Mulheres e Poder VI: Elas resistem, se mantém firmes nos espaços de poder e combatem a violência política

Esta é a sexta reportagem de uma série especial intitulada “Mulheres e Poder” sobre o valor da participação feminina na economia, política, cultura e sociedade.

A participação das mulheres na Câmara dos Deputados ainda é desigual, mas Goiás se destaca com um percentual acima da média nacional. Em 2023, as mulheres goianas ocupavam 35,3% das cadeiras na Câmara dos Deputados, enquanto a média nacional é de 17,9%, de acordo com os dados do Congresso Nacional. No ranking nacional, o estado de Goiás ocupa a 4ª posição, atrás apenas do Acre, Amapá e Mato Grosso, todos com representação de 37,5%.

Por outro lado, em Goiás, as mulheres ocupam apenas 14,3% das cadeiras nas Câmaras de
Vereadores, bem abaixo da proporção de deputadas (35,3%) e um pouco abaixo da média nacional de vereadoras (16,1%). Em comparação com os homens, que ocupam 85,7% das cadeiras nas Câmaras de Vereadores do estado de Goiás, as mulheres ainda são sub-representadas. Em relação às prefeitas eleitas em 2020, os dados do Tribunal Superior Eleitoral mostram que dos 246 prefeitos no estado, apenas 34 são mulheres, representando 13,8%. Os dados foram revelados pelo último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A maior representatividade feminina na política é importante para garantir a defesa dos direitos das mulheres e a promoção da igualdade de gênero. As mulheres representam mais de 50% da população
brasileira, mas ainda são sub-representadas em todos os níveis de poder. “Acaba sendo natural os olhos do eleitorado estarem mais atentos às candidaturas femininas, seja por desgaste dos candidatos masculinos, que são sempre os mesmos nomes, seja pela busca da representação feminina, que é a maioria do eleitorado hoje”, explica Márcio Antônio de Sousa, juiz, presidente do Colégio de Ouvidores da Justiça Eleitoral (COJE) e da Comissão de Enfrentamento ao Assédio.

No início deste mês, o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), a Procuradoria Regional Eleitoral de Goiás e a Superintendência Regional da Polícia Federal em Goiás celebraram um acordo que estabelece diretrizes para atuação conjunta no enfrentamento da violência política de gênero. A medida busca coibir e punir crimes que atentem contra a integridade física, psicológica, moral e econômica das mulheres, garantindo igualdade de condições e oportunidades na participação política.

À medida que cresce a participação feminina na política, crescem também os episódios de violência de gênero. Recentemente, a deputada federal Silvye Alves (UB) teve seu escritório político invadido pela terceira vez em menos de 4 meses. Outro episódio de violência política foi protagonizado por Camila Rosa (PSD), única vereadora da Câmara de Aparecida de Goiânia, que teve o microfone e seu direito à fala cortado a pedido do presidente da Casa, André Fortaleza (MDB), em 2022.

Devido ao crescimento dos casos de violência de gênero, o TRE lançou o Canal “Ouvidoria da Mulher”. Inédita no país, a ferramenta é exclusiva para que as mulheres vítimas de assédio ou discriminação, sejam elas magistradas e promotoras eleitorais, advogadas, estagiárias, servidoras ou eleitoras, possam apresentar suas denúncias.

“Muitas pessoas desconhecem esse canal de comunicação, mas a maioria tem receio de apresentar algum tipo de representação junto à Justiça Eleitoral para combater essa violência, sob pena de sofrerem alguma represália junto ao partido, alguma exposição, alguma crítica pública em relação ao ocorrido. Temos inúmeros relatos onde, em ocorrendo a violência, a vítima expõe e ela é criticada publicamente em redes sociais e se o ambiente de trabalho, se ainda for candidata ou junto ao órgão público da qual ela já está detentora de mandato” pontua Márcio Antônio de Sousa.

O movimento de campanha em prol da conscientização e da obrigatoriedade dos partidos no atendimento do que determina a lei, de concessão de prazo, de recursos, orientações, de todos os normativos que fazem proteger as campanhas femininas, justamente contra essa violência. “Na comissão executiva do partido, normalmente, os pedidos de verbas são jogados às traças, juntamente com os seus projetos de leis que não possuem amparo dos colegas. Por conta dessas movimentações contrárias, muitas mulheres acabam por optar pelo silêncio”, completa o presidente do Colégio de Ouvidores.

