Ana Laíns, a ‘Cantora Colorida’, exemplifica a diversidade musical de Portugal

Ana Laíns é conhecida em Portugal como a “cantora colorida”, pois pertence a uma nova geração de cantoras de Fado que já não acredita que o estilo tradicional lusitano é necessariamente sombrio. A cantautora (como portugueses se referem aos cantores-compositores) busca cantar um pouco de todo o país, com sua diversidade de ritmos, influências, sotaques e línguas.

Em Goiânia, Ana Laíns se apresenta no dia 13 de junho, quinta-feira, no Teatro Sesi, às 19h45. O concerto intimista, intitulado “Mátria Língua” é uma homenagem à Língua Portuguesa e à Lusofonia. Em entrevista ao Jornal Opção, neste ano em que se comemora os 500 anos do nascimento de Luís de Camões, Ana Laíns como sua música está profundamente relacionado com a linguagem e a história de Portugual. 

Italo Wolff — Por que o apelido “cantora colorida”?

Ana Laíns Em 2010, quando eu gravei o meu segundo trabalho discográfico, houve um jornalista que me chamou cantora colorida. Normalmente, o fado é muito relacionado com o drama, com a tristeza, com a dor, e eu não acredito que essa seja a única maneira de ver o fado. Acho que fado é vida, e a vida é cheia de tudo — do bom e do mau. Minha música reflete muito isso.

Sou uma cantora que canta um pouco de Portugal inteiro. Vocês aqui no Brasil têm o MPB, que acaba por englobar muitos estilos musicais, certo? Em Portugal, não existe o “MPP”. Canto todos os estilos portugueses, e daí “cantora colorida”. 

Para nós, brasileiros, o fado é o ritmo que vem à mente quando pensamos em música portuguesa. Quais outros gêneros musicais vêm de Portugal?

Há muitos. Dizer o contrário seria como afirmar que o Brasil é só samba. Profundamente redutor, não é? Em Portugal há muitos ritmos tradicionais, com forte influência africana. Eu não sei se foi Portugal que trouxe alguns ritmos ao Brasil, ou se foi o Brasil que nos deixou levar alguns ritmos daqui para Portugal, mas existe uma grande diversidade de influências na música portuguesa. No norte de Portugal, a música é completamente diferente daquela do sul de Portugal.

Na realidade, o fado é um estilo de música urbano, de Lisboa, que se expandiu a todo o território português. Mas, em minha terra, no Ribatejo, existe o fandango. Se você for para o Alentejo, ouvirá o Cante Alentejano, que já é Património Imaterial da Humanidade, também como o Fado. Se você for para Trás-os-Montes, nordeste de Portugal, vai encontrar a língua mirandesa, que é a segunda língua oficial de Portugal e mote de muitos outros estilos de música, com instrumentos como gaita de foles e instrumentos de percussão muito típicos daquela região.

Em seu repertório, você canta músicas em mirandês?

Sim. Canto em mirandês e falo em mirandês com o público. Você fala mirandês? Não? Os portugueses também não. [Risos]. O mirandês é uma língua oficial de Portugal desde 1999. Há apenas dois anos, o governo português assinou a carta que obriga a criação de um circuito de divulgação e de ensino da língua mirandesa. Neste momento, existem cerca de 1.900 falantes de mirandês, em um universo de 10 milhões de pessoas. Eu assumi um pouco essa missão da divulgação da língua, porque acredito que tudo o que vier da diversidade  cultural é bom. Não temos de anular a língua portuguesa, apenas acrescentar a ela. 

Por falar em língua portuguesa, neste ano se comemora 500 anos do nascimento de Camões. Seu concerto se chama Mátria Língua. Como você relaciona sua música à lingua portuguesa?

Está tudo profundamente relacionado, porque Mátria Língua é um concerto que viaja pela história da língua portuguesa. Abrimos o concerto com um poema de Dom Dinis I (o Rei-Trovador, que reinou Portugal entre 1279 e 1325) como forma de simbolizar os primórdios da língua portuguesa, com o galego-português. 

