No eixo temático da linguagem e da subjetividade, abordando a poesia, a arte e a literatura como formas de resistência simbólica à padronização algorítmica, voltemos à linguagem Poética e a imaginação como resistência à Máquina da Repetição.
Tem sido por último o que nos faz refletir em face das respostas a promts, da linguagem do indizível, pois a IA opera na dimensão da probabilidade.
Toda resposta gerada por sistemas de linguagem baseados em aprendizado de máquina resulta da frequência estatística de combinações lexicais em dados gigantescos.
Assim, o algoritmo repete o possível, o provável, o previsível. É mestre do conhecido, do dito, do replicável.
A poesia, por sua vez, fala o que não foi dito.
Ela emerge do silêncio, da falha da linguagem, da ruptura do signo, da metáfora imprevista.
Ao tempo em que publiquei “Poemas da 9• Hora”, coletânea de versos de uma vida, nao havia acesso aos algoritmos, que se tornaram fundamentais em sua definitiva Revolução, não servindo para a poesia, a não ser que se façam paródias sem alma, pois a inteligência não está na máquina. Fato é que a poesia desordena para que o mundo fale outra vez. A linguagem poética não obedece à estatística.
Ela nasce do encontro singular entre corpo, tempo e palavra.
A IA evita o insuportável.
Evita o estranho, o contraditório, o ambíguo, o informe, pois seu objetivo é produzir coerência computável.
Já a literatura, especialmente a moderna e a contemporânea, confronta o que não se pode dizer:
As obras de Clarice Lispector, Aidenor Aires, Luiz de Aquino, Ubirajara Gali, Leda Selma, Emílio Vieira ou Franz Kafka não são modeláveis em ‘corpus’ sem perda do abismo que carregam. Elas não querem explicar o mundo, mas fazer sentir a vertigem de estar no mundo.
Filosofando, a IA simula o sentido. A literatura suporta o não sentido.
Num mundo regido por plataformas que exigem clareza, objetividade, assertividade, a literatura torna-se insubmissa, embora a imprescindível contribuição da ferramenta para a pesquisa historiográfica.
A poesia interrompe o fluxo algorítmico com o tropeço, com a voz, com o espanto.
Demais disso, a arte é um gesto de singularização radical, um ato de forma.
Ela produz um corpo simbólico singular: uma pintura, uma música, uma escultura, um texto, que não pode ser replicado sem perder sua aura, como diz o sempre revisitado Walter Benjamin.
A inteligência artificial opera por mimesis técnica, reprodução e permutação.
Ainda que crie obras visuais ou musicais “originais”, sua criação é estatística, não encarnada.
Poetizando, a arte humana, carrega o tempo e a memória do gesto. Inscreve o corpo, o erro, a hesitação. Encena o conflito, o desejo, a ferida.
Por isso, a arte resiste à serialização algorítmica.
Ela é o lugar onde o mundo ainda pode ser intraduzível.
O mundo mediado por algoritmos tende a repetir o que já foi aceito.
Daí que a linguagem da máquina tende à conservação cultural e não à invenção simbólica.
A poesia e a arte, por outro lado, podem até ser políticas. Elas inventam novos mundos. Derrubam códigos. Fazem da linguagem uma máquina de diferenciação.
Criar novas formas de dizer, de sentir e de imaginar é um ato de resistência política a apartidária contra a captura digital da sensibilidade.
Sou um entusiasta desta 4• Revolução Industrial e está aí o meu novo livro: A Inteligência Artificial no Tempo dos Algoritmos (e-book), todavia, cada macaco no seu galho. Cada coisa tem o seu lugar.
Por final, o que diferencia fundamentalmente o humano da máquina não é a razão, nem a memória, nem o cálculo. É a imaginação e as ‘big datas’ não tem imaginação, pois a capacidade de imaginar o impossível, de habitar mundos que ainda não existem, de criar imagens para o indizível, essa é a força que nenhuma IA poderá dominar sem reduzi-la.
Em uma frase: A IA pode prever. Só o humano pode sonhar.
Num tempo dominado pela performance das linguagens técnicas, é urgente preservar o espaço da linguagem criadora, das Academias de Letras, dos Institutos de História e Cultura.
Se fala da ética da inutilidade. Para alguns, a poesia é inútil, no sentido técnico. Não resolve problemas, não acelera processos, não otimiza recursos. Mas salva o sentido da linguagem.
Ela nos devolve ao mundo como enigma, como presença, como espanto.
A ética da poesia é a ética da escuta, da demora, da forma inútil — e, por isso mesmo, infinitamente necessária.
Contra a velocidade virtual, a lentidão do verso.
Contra a redundância da predição, a singularidade da imagem.
Contra o utilitarismo do dado, a potência do indizível.

O post A Inteligência Artificial simula o sentido. A literatura e a arte suportam o não sentido apareceu primeiro em Jornal Opção.