Oito anos depois e a dúvida continua: o que aconteceu com Ícaro?

No dia em que o garoto, na época com sete anos, sumiu, era uma terça-feira de Carnaval. O caso até hoje não foi solucionado. As buscas por ele continuam, através da Delegacia de Polícia de Pessoas Desaparecidas de Santa Catarina, de Florianópolis. Porém, não há nenhuma novidade/pista recente.

Relembre o caso

(Divulgação/ArquivoJP3)

Na época do desaparecimento, Ícaro morava na Rua 3.450, no Centro de Balneário Camboriú, com a mãe, Ariane Pereira, e o padrasto, Alois Gebauer. 

O menino estava de férias e ficava sozinho enquanto o então casal trabalhava. O sumiço foi notado por volta das 18h de 9 de fevereiro de 2016 (terça-feira de Carnaval), quando Ariane chegou em casa, não encontrou Ícaro e comunicou o marido. Não havia sinais de arrombamento no apartamento, a porta estava aberta e a TV ligada em um desenho infantil.

Os três residiam em Balneário Camboriú há seis meses antes do ocorrido e Ícaro conhecia pouco das ruas da vizinhança. Na época, a Polícia Civil informou que não teria como a criança sair de casa sozinha, pois o prédio onde morava possuía grades e portão eletrônico, além de câmeras. 

O principal suspeito na época foi Alois, que inclusive teria questionado um amigo sobre o tempo que levava para um corpo se decompor. Ele chegou a ficar preso provisoriamente por um mês (em março de 2016), mas foi liberado por falta de provas.

(Divulgação/ArquivoJP3)

Dois meses após o desaparecimento, a polícia fez buscas pelo corpo, em uma operação com mais de 20 homens das polícias Militar e Ambiental, além do Corpo de Bombeiros e cães farejadores, mas nada foi encontrado.

Até 2023, a mãe do garoto, Ariane, residia em Balneário Camboriú. Alois mudou-se para outra cidade, mas continua em Santa Catarina. O casal não está mais junto. 

O que diz a Polícia Civil

A delegada responsável pela Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI) de Balneário Camboriú, Ruth Henn, que na época atuou no caso, disse que não há novidades ou o que falar sobre a situação.

O delegado Wanderley Redondo, titular da Delegacia de Polícia de Pessoas Desaparecidas de SC, que também acompanha o caso de Ícaro desde o início, disse que não há nenhuma informação adicional sobre o caso. 

“Se surgir fato novo, entramos em contato. 99% de chance que ele faleceu”, disse.

Os casos não encerram até a polícia ter um desfecho, e poderá ficar ‘eternamente aberto’ até haver alguma resposta. Nenhum caso é arquivado, há inclusive casos abertos que ocorreram na década de 90.

Cerca de 1.500 desaparecidos em SC

A mãe de Ícaro espalhando cartazes na época (Divulgação/Arquivo JP3)

No Estado há, segundo dados da delegacia, cerca de 1,5 mil pessoas desaparecidas atualmente [número total do sistema, com casos antigos e que nunca tiveram solução (lembrando que nenhum caso é encerrado, somente se é solucionado, com a pessoa sendo localizada ou então a ossada dela) até os mais recentes, registrados há poucos dias – entre crianças, adolescentes, jovens e adultos]. O desaparecimento pode ser voluntário, causado por terceiros ou ainda estar relacionado a um crime.

Defesa de Alois relembra momentos antes do desaparecimento

(Divulgação/Arquivo JP3)

A reportagem do Página 3 ouviu o advogado de Alois, o meio-irmão dele, Frederico Gebauer, que também acompanha o desaparecimento de Ícaro desde o começo. 

Ele aproveitou para contar que não possuía contato com Alois até o sumiço do enteado dele, e que cresceram separados [são meio-irmãos por parte de pai]. 

Frederico lembrou que Alois e Ariane estavam juntos há cerca de três anos quando Ícaro desapareceu. Os dois haviam vindo de Bertioga, no litoral de SP, para Balneário Camboriú, porque Alois queria estar mais próximo da família. 

“A última filmagem que tem do Ícaro é da noite anterior ao sumiço (08/02/2016), onde a mãe leva ele para tomar sorvete, o que não era comum. Parece que ela estava se despedindo, mas não dá para saber. Outra coincidência – no fim de semana seguinte ao desaparecimento seria o fim de semana que o Ícaro teria que ver o pai, e a Ariane era contra. O que eu sei é que a separação teria sido traumática, porque especificamente não sei, mas não se davam bem”, disse.

“Tudo nas costas do padrasto”

O advogado pontuou que a polícia na época não buscou outras linhas investigativas e que Alois acabou ficando como o único suspeito. 

