Por dentro do Basileu França: o segredo da escola que forma estrelas da dança

Reconhecida internacionalmente como um polo de excelência na formação de talentos, a Escola do Futuro de Goiás em Artes Basileu França vem se destacando pela formação de bailarinos que hoje brilham em palcos do mundo inteiro. Localizada em Goiânia, a instituição pública oferece ensino gratuito e estruturado, que alia técnica, sensibilidade artística e suporte físico e emocional, e tem sido decisiva na trajetória de jovens artistas. Somente nos últimos dois anos, mais de 20 alunos foram admitidos em renomadas companhias internacionais.

Em visita à escola, o Jornal Opção acompanhou ensaios, entrevistou professores e conversou com alunos para entender como a instituição alcançou tamanha projeção. Com uma rotina de estudos intensos e estrutura pedagógica robusta, a EFG Basileu França é referência na arte da dança — resultado de políticas públicas e investimentos. 

A coordenadora de dança e Maítre de balé clássico da escola, Simone Malta, acredita que o crescimento técnico e artístico é fruto direto do apoio governamental. “Eu acredito que o governo investiu bastante, tanto na estrutura física, quanto na estrutura pedagógica da escola. Então, o investimento com o nível técnico de professores… temos professores formados pela escola, russos, cubanos. Temos uma equipe inteira de nutricionista, psicólogos, fisioterapeutas. Tudo isso contribuiu para esse grande crescimento, tanto no nível técnico quanto artístico”, afirma.

Coordenadora de dança e Maítre de balé clássico do Basileu França, Simone Malta | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Além da formação técnica, Simone destaca a política da Bolsa Artista, que permite que estudantes de outros estados e até de países da América Latina possam se manter em Goiânia enquanto estudam. “Os alunos ganham uma quantia em dinheiro que eles conseguem migrar para o Estado e viver com esse dinheiro. É uma escola totalmente gratuita. Todos os nossos espetáculos são com preços populares”, ressalta.

Próximos espetáculos

A próxima estreia da escola inclui ‘Coppélia’ que acontecerá entre os dias 22 e 25 de maio e ‘Romeu e Julieta’, do dia 29 de maio à 1º de junho, que serão apresentados com a Orquestra Filarmônica de Goiás e a Orquestra Jovem do Estado. Os ingressos estão à venda no portal Sympla.

“Estão todos convidados. Ali eu acho que vocês vão ver o porquê da escola estar no nível que está e por que a escola tem recebido tantos alunos assim. Os espetáculos são de primeiro mundo. A gente também está trazendo um bailarino alemão para estar dançando junto com os alunos e ajustando essa profissionalização”, completa.

A intensidade da rotina vivida pelos estudantes é proporcional à excelência alcançada. Os bailarinos treinam de segunda a sábado — e, eventualmente, aos domingos — com uma carga diária de cinco a seis horas. No currículo, aulas de técnica clássica, dança contemporânea, pilates, e atendimentos com fisioterapeutas especializados em prevenção de lesões. “Sem esse suporte, seria impossível manter o nível da escola e dos bailarinos, que estão ganhando concursos internacionais”, reforça Simone.

Esses resultados são visíveis. Alunos formados pelo Basileu hoje ocupam posições de destaque em companhias prestigiadas. Simone consegue citar de memória diversos talentos que passaram pela escola. “O Eliabe está na Dinamarca, Paulo Arrais no Boston Ballet, Adonai é primeiro bailarino no Stuttgart Ballet, e JP, vencedor do Prix de Lausanne, atualmente integra o corpo do Ópera de Paris. Já Ana Luísa dança no Dutch National Ballet, em Amsterdã, e Yasmin e Manuel estão no Royal Ballet, em Londres. A gente tem diversos meninos e meninas espalhados pelo mundo inteiro”, conta a coordenadora.

Resiliência e oportunidade

A proposta artística da escola não se restringe à técnica. A criatividade também é elemento central nos processos coreográficos. O Jornal Opção também acompanhou parte do processo de criação do professor, bailarino e coreógrafo Caio Baratella. Com raízes no Mato Grosso do Sul e formação em São Paulo, Caio chegou ao Basileu por acaso, mas logo reconheceu o potencial da instituição. “O Basileu foi uma surpresa, eu não esperava e não conhecia muito. Goiás é um celeiro e o Basileu é um lugar à parte para se fazer arte”, diz.

Professor, bailarino e coreógrafo Caio Baratella | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Caio vê na escola um espaço fértil para a criação. “Eu danço desde os 13 anos… e há pouco tempo comecei a me aventurar como coreógrafo. O meu processo de criação é muito natural e os bailarinos contribuem muito. Eu nunca começo com uma ideia enrijecida, sempre deixo as coisas fluírem, geralmente a gente encontra um lugar muito interessante junto com os bailarinos”, explica. 