Segundo ele, o desejo da justiça eleitoral é que o sistema seja limpo e as condições de concorrência sejam iguais, porque isso acaba oportunizando a representação. “Antigamente colocava-se a mulher apenas como um efeito moral, de dizer que tinha uma representatividade feminina, mas a elas não era garantido nada. Não era garantido o recurso, o material, assessorias, jurídica contábil, e o seu tempo de propaganda, quando eram disponibilizados de melhor tempo, era colocado em horários obrigatórios de menor acesso, por exemplo, à madrugada”.

Com a evolução do posicionamento das mulheres na própria sociedade, foi crescendo a pressão pela participação feminina na política. Isso trouxe às mulheres algumas prerrogativas, que não são privilégios, mas prerrogativas para que esse combate desigual se torne mais igual. Temos a questão da cota de gênero onde obriga-se que a participação de pelo menos 30% seja composta por representantes do gênero feminino.

“É natural essa representação, porque quem melhor fala por mulher são mulheres, quem melhor fala pela população preta são os candidatos e mandatários pretos, quem melhor fala pelos indígenas são os candidatos e mandatários indígenas”, finaliza Márcio Antônio.

Por fraudes relacionadas à cota de gênero, em um período de um ano e meio, a Justiça Eleitoral determinou a cassação de sete vereadores em Goiânia, representando quase 25% das 35 cadeiras da Câmara Municipal. “Temos 4 anos de mandato e recentemente tivemos essa decisão da justiça em relação à cota. Uma decisão parcial, ainda porque uma coisa que nos preocupa é a gente ter que enfrentar essa negligência para com o direito das mulheres. Vimos pessoas com três ou mais anos de mandato que nem sequer deveriam estar lá porque não cumpriram as cotas de gênero”, denuncia Cíntia Dias, presidente do PSOL em Goiás.

Para entender mais da realidade de violência política sofrida pelas mulheres em Goiás, o Jornal Opção conversou com Cíntia Dias (PSOL), que deve ocupar uma cadeira na Câmara dos Vereadores, Viviane Specian (PT), vereadora de Iporá, Beatriz Fernandes (PODEMOS), vereadora de Nazário e Ynaê Siqueira (UB), vereadora de Pirenópolis. A reportagem procurou também a deputada federal Adriana Accorsi, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.

Mulheres se destacam na política em Goiás

O prefeito de Iporá, Naçoitan Leite (sem partido), foi indiciado pela Polícia Civil de Goiás (PCGO) por tentativa de feminicídio, tentativa de homicídio, fraude processual majorada e posse de arma de fogo de uso restrito com numeração raspada. O mandatário municipal foi preso, mas solto dias depois e ainda retornou para à cadeira de prefeito. Viviane Specian foi uma das poucas parlamentares que se manteve firma na oposição a Naçoitan. Questionada se já sofreu perseguição política, ela diz que não, mas violência política sim.

“Violência política por ser mulher acredito que seja difícil qualquer uma de nós não ter passado por isso. Invalidação de sua fala, ser interrompida em plenário, infelizmente são acontecimentos comuns e a maioria das pessoas não vê como violência política de gênero”, pontua a vereadora.

O relatório da Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) indica que houve aumento dos delitos violentos contra candidatas(os) e pré-candidatas(os) nas Eleições 2022. No período, foram registrados 99 casos de tentativa ou de homicídios consumados. Além de 263 registros de ameaças e danos físicos. Constatou-se também o aumento do discurso agressivo e discriminatório nas campanhas eleitorais, especialmente pela violência física e digital, inclusive com uso de notícias falsas para ataques e incitação de ódio.

Sobre o aumento da participação feminina na política, Viviane afirma que é um fato a se comemorar, porém destaca que essa participação ainda é muito irrisória. “Precisamos aumentar essa participação em todas as esferas. Agora é o momento, já que estamos em período pré – eleitoral municipal. Aqui em Iporá são 13 cadeiras no Legislativo e somos somente duas vereadoras”.

