Peixes introduzidos por transposição do Rio São Francisco têm parasitas

 Washington Castilhos/SciDev.Net

Mais de 50 espécies de parasitas foram identificadas após a análise de 1.170 peixes de 21 espécies, provenientes de oito reservatórios do semiárido brasileiro – metade deles ligados ao sistema de transposição do Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf).

As espécies com maior número de parasitas foram o lambari (Astyanax bimaculatus), a tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus), o tucunaré (Cichla monoculus) e a traíra (do gênero Hoplias), segundo estudo publicado no Journal of Helminthology. Ao todo, 42% dos peixes analisados apresentaram algum tipo de parasita.

Entre as espécies identificadas, os pesquisadores encontraram três tipos associados à anisaquíase humana – uma parasitose gastrointestinal causada pela ingestão de peixe cru ou malcozido.

“Sempre ouvimos dizer que a traíra tinha parasitas. Houve uma época em que era difícil vender esse peixe porque as pessoas diziam que tinha verme. Hoje em dia, as pessoas esqueceram. A gente se preocupa, mas não tem outro jeito de ganhar a vida”, disse ao SciDev.Net Antônio Valdivino Muniz, 54 anos, um dos 300 pescadores que tiram seu sustento da barragem de Acauã, na Paraíba.

Esse reservatório é um dos 27 ligados ao Pisf – um megaprojeto de transposição que leva água do volumoso Rio São Francisco para a Caatinga, bioma predominante no semiárido brasileiro. O projeto, com 477 quilômetros de extensão, tem o objetivo de abastecer 12 milhões de pessoas.

“A transposição é uma ação humana que pode causar desequilíbrio ecológico porque altera o ambiente natural”, explicou ao SciDev.Net a bióloga Vitória Maria Moreira de Lima, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e primeria autora do estudo.

“Hoje não temos essas zoonoses na Paraíba, mas imaginemos se no futuro surgirem doenças parasitárias associadas a peixes que antes não existiam aqui. Como vamos associá-las à transposição, se ninguém as conhecia? Por isso é importante o monitoramento”, acrescentou.

A bióloga Ana Carolina Lacerda, do Departamento de Sistemática e Ecologia da UFPB e coautora do estudo, afirma que o país ainda carece de dados sobre doenças parasitárias em peixes com potencial de afetar humanos.

“Se as espécies de parasitas que encontramos têm potencial zoonótico, então sim, podem causar doenças em humanos. Mas é preciso registrá-las no sistema público e garantir que o parasita veio do peixe ingerido”, disse.

“No Brasil, embora exista o sistema nacional de registro de zoonoses, provavelmente há subnotificação por falta de diagnóstico”, completou.

Entre os grupos de parasitas mais abundantes encontrados, dois tinham como hospedeiros espécies invasoras, não nativas da região: a tilápia-do-Nilo e o tucunaré.

O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, responsável pelo Pisf, afirma que não há certeza de que o deslocamento dos peixes hospedeiros seja o responsável pela introdução dos parasitas com potencial zoonótico, ou se os parasitas já estavam presentes na região e infectaram os peixes ao chegarem aos reservatórios locais.

“Há vários cenários possíveis para a introdução de peixes e seus parasitas, pois os peixes podem estar parasitados em seu ambiente original – podendo perder ou não seus parasitas durante a transposição – ou podem não estar parasitados originalmente e serem colonizados por parasitas de peixes do novo ambiente”, explicou o Ministério em resposta enviada ao SciDev.Net.

Segundo o órgão, o surgimento de espécies invasoras de peixes já estava previsto entre os impactos e, desde 2012 – fase de implantação da obra –, vem monitorando 73 pontos nos dois eixos (Leste e Norte) em dez bacias hidrográficas do Nordeste.

Sobre os parasitas, o Ministério destaca que “somente com estudos prévios sobre a presença de água do Pisf nesses ambientes é possível relacionar qualquer impacto desse tipo ao Projeto”.

Ana Carolina Lacerda explica que esses organismos não são vilões. “Eles fazem parte da preservação e do equilíbrio dos ecossistemas”, ressalta. No entanto, quando chegam de outros ambientes, passam a representar uma ameaça a esse equilíbrio.

Das mais de 50 espécies de parasitas identificadas no estudo – realizado no eixo Leste do Projeto –, 32 ainda não haviam sido registradas anteriormente na bacia do rio Paraíba do Norte.

“A questão é entender o nível de estabelecimento dessas novas populações de parasitas e seu potencial para infectar as espécies nativas. Isso pode causar extinções locais, o que afetaria muitas comunidades ribeirinhas associadas aos reservatórios e que dependem desses peixes”, enfatiza Vitória Maria Moreira de Lima.

Isso impactaria o trabalho de pessoas como Antônio Valdivino Muniz, o pescador mencionado no início da reportagem: capturar 150 quilos de peixe por semana lhe garante uma renda de R$ 450. “Não temos nenhum incentivo da prefeitura, nem o pessoal da transposição vem aqui. Eles se reúnem entre si e vão embora”, denunciou.

Preocupados com sua sobrevivência, os pescadores locais não têm consciência da ameaça representada pela introdução de peixes invasores, como o tucunaré e a tilápia. O primeiro acaba dominando o ambiente por ser predador; a segunda, por sua facilidade de reprodução.

“Quem vive da pesca prefere as espécies nativas, por causa da qualidade de muitas delas. Do ponto de vista econômico, é melhor. Mas elas estão desaparecendo”, destacou o biólogo Ricardo Takemoto, pesquisador da Universidade Estadual de Maringá, que não participou do estudo.

“O tucunaré é bom para a pesca esportiva, mas não tem importância comercial devido à sua baixa qualidade. Já a tilápia, em termos de produção, vem sendo muito explorada economicamente. Ela já está se adaptando à água salgada, como uma praga”, explicou ao SciDev.Net.

Introduzida no Brasil nos anos 1960, a tilápia hoje domina o mercado: segundo o Anuário Peixe BR 2024, o país produziu quase 900 mil toneladas de pescado, das quais 65,3% foram de tilápias, 29,7% de peixes nativos e 5% de outras espécies.

“Qualquer alteração ambiental provoca desequilíbrio, por isso estudos como este são importantes, pois tratam do problema das introduções de espécies”, completou Takemoto.

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