O que a experiência de Goiás com autodeclaração ensina sobre licenciamento ambiental

A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou o relatório do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental na manhã desta terça-feira, 20. Se aprovado, o texto que ainda irá a plenário estabelecerá seis tipos de licença ambiental, incluindo uma autodeclaração para empreendedores de pequeno e médio porte com pouco potencial poluidor. Goiás já adota autodeclaração para algumas atividades. Vale a pena olhar para o estado e refletir sobre como a medida impactou o meio ambiente e a produção rural. 

Primeiro, é importante destacar que “pouco potencial poluidor” é uma classificação questionável. O projeto no Congresso que busca facilitar e desburocratizar os processos por Licença por Adesão e Compromisso (LAC) incluiria no modelo de autodeclaração as barragens — são de baixo risco? Incluiria também as estradas, apontadas por diversos estudos como o principal vetor do desmatamento

Em entrevista ao Jornal Opção de setembro de 2024, a secretária de Estado de Meio Ambiente Andréa Vulcanis comentou o autodeclarado Cadastro Ambiental Rural (Car), sob responsabilidade do governo federal. “O Car tem uma adesão muito grande, mas não conseguimos validar essas informações, porque o sistema não funciona. Hoje temos 220 mil imóveis no Cadastro — é um número enorme de informações que precisamos analisar para provar que as declarações estão corretas.”

Em outras palavras, há um incentivo para que a autodeclaração seja mal executada: se o governo não puder validá-la, a administração transfere a responsabilidade da fiscalização ambientais ao próprio declarante. Se for bem executada, entretanto, pode ser um caminho para a legalidade. Andréa Vulcanis relatou que agilizar a emissão de licenças pelo Estado foi uma forma de garantir o cumprimento de leis ambientais. 

“Em 2019, o prazo médio para a obtenção da licença era de sete a oito anos — hoje, é de 40 a 60 dias. Isso abriu uma série de possibilidades, como trazer todos para a legalidade e implementar políticas para a sustentabilidade. […] Quem tinha passivos ambientais não tinha um caminho para voltar a agir dentro da legalidade. Todo mundo que tem passivos tem hoje um caminho dentro da Secretaria para recuperar as suas Áreas de Preservação Permanente (APPs), suas reservas legais, e estabelecer medidas de compensação.”

A maior preocupação ambiental com a aprovação do projeto, entretanto, diz respeito às grandes obras de infraestrutura. Ronei Glanzmann, CEO da MoveInfra, afirmou ao Exame Infra que 3.500 projetos estão parados por falta de licenciamento ambiental — o montante total é de R$ 1,7 trilhão em investimentos. 

O ISA (Instituto Socioambiental) afirma que, sob as regras atuais, as obras previstas no PAC em 277 áreas protegidas da Amazônia Legal devem ter seus impactos considerados para ter permissão de execução. “Com o PL em vigor, esse número despenca para apenas 102, desprotegendo cerca de 18 milhões de hectares de floresta — o equivalente ao território do Paraná — e abrindo espaço para um ciclo de destruição irreversível”, aponta a nota técnica.

Grandes obras de infraestrutura são justamente aquelas que a sociedade espera que o governo acompanhe tecnicamente. Não basta que seu potencial poluidor seja considerado baixo para o “ok” automático; se não há fiscais o suficiente para validar todas as obras, é preciso priorizar. O Congresso (e empresas que pressionam parlamentares) utilizam o pretexto da incompetência — é impossível verificar todas, então temos de validar todas — para deixar de fazer o urgente, que é verificar ao menos as maiores. 

Algumas áreas da indústrias e da mineração também são considerados de médio risco, e poderiam entrar em regime simplificado. A concessão de licenciamento em um clique a estas atividades impõe a pergunta: a prioridade é a preservação ou a burocracia mínima? 

A autodeclaração funciona bem para pequenas obras, pois há interesse dos pequenos proprietários rurais em permanecer na legalidade e usufruir de programas ambientais, como o Programa por Serviços Ambientais (PSA) em Goiás, que paga pela preservação da vegetação nativa. Grandes empreiteiras, por outro lado, têm interesse de construir as maiores obras de infraestrutura possíveis.

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