“Mesmo estando em menor número ainda é algo a se comemorar, já que ficamos três mandatos consecutivos sem a presença feminina na Câmara Municipal. Sobre mudanças elas iniciaram já em 2020 onde 6 cadeiras foram renovadas! Veremos o que nos aguarda nas eleições de 2024”, comemora a vereadora de Iporá.

Em Nazário, enquanto Beatriz Fernandes de Carvalho ocupava a presidência da Câmara Municipal, sofreu inúmeros episódios de violência física e psicológica por parte do prefeito João Batista de Carvalho. Ela conta que, por ser da oposição, sempre sofreu perseguição política, mas após sair da presidência a discriminação cresceu ainda mais.

“Simplesmente porque sou mulher e ainda sou a única. Nesse início de ano, todos os meus projetos, todas as indicações que eu fazia, os vereadores vetavam. Eles combinavam entre si para não votar nas minhas indicações. A mulher sofre muito ainda na política por conta de ser mulher mesmo”, afirma Beatriz Fernandes. Ela conta que, desde que assumiu a Câmara de Vereadores como presidente, já foi chamada de mentirosa, vagabunda e até mesmo puta por parte dos colegas parlamentares.

“Eu tenho tentado trazer as mulheres. Hoje eu estou na presidência do Podemos e tenho tentado trazer mais mulheres para a política porque precisamos mostrar nosso empoderamento, nossa força e a gente tem que mostrar que a gente tem voz. Eles tem que entender que somos igualmente capazes e não é porque são homens que têm maior capacidade”, destaca a vereadora.

Há cerca de 20 dias, ela ouviu um vereador no plenário se referindo ao esposo dela como “marido dessa vagabunda aqui”. “Dentro da Câmara sofro muito bullying e muita discriminação por ser mulher”. As violências se intensificaram após Beatriz procurar a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) de Trindade para registrar o boletim de ocorrência. “Continuaram as ameaças, não queriam me bater, queriam me matar, falando que eu tinha que apanhar. Eu pedi a medida protetiva por conta disso”, explica.

A vereadora Ynaê Siqueira Curado (UB), de 24 anos, anunciou que vai disputar a Prefeitura de Pirenópolis nas eleições deste ano. Ela está entrando no 4° ano de mandato na Câmara Municipal. Eleita vereadora em 2020, Ynaê foi a 4° mulher eleita no município que tem quase 200 anos de legislativo. Apesar das perseguições e desafios, ela conta que vê o cenário de protagonismo feminino com olhar otimista.

“Mesmo estando à frente das pesquisas, as pessoas ainda acham absurdo eu como mulher, uma mulher jovem ainda, estar ocupando esse espaço. Apesar disso, a população quer mudança porque os nomes da política goiana, de modo geral, é o mesmo há muito tempo. Então agora o sentimento que a gente tem é de renovação, é de realmente trocar os rostos da política”, pontua.

Ela comenta uma pesquisa da XP Investimentos, que elegeu três atributos que os eleitores pretendem encontrar nos candidatos em 2024. A primeira palavra que aparece é renovação. “Essa renovação não está necessariamente ligada à idade do candidato, mas sim à mudança dos rostos. E isso favorece muito as mulheres para poderem entrar nesses espaços porque buscamos fazer política de uma forma diferente”, finaliza Ynaê.

Crimes comuns com penas previstas por lei

  • Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar ou a não votar em determinada pessoa ou partido: a previsão é de pena de reclusão de até quatro anos e pagamento de multa (Código Eleitoral, art. 301);
  • Restringir, impedir ou dificultar – com uso de violência física, sexual ou psicológica – o exercício de direitos políticos de qualquer pessoa em razão do sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A previsão é de reclusão de três a seis anos e multa (Código Penal, art. 359-P);
  • Código Eleitoral também configura como crime caluniar, difamar e injuriar alguém na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda (art. 324, 325 e 326).

Denuncie

Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) produziu um manual jurídico com orientações sobre o que é considerado crime e como proceder em casos de violência política. A denúncia pode ser feita para o Ministério Público ou para delegacias de polícia. É importante apresentar provas, como: testemunhas, filmagens, prints, áudios, vídeos, entre outros registros.

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