Tinha uma gameleira no meio da Avenida Araguaia… Mais abaixo falo dela, que é o assunto motivador desta crônica. Primeiro, quero contar algo relacionado a outra árvore. Na “minha infância querida, que anos não trazem mais”, vivida num bairro pobre de Belo Horizonte, Tarzan era a minha série televisiva predileta. Só que, na minha casa, não tinha televisão, e isso por decisão do meu pai, que era um crente da Assembleia de Deus. Era muito radical em muitos aspectos, e isso sugado no útero doente dos dogmas religiosos, que quase sempre afastam as pessoas de Deus, cujo acesso a Ele se dá pela vereda da espiritualidade.
Me pai dizia (e com certa razão) que “televisão é uma prostituta dentro de casa”. O jeito então era driblar meu pai sem que ele soubesse, pois, do contrário, a taca era certeira. E ele muitas vezes exagerava na coça. Assim, enquanto meu pai trabalhava, eu assistia à série na casa de um coleguinha: o Pelé, cujo nome verdadeiro era Duílio. Era um menino negro adotado por uma família branca, que carregava água jacá pelo filho. Na casa do Pelé, era o ponto predileto da meninada, pois só lá tinha televisão, e a gurizada não era enxotada pelos pais dele. Até lanche rolava de vez em quando.
Sobre a outra árvore que mencionei, se trata também de uma gameleira que havia no quintal da minha casa. Era nela que eu, digamos assim, imitava o grito do homem macaco. Além de mim, havia outros coleguinhas de rua envolvidos na mesma façanha. Todos nós no mundo das nuvens da infância, vivendo, como versejou Casimiro de Abreu, os “belos dias do despertar da existência” num “ingênuo folgar”. Na infância, a gente brinca no meio da noite sem a ver. Isso, entretanto, costuma doer depois que nos tornamos gente grande. Era emocionante ouvir aquele grito lendário do Tarzan na abertura da série, que deixava uma renca de bichos inquietos com o grito.

Não sei se ainda é viva a gameleira da minha infância. Certamente não. Era conhecida como seringueira. Certamente você, altaneiro leitor, sabe que a da Avenida Araguaia vem sendo extirpada por etapas. A imprensa vem cantando isso em verso em prosa. Ainda há um pedaço enorme do seu tronco na calçada, inclusive obstruindo a passagem dos pedestres. Logo não haverá nada mais dela, porém apenas sua lembrança na parede da memória dos que a amaram enquanto árvore. Uma lembrança que vai doer. Na verdade, já está doendo. Afinal era uma bela e grande árvore a exercer o seu papel vital no ecossistema: gerando oxigênio, reduzindo a temperatura, purificando o ar… Inclusive servindo de abrigo para animais.
Faz-se necessário, porém, colocar um pingo no i: devido ao fato de ser uma árvore de grande porte, ela não deveria ter sido plantada na calçada em que está. Arborização urbana não pode ser uma ação guiada meramente pela boa intenção de se plantar árvores. Isso é algo louvável, mas o bom senso precisa estar com as rédeas da ação nas mãos. Os danos advindos de plantios inadequados são diversos: danificação de calçadas, redes de água e esgoto, rede elétrica, impedimento de mobilidade e até põe em risco a vida de pessoas.
Essa gameleira, inclusive, foi mostrada numa matéria do jornalista Carlos Magno, da TV Record, que falava das árvores mais antigas de Goiânia. Tive a honra de ser a pessoa que levou jornalista às árvores. Os dois mognos plantados no quintal casa do ex-governador Pedro Ludovico Teixeira (hoje museu) também foram mostrados. Minha dendrofilia (que é legítima) me fez ter sido o escolhido para a matéria. Creio que ela foi publicada em 2019. O Carlos Magno inclusive chegou a subir na árvore e teve um grande susto: no interior do tronco — um grande oco e nas paredes do interior da árvore sinais de um fogo antigo —, havia um casal de urubu chocando, e o que estava no ninho levantou voo rápido ao sentir a presença do jornalista. Foi um susto duplo. Em outubro do ano passado, novamente ela foi vítima de fogo criminoso. Fato já ocorrido com outras árvores da mesma espécie.
Jesus, na parábola do semeador, falou das sementes mal plantadas: as semeadas entre pedras, espinhos e que acabam morrendo. Ele, no entanto, falou também das semeadas em solo fértil e que assim germinam, crescem e produzem colheita. A arborização urbana precisa seguir a lição da parábola, de modo a plantar as árvores apropriadas para os locais mais diversos da cidade. Uma gameleira plantada numa calçada estreita, como a da Avenida Araguaia, é como semear sementes entre pedras e espinhos… Uma coisa é certa: capacitação técnica é uma premissa necessária na lida com a arborização urbana.
Sinésio Dioliveira é jornalistas, poeta e fotógrafo da natureza
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