Criminalista aponta consequências em projeto de Flávio Dino para a prisão preventiva

*Colaborou Fabrício Vera

Está tramitando no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) que estabelece critério mais objetivos para um juiz determinar uma prisão preventiva. Atualmente, a questão pode ser decretada em qualquer parte da investigação policial ou do processo penal, seja a pedido do Ministério Público (MP) ou de alguma autoridade policial.

O Projeto de Lei 226 (PL 226/2024), de autoria do ex-ministro e atualmente senador Flávio Dino (PSB), prevê quatro critérios para a prisão preventiva: modus operandi; participação em organização criminosa; natureza, quantidade e variedade de drogas, armas ou munições apreendidas; e existência de outros inquéritos e ações penais em curso.

“Considerando precedentes do STF, é previsto que a participação em organizações criminosas, bem como a existência de inquéritos em aberto e ações penais em curso que apontem reiteração delitiva devem ser ponderadas pelo julgador diante de pedido de prisão preventiva. Em geral, esses quesitos apontam um comportamento do imputado que requer mais atenção e controle das autoridades públicas, especialmente no curso das investigações”, justifica o futuro ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

O texto argumenta que o atual critério da prisão preventiva é feito com “alegações de gravidade abstrata”. Por isso, seria necessário demonstrar o risco e a periculosidade do suspeito de forma “concreta”, com base nos critérios estabelecidos.

Em conversa com o Jornal Opção, o advogado criminalista Gilles Gomes explicou quais consequências o projeto pode trazer na prática, caso seja aprovado.

“Do jeito que está, primeira consequência é ter um super, hiper, mega encarceramento. Lembrando que o Brasil é um país que prende muito e prende mal. Isso só vai aumentar, porque vai abrir uma possibilidade interpretativa e vamos ter sim um gatilho para prisão automática. As pessoas que tiverem nessas situações vão ser presas preventivamente e serão convertidas na audiência de custódia”, analisou.

Outro ponto que pode ter consequência, de acordo com o advogado criminalista, é o excesso de demandas para o Poder Judiciário, já que haverá aumento de prisões.

“Nós vamos ter uma avalanche de impetrações e habeas corpus perante os tribunais e os tribunais superiores. Veja que hoje, tanto os tribunais, quanto o STJ, já reclamam do grande volume de recursos. Se for aprovado, não tem dúvida que vai paralisar o Judiciário brasileiro”, argumentou.

Conceito

Prevista no Código de Processo Penal (CPP), a prisão preventiva é uma medida no sistema jurídico para privar alguém de liberdade antes do julgamento. O procedimento é aplicado em determinadas situações, como explicou Gilles Gomes.

“A prisão preventiva é uma exceção no sistema processual penal, que objetiva proteger o processo. Então, ela é cautelar, e acontece antes da efetiva condenação, que a gente tem uma prisão pena, de sentença penal condenatória transitada em julgada. É exceção porque desafia uma regra da presunção de inocência e da preservação da liberdade”, explica.

“A prisão preventiva se dirige para duas situações em especial. A primeira é para conveniência da instrução processual penal, ou seja, que quando a liberdade da pessoa que está sendo investigada pode desafiar a apuração do fato. Por exemplo, quando há provas concretas de que ele está coagindo testemunhas, ou eventualmente pode destruir provas. Há também uma outra hipótese que é para aplicação da lei penal, que é justamente indícios dessa pessoa fugir”, completa.

Gilles Gomes destaca que são os únicos dois elementos chamados de convencionais, que encontram correspondência no pacto de São José da Costa Rica. Entretanto, existe um terceiro motivo, o de preservar a ordem pública e a ordem econômica, justamente a hipótese que quer criar os quatro novos critérios para essa decisão, que serão analisados pelo Senado.

Gilles Gomes
Advogado criminalista, Gilles Gomes | Foto: Arquivo pessoal

Críticas

Apesar disso, Gomes critica a hipótese que prisão preventiva para garantia da ordem pública. Para o criminalista, o elemento é inconstitucional, por apresentar uma definição aberta que fere o princípio da estrita ilegalidade penal e possibilitar que a ordem pública seja interpretada de acordo com a conjuntura política do país em determinado período.

“A ordem pública que, por exemplo, deve ser preservada em um regime progressista é uma; a ordem pública para ser preservada em um regime mais punitivista é outra. Isso acaba gerando a possibilidade de prisões ilegais”, ressalta.

Na visão de Gomes, os critérios do projeto, tanto o modus operandi; a participação em organização criminosa; natureza, quantidade e variedade de drogas, armas ou munições apreendidas; e existência de outros inquéritos e ações penais em curso, são inconstitucionais.

“Eles [critérios] desafiam a presunção de inocência. Se a pessoa está sendo presa por participar em organização criminosa, por exemplo, essa participação tem que ser provada. Não pode presumir. Natureza, quantidade e variedade de drogas é uma situação complexa, porque quando não determina ao certo o que é violação da ordem pública. O que fere? 100g de maconha? Em que contexto, no Alphaville, ou na Asa Sul, em Brasília, ou em uma região periférica?”, critica.

“Existência de outros inquéritos e ações penais em curso é mais uma vez ferir a presunção de inocência. Pode servir como uma forma de fixação legal de um etiquetamento, porque todo mundo que responde inquérito tem que ser preso automaticamente. É muito importante destacar essa questão do inconvencional, porque a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos é muito clara em dizer que a prisão preventiva é excepcional, tem natureza cautelar, ou seja, para tutela do processo e não da sociedade”, disse.

No momento, a matéria está no Senado Federal e aguarda ser encaminhada para as comissões permanentes da Casa para prosseguir com a tramitação.

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