A nova face da misoginia: quando o ódio às mulheres começa na adolescência

*Por Elâine Jardim, editora do Jornal Opção Tocantins
Algo muito errado cresce entre nós, não de hoje, mas há tempo demais. A cada menina que some, que grita em silêncio ou que perde a vida nas mãos de um adolescente, escutamos a repetida desculpa: “ato isolado”, “era um bom menino”, “ninguém esperava”. Mas a verdade, amarga e dura, é que muitos esperavam, e há muito tempo.

Nas escolas, nos chats de jogos e nos esconderijos digitais do Discord, do YouTube, do TikTok, brota uma cultura sombria, um veneno que corrói com palavras de ódio, de medo, de desprezo. Meninos que crescem absorvendo esse ar tóxico, onde o machismo não é só natural, é exaltado. O resultado? Uma onda invisível e cruel de violência, que muitas vezes passa despercebida, até que seja tarde demais.

O Estatuto da Criança e do Adolescente nos lembra que adolescentes não cometem crimes, cometem atos infracionais. Mas o que fazer quando esses atos levam a assassinatos, abusos, a planejamentos frios contra meninas? Como garantir o direito à vida, à segurança, à dignidade, se a raiz do problema permanece enterrada em silêncio e descaso?

E não dá pra fingir que isso vem do nada. Meninas crescem ouvindo que precisam se proteger, enquanto meninos são incentivados a competir, dominar, humilhar. O resultado disso a gente vê nos dados: segundo o Atlas da Violência, quase metade das meninas de até 14 anos que sofrem violência física são vítimas de abuso sexual.

Não é exagero falar em misoginia quando os números gritam: em São Paulo, o feminicídio entre meninas dobrou em dois anos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Entre esses números, estão adolescentes que vivem imersos em ambientes virtuais onde “caçadas” são organizadas, fotos roubadas são compartilhadas, e a violência é feita piada. Alguns chamam isso de “zoeira”. Mas a zoeira que destrói, que silencia, que mata, não é brincadeira, é tragédia.

É preciso dizer com todas as letras: misoginia está virando discurso comum entre adolescentes, especialmente meninos, e isso tem consequências reais. Muitas vezes, esses atos não surgem do nada. Eles foram cultivados, alimentados e incentivados em silêncio, até virarem tragédia.

Mas o que a sociedade costuma fazer? Apontar o dedo, pedir mais punição, clamar por rebaixamento da maioridade penal. Só que isso não resolve. O ECA existe porque entende que adolescentes devem, sim, ser responsabilizados, mas também devem ter direito à proteção, ao acompanhamento, à possibilidade de transformação.

Não se trata de passar pano, mas de agir com inteligência. É preciso discutir o papel da escola, da família e, principalmente, das plataformas digitais. O Discord, por exemplo, virou um território fértil para grupos que promovem misoginia, machismo violento e até ideias neonazistas, e faz vista grossa.

Prevenção não é luxo. É obrigação. E passa por educação emocional, por diálogo, por escuta ativa e por políticas públicas sérias. Porque se não enfrentarmos agora essa cultura de ódio que cresce online, vamos continuar enterrando meninas, e tratando adolescentes como monstros que a própria sociedade ajudou a criar.

Não é sobre culpar mães, escolas ou jogos. É sobre enfrentar a cultura que cria meninos para o ódio, que ensina meninas a se esconder. Uma cultura que trata o feminismo como inimigo e o machismo como herói. Que fecha os olhos para o sofrimento de uma geração.

A misoginia não é problema das mulheres, é problema contra as mulheres. E enquanto a tratarmos como um problema “de internet”, “de casos isolados”, nada vai mudar. É hora de olhar, de ouvir, de agir. De proteger as vozes que ainda têm força para falar, antes que o silêncio as tome para sempre.

Leia também:

Polícia prende suspeito de estupro virtual no Discord

Saiba quem são e como agem criminosos que abusam de adolescentes no Discord

O post A nova face da misoginia: quando o ódio às mulheres começa na adolescência apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.