De casa para a rua: conheça as histórias dos sem teto em Goiânia

“Somos invisíveis, não fazemos diferença para ninguém. As pessoas passam por nós e sentem medo, raiva. Acham que todos são vagabundos. Nunca imaginei que passaria por isso, mas estou aqui de passagem, apenas por acaso. Minha mãe mora aqui perto, mas preciso resolver alguns problemas antes de voltar para casa”, afirma Alessandro Pereira da Silva, de 39 anos, enquanto aguarda na fila do lanche gratuito oferecido diariamente pela Prefeitura de Goiânia no Centro Pop, no Setor Central.

O pintor paulista, que há dois meses mora nas ruas de Goiânia, afirma que fez das calçadas a sua casa por motivos financeiros. Segundo Alessandro, ele trabalhou como pintor em uma empresa por quatro anos. No entanto, quando foi despedido, foi torturado e ameaçado pelo patrão que se recusou a pagar o acerto. 

Enquanto mostra as cicatrizes no rosto da suposta tortura, ele explica que procurou refúgio nas ruas devido a falta de dinheiro e pelo medo de ser novamente agredido. Questionado sobre a família, o ex-pintor se emociona e diz que tem uma filha de quatro anos, além da mãe, que mora em Aparecida de Goiânia. 

“Moro em qualquer esquina e bebo mais cerveja, pinga não. A gente [moradores de rua] costuma dormir tudo junto para ter mais segurança, mas é tranquilo. Acho que vou ficar mais um mês nesta situação até tudo se resolver. Depois, quero ir para Anápolis”, contou depois de se sentar ao lado da mochila e do colchão que usa para dormir.

Diferente de Alessandro, Emerson da Silva Rosa acredita que não deve sair das ruas. O homem, de 50 anos, passou mais da metade da vida dormindo em calçadas e pontes. Ao todo, segundo ele, são 30 anos em situação de vulnerabilidade. 

Apenas locais que oferecem apoio com higiene e alimentação, como o Centro Pop, Emerson afirma que já frequenta há mais de 10 anos. Ele diz que foi parar nas ruas devido a vícios, principalmente envolvendo álcool e, por isso, não pensa em voltar para casa. Hoje, ele vive de doações com o cachorro Milo, de 3 anos.

“O álcool, a pinga bruta, é o mais fodido, o que mais mata. Não vou jogar muita culpa em outras coisas. Sinto muito medo, isso a gente sente toda hora. A gente não conhece ninguém”, explica enquanto gesticula com as mãos sobre a cabeça. 

Emerson da Silva Rosa, de 50 anos | Foto: Pedro Moura/Jornal Opção

“Não consigo mais roubar”

Para sustentar o vício e conseguir se alimentar, grande parte das pessoas em situação de rua optam por praticar crimes, como pequenos furtos. O sul mato-grossense Wagner de Paula, de 53 anos, por exemplo, chegou a afirmar ao repórter que trabalha como coletor de recicláveis, mas que já praticou furtos para conseguir manter o vício em cigarros. Atualmente, de acordo com o homem, ele “não consegue mais fazer isso”.

Andarilho, Wagner diz ainda que há anos procura pela filha, que hoje, segundo ele, estaria com 25 anos. O coletor, que chegou na capital há cerca de quatro meses, acredita que a jovem esteja em Goiânia, mas já buscou por ela em outros estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso. 

“Sempre ando a pé ou de ônibus. Vim pra rua porque tentaram me matar e mataram a minha mãe por causa de uma herança de família e de uma seita, que meu irmão era envolvido. Sou de família rica, mas não tenho apoio nenhum, não recebo nenhum tipo de auxílio e não sou aposentado”, explicou . 

Monitoramento policial 

Segundo o último levantamento de moradores em situação de rua de Goiânia, realizado em 2019 pela Universidade Federal de Goiás (UFG), a população nestas condições chega a 1,9 mil. Para conter os crimes praticados pelos indivíduos em vulnerabilidade social, a Polícia Militar (PM) realiza patrulhamentos diários, principalmente na região do Setor Campinas, responsável por concentrar grande parte destas pessoas devido a movimentação comercial.

