Sem democracia, é impossível colocar em prática uma frase lapidar que é atribuída ao escritor português Eça de Queiroz (25/11/1845 — 16/8/1900): “Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão”. Só que o exercício pleno da democracia não ocorre com os tolos. Não há como esperar que o tolo exerça inteligentemente a democracia sendo que ele está mais preocupado com a separação do Zé Felipe (filho do cantor Leonardo) e a tigresa Virgínia Fonseca do que com o que estão fazendo de benéfico à população os políticos que elegeu. Assim não tem havido a troca de fraldas. E assim é merda e mais merda…
Li em algum lugar que a respectiva frase tem tudo para ser de Eça de Queiroz, e isso amparado em suas publicações satíricas na revista “As Farpas”, cuja primeira edição se deu em 17 de junho de 1871 e que teve também a participação da pena do escritor Ramalho Ortigão. Fui ao Google em busca do PDF de “As Farpas” e assim encontrar a tal frase relacionada às fraldas e aos políticos. Encontrei a obra, porém não frase. Mas fiz um achado precioso.
Devido ao viés satírico, há, em “As Farpas”, uma epígrafe de um tal P.J. Proudhon exaltando a ironia. Fui ver quem era: filósofo, sociólogo e um dos fundadores do anarquismo. Ele diz que a ironia é a verdadeira liberdade. Dirige-se à ironia de maneira elogiosa: “És tu que me livras da ambição do poder, da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do pedantismo das ciências, da admiração das grandes personagens, das mistificações da política, do fanatismo dos reformadores, da superstição deste grande universo e da adoração de mim mesmo”.
O riso, em “As Farpas”, era a tinta crítica na abordagem aos costumes, aos fatos econômicos, culturais, morais e sociais. O jornalismo partidário da imprensa (coisa sempre em voga) também era alvo da revista. Em “O Nome da Rosa”, do escritor Umberto Eco, há uma conversa interessante entre o monge Jorge de Burgos, que era cego, com William de Baskerville sobre o poder do riso. O monge, que era responsável pela biblioteca do mosteiro, colocava veneno na ponta dos pergaminhos, e assim os monges, ao folhear os pergaminhos contendo obra de Aristóteles abordando o riso, passavam o dedo na boca para virar a página e morriam. O cego, cuja cegueira é uma iluminada metáfora, era contra o riso. Este, segundo ele, era perigoso, pois “libera o aldeão do medo do diabo”. Para o monge beneditino, o tal livro “poderia ensinar que se libertar do medo do diabo é sabedoria”.

Sobre a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e Hipátia, vamos aos fatos. Em outros tempos (com mais trevas que o momento atual), a ministra talvez teria o mesmo fim trágico da filósofa egípcia e professora de matemática Hipátia de Alexandria. Entre 415 e 416 d.C. em Alexandria, ela foi brutalmente assassinada por uma turba insana de cristãos radicais. Ela não era pagã, pois, entre seus alunos, havia cristãos. Um deles era Sinésio de Cirene, que se tornou bispo. Ele não acreditava na existência após a morte e era um ardoroso defensor do livre arbítrio. Penso igual ao meu xará. A partir da oficialização do cristianismo como religião estatal, o que aconteceu em 380 d.C. por ação do imperador Teodósio, os cristãos radicais passaram a ter o aparato jurídico romano em suas ações brutais em defesa do cristianismo. Nessa onda paladina, Hipátia foi assassinada. Seu corpo foi dilacerado. Uma barbárie total.
E não seria religião o motivo da morte de Marina, mas suas ações enquanto ministra do Meio Ambiente no impedimento da passada da boiada, o que ocasiona prejuízos ambientais de grandes proporções, bem perigosos. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) quis “enforcar” a ministra numa fala tosca, que não pega bem para quem ocupa uma casa de leis num país democrático. É desanimador ver a pífia estrutura intelectual de muitos parlamentares, principalmente no Congresso. E ganhando uma grana alta na maciota.
Quando Marina se mostra uma ministra aguerrida na defesa do meio ambiente, ela (não sabe o patético senador Marcos Rogério (PL-RO)), está se pondo no seu lugar. Ele é que deveria se pôr em seu lugar enquanto senador. Sua fala sexista explicita que ele é um parlamentar com a cabeça mergulhada nas trevas da ignorância, que são algo perigoso. E até letal. Em 1963, as trevas da ignorância fizeram o senador Arnon de Mello, pai do presidiário Fernando Collor, puxar o gatilho do seu revólver duas vezes: seu alvo era o senador Silvestre Péricles, mas quem foi alvejado mortalmente foi o senador José Kairala.
Machado de Assis cobriu o Senado enquanto jornalista. Tinha 20 anos quando começou a exercer tal função em 1860. Se fosse hoje a cumprir essa tarefa, ele certamente escreveria com a tinta da melancolia sobre as coisas estapafúrdias que acontecem na Câmara Alta do Poder Legislativo Federal. Num determinado momento do livro “Velho Senado”, Machado de Assis diz algo que não ocorre hoje nas casas de leis: “Os senadores compareciam regularmente ao trabalho. Era raro não haver sessão por falta de quórum. Uma particularidade do tempo é que muitos vinham em carruagem própria, como Zacarias, Monte Alegre, Abrantes, Caxias e outros, começando pelo mais velho, que era o Marquês de Itanhaém.” Hoje nossos ilustres parlamentares possuem caminhonetes, SUVs, até avião, e tudo, altaneiro leitor, por conta do dinheiro público. Enfim não precisam usar carruagem própria.
*Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza
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