tem muito a ver com a comercialização, propagandas, a fim de dar um alívio imediato à pessoa que está sentindo a falta daquilo que não quer ou não pode ter — a gravidez. E quando é jogado essa comercialização na mídia e redes sociais, muitas delas que sentem essa falta compram a ideia como se fosse algo real, e isso é muito perigoso psicologicamente”, alertou Gobbato.
O vereador Vitor Hugo, por sua vez, defende o caráter simbólico e terapêutico da data. Segundo ele, “são senhoras que tiveram problemas de depressão ou perdas nas famílias, e começaram a montar essas bonecas. Elas (artesãs) são chamadas de cegonhas reborn e constroem os bonecos como tratamento terapêutico. Hoje, essas mulheres estão praticamente curadas e vivem disso”.
No entanto, Gobbato ressalta que, ao contrário de um reconhecimento institucional raso, o ideal seria oferecer apoio clínico efetivo. Ele destaca que a adoção simbólica de bonecas reborn pode comprometer o processo de reintegração social das pessoas envolvidas. “Vivemos em tempos em que o imediatismo é tratado como solucionador de problemas emocionais. Como já tomar um medicamento sem passar por um processo terapêutico primeiro”, comparou.
Para além da crítica ao projeto específico, Gobbato se posiciona contra a lógica política por trás da aprovação. “Tantas coisas sérias para ser tratadas e vereadores do Rio focam em um projeto desses. É a banalização de sempre na política”, enfatizou o psicólogo, ao lamentar a ausência de foco em pautas estruturantes.
A proposta legislativa destaca que o intuito da data comemorativa não é transformá-la em feriado, mas reconhecer simbolicamente o trabalho das artesãs e o papel emocional das bonecas para muitas mulheres. No entanto, esse argumento não convence parte da comunidade acadêmica e clínica, que considera a medida como um desserviço diante das verdadeiras necessidades emocionais de mulheres que recorrem às bonecas reborn por enfrentarem lutos ou quadros de depressão.
O projeto justifica: “Tendo em vista a relevância da Cegonha Reborn e em reconhecimento da ajuda psicológica que essas bonecas proporcionam a tantas famílias, um grupo de mulheres da Instituição Cegonha Reborn se reuniram na Estrada do Portela, N° 446, no dia 4 de setembro de 2022, para juntas, lutarem em prol do reconhecimento desta data no Calendário Oficial da Cidade”.
Entretanto, para Gobbato, a medida é paliativa e ignora a complexidade do sofrimento emocional dessas mulheres. Ele acredita que o papel do poder público deve ir além da simples legitimação de práticas simbólicas e promover ações concretas para o fortalecimento da saúde mental. “Ao meu ver eles deveriam ter metas mensais para apresentar projetos coerentes e funcionais para a sociedade”, finalizou.
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O post Vereador celebra ‘Dia da Cegonha Reborn’ e psicólogo alerta “é um caminho perigoso para a saúde mental” apareceu primeiro em Jornal Opção.