“Ficou tudo nas costas do padrasto. O sentimento que tenho é de fracasso total das instituições – uma criança sumiu em uma das cidades mais importantes do país, uma cidade toda filmada, com muita segurança. É um fracasso como sociedade”, afirmou.

Defesa explica inocência de Alois

Questionado pela reportagem sobre os comentários feitos por Alois na época, como sobre quanto tempo um corpo demoraria para se decompor (ele disse isso para um colega frentista, do posto onde trabalhava), Frederico informou que o irmão explicou isso várias vezes – se preocupou com quanto tempo um corpo levaria para se decompor, porque preocupava-se com o fato de que se não encontrassem Ícaro (com vida ou o corpo), iriam achar a vida toda que foi ele [Alois] o culpado pelo sumiço – e nesse contexto questionou sobre decomposição do corpo. 

“O Alois é uma pessoa que sempre trabalhou muito, desde os 15 anos. Ele tem uma reflexão limitada sobre detalhes do caso. É um assunto que machuca muito ele, fez terapia por muitos anos. Ele não tem análise muito concreta, mas acha que a conduta da Ariane é estranha. Acho que, de fato, a Ariane não imaginava que ia tão longe. Sempre incentivei ele [Alois] a falar se tivesse cometido algo, desde a prisão, e ele sempre chorava e dizia que não sabia o que havia acontecido”, acrescentou.

Outro ponto levantado pela polícia foi que Alois lavou o carro da família dias depois do crime (entre quinta e sexta-feira – o sumiço foi terça). 

“A polícia não o avisou que ele não podia lavar o carro. Eu entendo que isso seja suspeito, mas foi uma forma de ele ocupar a mente um pouco. O Alois é limitado intelectualmente, é maníaco por limpeza até hoje – eu nunca vi o carro dele sujo. Eles [Ícaro, Alois e Ariane] tinham ido à praia no domingo [dois dias antes do sumiço], o carro estava sujo e ele lavou. O Ícaro sumiu terça, ele foi lavar quinta ou sexta”, informou.

“Não tem capacidade de cometer crime sem deixar rastro”

Frederico disse que acredita que Alois realmente não sabe o que aconteceu ou qual é o paradeiro de Ícaro. Ele afirmou que, se Alois soubesse que foi a Ariane a culpada, teria falado. 

“Se foi ele, supondo que teria matado, não iria dizer, mas conheço ele, qualquer pessoa que o conhece, sabe que ele não tem capacidade de cometer um crime sem deixar rastro. Não estou passando a mão na cabeça, e sim porque tenho certeza que não cometeria um crime sem deixar rastros. Se fosse ele, teriam descoberto – fizeram reconstituição, periciaram a casa, os carros, até o esgoto… não havia vestígios. Todos os casos emblemáticos deixaram rastros”, pontuou.

Acreditam que Ícaro esteja vivo

O advogado vê que houve ‘incompetência por parte do Estado’, salientando que é ‘mais fácil’ a polícia buscar um culpado. Considerando o fato de que nunca houve o encontro de um corpo e que não acredita em ‘crime perfeito’, Frederico compartilha sua opinião pessoal: Ícaro está vivo. 

“Queremos descobrir tudo o que aconteceu. Sumiu o controle do portão junto com o Ícaro, mostra que o portão foi aberto – para a gente, ele saiu da casa com alguém que conhecia. Não arrombaram a porta, ninguém ouviu gritos (só ouviram quando Ariane chegou em casa e notou a falta do filho, gritando por ele). Não acredito que alguém consegue matar uma criança e não deixar nenhum indício. Acredito, sim, que ele está vivo, mas não sei onde está e quem o levou. De fato é muito estranha a conduta da mãe e dos parentes que deveriam estar se mexendo nisso. Pelo contrário, ela não fala com a imprensa. Lembro que a Ariane foi dormir na noite do desaparecimento. Quem, quando o filho desaparece, vai dormir? Meu pai ficou três noites sem dormir. Em minha opinião, ele [Ícaro] está com outra família. A Ariane não queria de jeito nenhum que ele fosse para a família do pai. Não sei se é alguém do Brasil ou de fora, mas não me entra na cabeça que ela não sabe”, opinou.

“É difícil, mas nunca desistimos”

(Divulgação/ArquivoJP3)

Frederico foi além – lembrou que existe uma rede de adoção ilegal ‘gigantesca’ no Brasil e no mundo, e que como há pontas soltas, acredita que um dia Ícaro aparecerá. 

“Até hoje não desistimos, a minha esposa é conselheira tutelar em São José, tem acesso à rede de pessoas que estejam matriculadas em qualquer escola pública do Brasil, ela puxa o nome do Ícaro com frequência, mesmo sabendo que é fácil terem mudado o nome dele ou terem comprado um RG falso. É difícil, mas nunca desistimos. Temos mãos atadas, já que a própria Ariane não fala. Na época contratamos um policial civil de SP para nos ajudar, porque achávamos que poderia estar lá, e não acharam nada. Tive contato recente com o delegado da época, Rodolfo Farah, e ele disse que hoje faria diferente e que é um caso que mexe com ele exatamente porque não conseguiu resolver”, disse.