Ao definir o Basileu em três palavras, Caio não hesita: “Oportunidade, garra e resiliência. Acho que isso resume o que o Basileu se tornou, principalmente pelas mãos da Simone Malta, que luta muito pela dança, e por todos que passaram por aqui”.

Com múltiplas atribuições, ele se equilibra entre aulas, coreografias e apresentações. Um dos desafios recentes foi remontar ‘Romeu e Julieta’, um clássico da literatura universal. “O processo foi bem rígido, porque o Pas de Deux é muito longo, então o trabalho físico foi pesado, mas a gente conseguiu se preparar”, relata. Caio vai interpretar Romeu ao lado da bailarina Jaquelyne Barbieri, sua amiga pessoal. “A gente já tem uma intimidade, então conseguimos mergulhar nesse mundo de Romeu e Julieta com emoção e verdade.”

Sonhos e Balé

Entre os talentos em formação, destaca-se a jovem Marcella Pires de Magalhães, de apenas 15 anos. Aluna do Basileu há oito anos, ela sonha em se tornar uma bailarina profissional. “Minha rotina aqui é bem corrida. A gente tem que estudar de manhã e vem direto pra cá. Fica aqui às vezes 5, 6, até 8 horas por dia, de cinco a seis vezes por semana”, relata em entrevista ao Jornal Opção.

Bailarina Marcella Pires de Magalhães | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Marcella está se preparando para o espetáculo ‘Coppélia’ com entusiasmo. “A preparação está sendo muito boa, muitos ensaios. A gente se esforça muito pra cada dia melhorar mais e ficar muito lindo.”

Para Marcella, estar no Basileu é uma oportunidade que muda vidas. “Meu sonho é viver como uma bailarina profissional, ir pra fora. Se Deus quiser, eu vou conseguir. O Basileu ser gratuito facilita muito, porque balé não é uma coisa barata. Aqui tem muitos bailarinos com muitos sonhos. Vem gente de fora pra cá porque realmente dá muitas oportunidades”, afirma. E completa: “Aqui a gente vira uma família, todo mundo é muito amigo. É muito bom, eu amo estar aqui.”

Dança de Rua e Hip-hop

E se o balé clássico exige leveza e precisão, as danças urbanas trazem o peso do cotidiano, a potência do corpo e o reflexo da rua. No comando dessa frente está Ben-hur de Oliveira Melo, de 37 anos e que há 15 anos transforma vidas como coordenador, professor e coreógrafo. Ex-aluno da escola, ele hoje dirige cinco turmas e atua diretamente na lapidação de talentos que antes apenas sonhavam em dançar.

“É um privilégio poder estar aqui. Poder estar cuidando dessa área com a galera. E é muito jovem. Muita gente talentosa vem pra cá e é muito bom trabalhar com isso”, afirma.

Coordenador, professor e coreógrafo de danças urbanas, Ben-hur de Oliveira Melo | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

De acordo com Ben-hur, muitos dos profissionais que hoje dão aulas de dança em Goiânia passaram por suas turmas. “Isso é muito prazeroso. E eu acho que é um dos motivos por que tem crescido, porque o mercado de trabalho tem aumentado, a gente tem participado de muitos eventos, bailarinos daqui do Basileu França têm ido pra fora. Agora até o hip hop que a gente está participando de eventos internacionais. Nós vamos para um mundial de hip hop nos Estados Unidos agora em julho”, revela.

A rotina, como ele descreve, é intensa e desafiadora. Ele comanda turmas que vão desde crianças, iniciantes até o corpo de baile. As aulas e ensaios se estendem das 17h até as 22h30, e os finais de semana são frequentemente ocupados com preparações para espetáculos e competições. “É muitas horas de trabalho, é muito tempo dedicado. Às vezes nem é só dentro da escola, porque às vezes chega em casa e vai pesquisar música, vai procurar, vai entender a intenção que a gente quer colocar no movimento”, diz.

Impacto Social

O impacto social da dança fica evidente nas trajetórias dos estudantes que, apesar de obstáculos, encontraram no Basileu uma chance real de mudança. “Tem muitos alunos que a gente teve a oportunidade de ver, de terem experiências que talvez se não fosse a dança, eles nunca teriam. Vários entraram aqui sem apoio e hoje conseguem trabalhar e viver da dança”, conta Ben-hur. “É muito gratificante para a gente quando a gente vê que aquilo que a gente faz realmente tem um resultado”.

No entanto, mesmo com o ensino gratuito, a participação dos alunos em competições e eventos exige esforço extra. “Como as viagens geram um gasto, os pais precisam arcar com as despesas. A gente tenta ao máximo procurar ajuda, mas muitas vezes os próprios alunos precisam fazer rifas, vaquinhas online, criar eventos para conseguir uma ajuda. Principalmente porque muitos não são alunos de uma renda alta”, explica o professor.

