Abraão, o porteiro baiano que leu mil livros e aprecia Machado de Assis, Nietzsche, Sócrates e Orwell

Há pessoas que podem ler, que têm dinheiro para comprar livros, mas não leem.

Poucos brasileiros apreciam livros, apesar de o país contar com escritores notáveis, como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes Teles, João Cabral de Melo Neto, Adélia Prado, Ana Maria Gonçalves, Régis Bonficino, Angélica Freitas, Bernardo Élis, Yêda Schmaltz, Valdivino Braz, Edival Lourenço, Solemar Oliveira e tantos outros.

Pois Abraão Menezes dos Santos, um porteiro de 42 anos — trabalha num condomínio na Praia do Forte, no litoral norte da Bahia —, conta que já leu mil livros. Não é pouco.

Há pessoas, altamente letradas, que se “orgulham” ler cinco livros por ano. A vida de Abraão nunca foi fácil. Aos 12 anos — quando muitos meninos estão estudando e brincando de videogame — já estava no batente, trabalhando firme para ajudar no sustento da família. Era vendedor de rua.

De acordo com reportagem de “O Antagonista”, a leitura, para Abraão, é “um caminho para o autoconhecimento em vida simples e plena de sentido”. No caso, a cultura é a substituta do dinheiro. Porque garante uma vida simples e, ao mesmo tempo, plena.

Um filósofo estoico na Bahia de Caetano Veloso

Abraão não é o típico consumista, acumulador. Retira da leitura prazer e alegria. Ler é fruir o que há de bom na literatura e na filosofia. Leu “Assim Falou Zaratustra” (achou complicado, mas legível), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, e o romance “1984”, do escritor britânico George “Eric Blair” Orwell (por sinal, seu primeiro livro foi patrocinado por uma brasileira).

Morador de Barra do Pojuca, nas proximidades de Praia do Forte, Abraão vai para o trabalho, num percurso de 10 quilômetros, de bicicleta. Aproveita para pensar na vida e em suas leituras.

Durante o almoço, enquanto outros plugam nos seus celulares, como se tivessem a alma “furtada” pela internet, Abraão pega um livro e lê várias páginas. Clássicos de filosofia e de literatura são suas pedidas principais.

Aos 13 anos, Abraão era analfabeto funcional. Mas decidiu estudar, com interesse, e concluiu o ensino médio quando tinha 21 anos. De alguma maneira, o ensino médio, associado às suas leituras, foi sua universidade.

Quando estava no ensino médio, deram a chave da biblioteca para Abraão. Era a descoberta de um céu cultural. Ficou deslumbrado. Leu tudo que pôde. Descobrindo um mundo novo a cada livro lido e escrutinado. O que leu? Machado de Assis (é aficionado por “Memórias Póstumas de Brás Cubas”), Rui Barbosa e Jorge Amado. Sempre fascinado, siderado.

Num caderno de capa preta, Abraão anota os títulos dos livros que leu e de seus autores. Como não tem muito recursos financeiros, às vezes pega livros emprestados, mas, terminada a leitura, faz questão de devolvê-lo. Se a pessoa decide presenteá-lo, fica uma felicidade só.

Segundo “O Antagonista”, Abraão “se identifica com a filosofia estoica, que prega uma vida simples, distante do apego material e da preocupação excessiva com o capital”. Sua frase preferida: “O conhecimento liberta”.

Abrão enfatiza, no registro do site, que sua filosofia consiste em “viver em paz e felicidade, sem a necessidade de ostentação”.

Filósofo ao seu modo, Abraão cita Sócrates, o mestre de Platão: “Tudo que sei é que nada sei”. Ele sublinha que seu conhecimento é, tão-somente, “uma gota d’água no oceano”. Mas o filósofo baiano, mesmo sem título universitário, sabe muito sobre livros e, sobretudo, sobre a vida.

Que ninguém duvide se, obtiver algum apoio, Abraão conquistar um assento numa boa universidade e se tornar um doutor em literatura ou filosofia. Porque o que lhe falta é um título acadêmico. Porque “doutor em vida” já o é.

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