O advogado aproveitou para contar que Alois casou-se novamente e foi embora de Balneário Camboriú justamente por conta do trauma que o desaparecimento de Ícaro lhe trouxe. 

“Eles [Alois e Ariane] não têm mais contato. Vejo que nada justifica ela ainda estar em Balneário. Eles eram de Bertioga, ela veio para Balneário por ele. Acredito que talvez estar em Balneário seja um meio para ela ainda ter contato com o Ícaro. Falo para o Alois direto – tenho esperança que o Ícaro descubra a história, fale o que aconteceu com ele. Nas autoridades eu não acredito, mas o próprio Ícaro pode aparecer quando, por exemplo, atingir a maioridade. Eu não consigo acreditar que ele está morto”, completou.

Mais de 30 anos acompanhando desaparecimentos na região

Manoel atuando no caso na época (Divulgação/Arquivo JP3)

Manoel Mafra é figura conhecida quando o assunto é pessoas desaparecidas em Camboriú e Balneário. Ele atuou como conselheiro tutelar e também foi um dos fundadores do Núcleo de Prevenção as Drogas, Pedofilia e Desaparecidos de Camboriú, e atualmente é palestrante – falando sobre esse mesmo tema. 

“Atuei por 33 anos com desaparecidos em Camboriú e região, 12 anos na Polícia Militar, mais 12 anos no Conselho Tutelar e mais oito anos no Núcleo de Desaparecidos de Camboriú. Foram mais de três décadas nessa função. Vi e vivi a tristeza e desespero dos pais ao perderem um filho, e também os reencontros – que é o mais gratificante, não há nada mais emocionante, é a maior recompensa. Não é função do Conselho Tutelar procurar desaparecidos, mas sempre estive amparando famílias e divulgando. Seja por segundos, horas ou dias é um desespero, uma dor que não conseguimos medir”, salientou.

“Está morto ou vivo?”

O profissional apontou que desaparecimento de crianças é algo raro e que o mais comum são adolescentes desaparecem, normalmente por irem atrás de liberdade (como por conta de um namoro, por exemplo). 

Porém, quando crianças somem, Manoel disse que são encontradas rapidamente porque dão sinais de que estão perdidas – choram, pedem ajuda, etc. 

Ele lembrou também algo importante – não é mais necessário esperar 24h se a pessoa desapareceu para registrar junto da polícia. 

“No caso do Ícaro, tinha esse sentimento de que ele iria ser localizado em breve. Acompanhei a dor dessa mãe por esses longos anos [ele é uma das poucas pessoas ‘públicas’ que fala com Ariane – ela não atende a imprensa], vejo como uma tristeza que as pessoas têm porque esse menino continua desaparecido. As buscas foram encerradas, o caso arquivado, e fica esse drama – está morto ou vivo? Ninguém pode afirmar – não tem corpo, pista, suspeito, e a dor da perda é terrível, ainda mais com a dúvida”, opinou.

“Um ponto de interrogação”

Manoel vê que a possibilidade de Ícaro estar vivo é ‘muito remota’, mas acredita que ainda assim isso é possível. Ele destacou que o ponto é – o que está sendo feito para desvendar esse mistério? 

“A família precisa de resposta. A mãe e familiares devem lembrar todos os dias – onde está? É uma dor que todos que sabem do caso sentem. Deve-se buscar resposta, ter um final para essa história, precisamos descobrir o que aconteceu. Alguém sabe alguma coisa. No começo houve empenho, mas a preocupação é porque parece que o caso foi esquecido. Ficamos com um ponto de interrogação muito grande – até quando vai esse drama?”, comentou.

Segundo o palestrante, Ariane continua sentindo dor da perda, com esperança de um dia conseguir encontrar Ícaro com vida. Manoel apontou que a mulher sofre muito com a dúvida que a sociedade tem sobre ela, quanto a terem como suspeita de que ela sabe sobre o paradeiro do filho. 

“Vivi longos anos em contato com ela, quase que diariamente em contato com ela em alguns momentos. Em 2024 ainda não conversamos, mas eu vi o desespero, acompanhei. Fizemos centenas de ligações, centenas de visitas – minha convicção como profissional é essa: ela não é culpada. Aproveito para deixar um alerta aos pais, amem, protejam, coloquem limites, para viver bem e não passar por um drama como esse, que ninguém imagina passar. Ninguém está preparado para isso”, afirmou.