Coreografias e competições

Luiz Felipe Artiaga Costa, de 18 anos, ingressou na escola no último ano. Sem qualquer formação prévia, ele conseguiu a vaga por meio de um teste. “Desde pequenininho eu gosto muito de dançar. Como eu nunca tinha feito aula, fiquei nervosíssimo, mas depois acostuma e ficamos bem à vontade. É maravilhoso pegar as coreografias”, relata.

Sua colega de turma, Beatriz Barbosa da Silva, também de 18 anos, compartilha da mesma paixão. Antes de conhecer o Basileu, ela dançava K-pop informalmente com amigas na escola. Uma indicação a levou até o teste, no qual foi aprovada. “Antes eu não tinha nenhuma técnica, base, nada. Era toda desleixada, bichinha, tadinha. Mas aí, com o tempo, eu fui aprendendo, e pra mim foi crescer mais e mais”, afirma, com humor.

Dançarinos Luiz Felipe Artiaga Costa e Beatriz Barbosa da Silva | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Em 2023, Beatriz participou de sua primeira competição em Jundiaí, São Paulo. A experiência a marcou profundamente. “Foi uma experiência muito boa. Eu quero muito competir de novo. É algo muito mágico. Aprender com o grupo inteiro, ensaiar com o grupo inteiro, uma energia com o grupo inteiro, é muito bonito de ver pra quem tá por dentro”, diz.

DRBF Crew

Quando tentam definir o Basileu França, os dois jovens usam palavras que refletem não apenas a exigência artística da escola, mas também o impacto pessoal de cada etapa da formação. Beatriz escolhe “desafio”, e explica: “Tem muitos desafios e você precisa lidar com cada um, tanto com seu próprio corpo, como sua mente”. Luiz Felipe acrescenta: “A segunda palavra acho que com amor mesmo. A gente se esforça ali, não só pra querer fazer, a gente faz porque realmente tem todo aquele amor e apego pela dança”. Por fim, Beatriz conclui: “Uma última palavra, para mim, só passa superação na cabeça”.

Para as jovens Amanda Caroline Louzada Silva, de 21 anos, e Valentini Junqueira Graziani, de 18, o local também é um ponto de virada. Ambas integram o D.R.B.F. Crew — Dança de Rua Basileu França, o grupo competitivo da escola — e enxergam no Basileu uma segunda casa, um ambiente de crescimento pessoal e profissional.

Para Amanda, o Basileu França é parte da história da sua família. “Minha avó já fez coral aqui há muito tempo, tanto ela quanto a irmã dela. Minha prima fez balé, outra prima e uma amiga já foram das danças urbanas também. Desde então, eu via e pensava: ‘nossa, que interessante’. Mas só fui tentar mesmo no ano passado.”

Dançarinas Amanda Caroline Louzada Silva e Valentini Junqueira Graziani | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Já Valentini chegou ao Basileu por influência de amigas. “Elas faziam dança aqui no D.R.B.F. e eu fiquei encantada. Quando entrei nos níveis, observava o pessoal do D.R.B.F. e pensava: ‘meu sonho é entrar nesse grupo’. E agora eu tô aqui”, celebra. O nome do grupo, explica ela, surgiu da sigla de Dança de Rua Basileu França e passou a representar a identidade do coletivo nos palcos e nas competições.

A importância do acesso à arte e cultura

Tanto Amanda quanto Valentini enxergam na dança um espaço de libertação e equilíbrio emocional. “O hip hop e as danças urbanas foram muito bons pra mim. É uma dança que me liberta, me dá vontade de viver, da alegria no corpo. É algo meio inexplicável, mas muito mágico”, define Valentini.

Amanda compartilha sentimento parecido: “Eu costumo falar que dançar mesmo, eu danço há cinco anos. Mas toda a vida eu dancei. Primeiramente com a Beyoncé, imitando as coreografias dela. Depois conheci o K-pop. A gente gosta tanto que fica querendo aprender tudo. A dança, como a Valentini falou, é um lugar de descanso, onde a gente extravasa”.

Ambas as dançarinas ressaltam a importância do ensino gratuito oferecido pelo Basileu. Valentini diz que isso faz toda a diferença: “Geralmente, essas agências de fora são caras e não entram na nossa realidade. Aqui é gratuito, com um ensino muito bom. Eu adoro o Basileu. É minha segunda casa. Ajudou muito na minha evolução”

De palcos internacionais ao asfalto das periferias, a dança que nasce na  Escola do Futuro de Goiás em Artes Basileu carrega garra, sensibilidade e o sonho coletivo de mudar vidas por meio da arte.

“É muito gratificante olhar no olho de cada um e ver a satisfação que eles têm em estar dançando e mostrando o que várias horas de ensaio e aula durante a semana se transformam para a gente estar apresentando. É extremamente bonito tudo que a escola, tudo que o governo, tudo que está sendo investido para podermos continuar a grandiosidade e crescimento da escola”, finaliza Simone Malta.

Assista a reportagem em vídeo abaixo:

Confira mais fotos da Escola do Futuro de Goiás em Artes Basileu França:

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