Depois, vamos viajando no tempo até chegar aos nossos dias e aos poetas atuais. Canto em sotaque brasileiro, declamo Cecília Meireles em uma homenagem à língua portuguesa no feminino. Mátria Língua tem a ver com a forma como eu vejo a língua portuguesa e o que ela significa para mim. E a língua portuguesa me dá colo, estrutura, caminho e é muito maternal.

Percebo que você gosta de literatura por suas referências a poetas. Quais são seus favoritos? 

Leio menos do que eu gostaria. Gosto das poetisas portuguesas Sophia de Mello Breyner e Florbela Espanca. Gosto de Camões, claro. Camões é o grande responsável pela minha paixão por Portugal e pela língua portuguesa.

Claro que gosto de Fernando Pessoa, que foi talvez o maior pensador da literatura portuguesa, e gosto de seus heterônimos. Eu acho que Fernando Pessoa reflete aquilo que é o projeto humano, um projeto que nunca vai estar concluído. Vivemos em um mar de questões e cada resposta que encontramos se desdobra em novas questões existenciais. 

Ana Laíns: “Hoje, a música portuguesa já não é mais apenas o fado pesado e reduzido à guitarra e à viola, tocado com dois tons” | Foto: Divulgação

E quem são os seus músicos favoritos?

Tenho uma predileção muito grande por uma cantora portuguesa, que não sei se é muito conhecida aqui no Brasil, que se chama Dulce Pontes. Dulce foi talvez a primeira grande cantora no século XX a quebrar muitas barreiras e preconceitos em relação ao fado. Ela quebrou a ideia de que Portugal é só fado. Foi a cantora que globalizou a música portuguesa.

Amália Rodrigues já tinha levado o fado para o mundo, mas sempre em um formato “fadista”. A Dulce não: sempre foi uma cantora portuguesa que também cantava fado. É como eu também sinto que eu sou; ela é a minha grande mentora.

Mas depois há muita gente. Gosto muito de Maria Betânia, ela é minha cantora brasileira de eleição. Gosto de Ivan Lins, com quem já tive o prazer de trabalhar. Elis Regina — o que era Elis Regina, meu Deus? Gosto de Gal Costa, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, enfim, todos os grandes cantautores da MPB. São uma grande referência para nós em Portugal.

Em Portugal, Madredeus, Amália Rodrigues, Fernanda Maria. Gosto de Hermínia Silva, que era uma fadista que já trazia muita cor para o fado, já acabava um pouco com o mito de que o fado é apenas triste. É difícil falar de todos meus favoritos, são muitos.

O fado é um estilo tradicional, histórico, com mais de 200 anos. Você enxerga uma renovação no fado?

Sem dúvidas. E não poderia ser de outra forma, porque nós não somos estanques, não é? Evoluímos socialmente e a música acompanha esse desenvolvimento. Vivemos em uma era globalizada e isso se reflete na música. Essencialmente, a partir dos anos 2000, com a internet, o fado se tornou mais cosmopolita, recebendo novas influências.

As grandes cantoras de fado em Portugal hoje em dia são Ana Moura, Mariza, Carminho — cantoras que já não cantam aquele fado pesado e reduzido à guitarra e à viola, tocado com dois tons, quatro tons no máximo. Hoje, a música portuguesa e o fado estão muito mais abertos ao desenvolvimento.

Qual seu próximo projeto? Você já tem um novo disco em gravação?

Sim, estou a trabalhar em meu próximo projeto, que não será um disco. Vai se chamar “Identidades” e tem a intenção de criar 20 novas canções portuguesas que nasçam nas 20 regiões que dividem Portugal. Como o Brasil tem 27 estados, Portugal tem 20 regiões. Minha intenção é ir à esses locais, fazer uma pesquisa sobre os elementos locais tradicionais e criar uma nova canção que transporte suas influências.

Por exemplo: em Trás-os-Montes, há enorme influência celta. Por que não criar uma parceria com músicos irlandeses e escoceses? De certa forma, quero refletir essa miscigenação que forma a todos nós; uma enorme miscigenação, um pote gigante de muitas influências.

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