Sem pistas x tentativa de extorsão

Na época foram feitas camisetas com a imagem do menino desaparecido (Divulgação/Arquivo JP3)

Ainda em 2022, Manoel fez cartazes e houve uma campanha de divulgação sobre o desaparecimento de Ícaro pelos países vizinhos, mas ele disse que não houve nenhuma pista. Porém, nesses oito anos ele disse que houve muitas tentativas de pessoas enganarem a família, com o objetivo de extorquir em troca de informações.  

“É muito triste porque além da pessoa viver a dor da perda, ainda podem ser vítimas de golpes – mas a família não caiu. Tudo o que chegou não era muito concreto, mas passamos para a polícia. É um mistério muito grande em torno desse caso, mesmo sendo de dia, em Balneário, com tantas câmeras, não chegamos na solução, mas não tenho dúvida de que vamos ter uma resposta. Gostaria que fosse em breve, mas talvez demore, ainda assim acredito que esse caso vai ser solucionado. Nos meus mais de 30 anos, só vivi um caso de criança desaparecida sem um desfecho, o do Ícaro”, completou.

O que diz o pai biológico de Ícaro

O Página 3 buscou contato com a família paterna de Ícaro, mas o pai, Jonathas Lima, não retornou o contato até o fechamento desta matéria. O jornal encontrou um texto publicado por ele em 2022, que será reproduzido abaixo:

“Meu filho vivia com a mãe e o padrasto, eles moravam aqui em São Paulo, em Bertioga, aonde eu moro até hoje, aí do nada eles se mudaram para Santa Catarina porque o padrasto dele tinha família aí e quando eu fiquei sabendo que eles iriam se mudar, eu entrei na justiça pedindo a guarda do meu filho porque aqui ele tinha toda a família dele – tios, avós e ele era muito apegado a mim e eu saberia que se ela se mudasse para Santa Catarina meu filho iria sofrer muito, mas em nenhum momento a mãe dele pensou no meu filho, ela só pensou em acompanhar o marido dela, só pensou no bem estar dela porque nem a própria mãe dela não concordava com isso. Mas mesmo assim ela foi e assim que ela recebeu a intimação da audiência da guarda do meu filho no mesmo dia ela se mudou do nada sem eu saber, bom se passaram 6 meses que ela se mudou e ela veio para a primeira audiência, aqui onde eu moro, em SP, só que ela achava que ela iria se dar bem na audiência e não foi o que ela pensou, o juiz determinou que como era as férias de fim de ano que eu passasse as férias com meu filho e que ela teria que trazer meu filho todo mês, uma vez no mês, e que meu filho iria ter 3 meses de estudo social pelo conselho tutelar para ver se meu filho estava se adaptando a essa mudança. E que era para ela me entregar meu filho porque na audiência ela mentiu muito dizendo que meu filho estava bem, aí o juiz determinou que eu ficasse com ele todas as férias, de dezembro até 20 de janeiro, a data que eu teria que entregar meu filho para a mãe. E ela não gostou nada disso, ficou com muita raiva, e nesse tempo meu filho não queria voltar com a mãe e com o padrasto de jeito nenhum. Ele dizia para mim: “pai por que você não mora comigo e minha mãe só vem me visitar?”. Isso me cortou meu coração, eu perguntava para o meu filho “o que está acontecendo, filho? Alguém está te batendo?”, e ele não falava nada, aí dizia “filho, eu tenho que te levar para sua mãe, porque você tem que ir para escola. Você não está com saudades da sua mãe?”, ele dizia “não, pai”. Lembro de todas as palavras deles até hoje, parecia que ele estava me avisando o que iria acontecer, mas infelizmente eu teria que levar ele porque foi o que o juiz determinou, e eu não sabia o que estava acontecendo, na minha cabeça eu achei que ele estava assim porque ele era muito apegado a mim. Não imaginava o que ele estava passando, ai tive que entregar ele no dia 21 de janeiro, quando foi em fevereiro ele desapareceu. Ela [Ariane] me ligou dizendo que ele desapareceu. No dia que ela me ligou nem chorando ela estava, enfim meu filho tentou me avisar, mas infelizmente não consegui entender. Mas de uma coisa eu sei: tudo o que aconteceu foi por culpa dela, da mãe dele, ela afastou meu filho de toda a família dele e em nenhum momento ela pensou no bem do meu filho. Não quis escutar ninguém, e aconteceu isso com o meu filho. Infelizmente tem mulheres, não generalizando, que quando arrumam um homem esquecem do seu próprio filho e foi isso o que aconteceu. A arrogância dela fez com que tudo isso acontecesse, e até hoje tenho certeza que eles sabem de tudo, que somente eles podem desvendar esse caso”.

Se você viu Ícaro, sabe onde ele está ou possui alguma informação que possa contribuir com o caso, acione a Polícia Civil via 181.
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