O tenente-coronel Paulo Henrique Ribeiro, comandante do 38º Batalhão da PM, responsável por monitorar 41 bairros na região central, explica que a corporação acompanha cerca de 300 pessoas em situação de rua. Segundo ele, 90% dos abordados são de outros estados. Grande parte, inclusive, já possui passagens por roubo, furto e tráfico de drogas. 

O militar conta que há cerca de um ano intensificou o policiamento na região, fazendo com que o número de crimes registrados mensalmente caísse de 150 (em fevereiro do ano passado) para cerca de 50 (atualmente). Uma baixa de 66,6%.

“Quanto mais drogas a gente apreendia com os moradores de rua, mais o índice de furtos aumentava. Como eles perdiam a droga, praticavam furtos e até roubos para conseguir comprar de novo. Porém, eles começaram a perceber que se fossem pegos, iriam ser presos graças ao nosso trabalho junto à população”, explicou.

Grande parte dos crimes registrados no Centro da capital são praticados por moradores de rua, de acordo com o tenente-coronel. A população entra nas lojas, normalmente à noite, para furtar e trocar o que conseguem com os crimes por drogas. Muitas vezes, o prejuízo do dano que eles provocam é maior do que o que foi levado.

Entretanto, os moradores também praticam crimes hediondos. Em janeiro, cinco moradores de rua foram presos por matar e queimar o corpo de um companheiro, de 43 anos, em Goiânia. A vítima foi assassinada por furtar a bicicleta de um dos criminosos no Setor Campinas. 

O “tribunal do crime” é comum entre a população de rua que praticam furtos ou outras condutas impróprias dentro dos grupos de usuários de drogas, conforme Paulo. As “sentenças”, porém, normalmente se resumem em espancamento.

“A população passa pela região e vê cinco, seis moradores de rua usando drogas juntos e pensa que é uma cracolândia. Em Goiânia não tem uma cracolândia, a PM também trabalha para que isso não aconteça”. 

Moradores de rua de Goiânia  | Foto: Fernando Leite

Políticas públicas 

A secretária da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs), Maria Yvelônia, explica que a prefeitura pretende fazer um novo levantamento para contabilizar a população de rua da capital, mas que ainda não tem data prevista para quando deve ocorrer. Atualmente, apenas o Centro Pop recebe diariamente entre 100 e 150 pessoas mensalmente em busca de alimento e banho.

A Prefeitura de Goiânia ainda possui mais duas casas de acolhimento, as chamadas Casa de Acolhida Cidadã, onde moradores podem se abrigar por até 90 dias. Os locais são destinados a famílias e pessoas solteiras, sendo que uma casa está sendo preparada para atender especificamente mulheres.

Questionada sobre quanto a prefeitura gasta por mês com a população de rua, a secretária não soube responder. Segundo ela, o Brasil não tem essa precificação. 

“É um investimento razoável porque estamos falando de alimentação, vestimentas e equipes que estão à disposição para o atendimento. A gente entende que é um investimento necessário, queremos que as pessoas tenham dignidade. Por isso temos feito um trabalho de sensibilizar a população para dar cidadania e não esmolas”, explicou Maria.

A secretária conta que a prefeitura trabalha para dar autonomia para moradores de rua por meio de projetos sociais de ressocialização, a fim de ingressar as pessoas no meio de trabalho. O objetivo é que os moradores saiam das ruas e tenham como se sustentar sem ter que depender de doações.

O trabalho junto a população é realizado tanto nos centros de apoio quanto nas ruas por equipes multidisciplinares. Os profissionais trabalham 24h abordando e conversando com os moradores, os convidando para saírem das ruas.

“Temos vagas suficientes para as pessoas que quiserem ter um abrigo, um acolhimento. Essas casas têm, geralmente, 30 vagas cada, mas temos capacidade para ampliá-las caso seja necessário. Se a casa lotar, em questão de horas, podemos montar e abrigar essas pessoas”, concluiu.

Moradores em situação de rua dormindo em praça  | Foto: Fernando Leite

O post De casa para a rua: conheça as histórias dos sem teto em Goiânia apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.