A Imprensa deve publicar denúncias, mas precisa ter cuidado com os reis dos dossiês

Daqui a sete meses, em 6 de outubro, os eleitores brasileiros estarão escolhendo vereadores e prefeitos. Ou seja, aqueles políticos — gestores e fiscais do Executivo — que, no dia a dia, estão mais próximos deles.

De acordo com a lei, a campanha eleitoral não começou. Mas a pré-campanha está no ar, digamos assim, há algum tempo — os pré-candidatos já estão se apresentando aos eleitores e aos seus pares. Aqueles que não são conhecidos sabem que precisam se expor desde já, sob risco de, se o fizerem apenas na campanha de 45 dias, não serem avaliados com a devida atenção por aqueles que votam.

Então, se não há uma campanha oficial, há uma pré-campanha semioficial. Em várias cidades de Goiás, por exemplo, os candidatos já estão definidos e não estão dialogando apenas nos bastidores. Estão em campo, buscando a formatação de alianças e se tornarem conhecidos dos eleitores. É a vida real — aquela que, de tão espaçosa ou grande, não cabe à perfeição nos limites rígidos da lei.

Neste momento, em alguns municípios, além da exposição dos quase-candidatos, há, por parte de alguns deles, a formação de dossiês contra os adversários. Os jornais recebem denúncias todos os dias, mas, quando uma investigação preliminar é feita, descobre-se que, na maioria das vezes, não há consistência alguma. O objetivo é muito mais usar a Imprensa para criar dossiês contra adversários e, depois, explorá-los nas redes sociais, com a chancela de meios de comunicação sérios e responsáveis.

Aquilo que é publicado, a denúncia, tem, por vezes, dois objetivos. Primeiro, levar o candidato a se explicar à polícia, ao Ministério Público e à Justiça. Segundo, manchar a reputação de quem é denunciado. Ao se apresentar aos eleitores será visto com desconfiança, perdendo, assim, parte de seu capital eleitoral.

Arte de William Blake

O problema nem é a denúncia em si. Pois, se consistente, deve ser investigada pelos órgãos competentes e exposta pela Imprensa.

Porém, algumas — e até muitas — vezes, a polícia, o MP, a Justiça e a Imprensa perdem tempo com denúncias infundadas ou mal alinhavadas. Trata-se do tipo de denúncia que, a rigor, é puramente um ataque. Se examinada com cuidado, nada contém de substancial.

Por isso, repórteres e editores precisam ter o máximo de cuidado neste momento com políticos e assessores mal-intencionados. Porque, no fundo, não estão preocupados com o interesse público, e sim com a destruição de adversários eleitorais. Há denunciantes sérios, que se cercam de documentação confiável, e, como tais, devem ser levados em consideração pelos jornalistas. Mas, no geral, são poucos.

Os “dossiezeiros”, aqueles que ganham a vida formando dossiês para campanhas eleitorais, estão sempre à espreita. Aqui e ali, conseguem plantar notas e reportagens denegrindo a imagem de possíveis adversários… de seus financiadores. Por vezes, não repassam a denúncia completa aos repórteres, pois seu objetivo não é esclarecer os fatos, e sim, aqui e ali, extorquir políticos, notadamente os que já são gestores ou querem se tornar gestores.

Toda e qualquer denúncia que chegar às redações deve ser examinada com cuidado. Se tiver fundamento, deve ser publicada. Se não, deve ser deixada de lado. Especular com o falso é um ato contra a democracia. Muitas denúncias que chegam à redação do Jornal Opção são, antes, examinadas pelos advogados — como os experimentados e competentes Márcio Cunha e Wesley Batista e Souza. Cuidadosos, amparados pelo conhecimento preciso das leis, alertam os repórteres e editores sobre aquilo que procede ou não procede.

Arte de Rodin

Repórteres e editores têm discernimento para entender a maioria das denúncias, mas há questões intrincadas — que parecem mas não são filigranas jurídicas — que são perceptíveis apenas àqueles, como Márcio Messias, Wesley Batista e Souza, Demóstenes Torres, Caio Alcântara e Thiago Costa, que têm amplo conhecimentos das leis, inclusive, por assim dizer, de suas minudências (e, como se sabe, Deus mora nos detalhes). As leis parecem matemática, altamente precisas, mas não o são, pois contemplam, aqui e ali (e, quem sabe, no seu âmago), as contradições da vida real, dos jogos das sociedades.

Os jornais publicam denúncias, que parecem perfeitamente formuladas. Porém, quando chega o momento de apresentar as provas, percebe-se aquilo que as fontes passaram não são suficientes. Então, o risco de condenação aumenta. Em certas audiências, as testemunhas-chaves dos repórteres, depois de terem feito denúncias graves — em off ou em on —, sequer comparecem para fortalecer o que disseram e, em tese, “defender” os jornalistas — que passam a depender de artifícios jurídicos para escapar a uma condenação.

Não há, claro, jornalismo investigativo sem denúncias. As denúncias são uma maneira de defender o interesse público, coletivo. Portanto, devem ser acolhidas por jornais, revistas, blogs e emissoras de rádio e televisão. Mas é preciso ter o máximo de cuidado.

Nas redações há quase um axioma: aquilo que é produzido pela polícia, mesmo antes da conclusão do inquérito, “é” (a) verdade. Como tal, deve virar manchete. Se pergunta sobre a procedência da denúncia, o editor costuma ouvir: “A polícia disse”. Ocorre que o apurado pela polícia, assim que a investigação é finalizada pelos delegados, é enviado à Justiça, que, ouvindo os contraditórios, com provas e contraprovas, decidirá quem tem ou não tem razão.

Algumas vezes, inquéritos malfeitos, mesmo quando a intenção é séria, leva o magistrado a absolver o “criminoso” ou suposto criminoso. Com relativa frequência assiste-se, nas redações, pessoas, com seus advogados, pedindo uma reparação simples, ou seja, clamando para que os jornais “retirem do ar” algumas reportagens. Porque as pessoas que haviam sido apontadas (“condenadas” de antemão) pelos inquéritos da polícia não haviam cometido crime algum.

Há jornais que resistem a retirar as reportagens de seus sites, mas não deveriam. Se a pessoa provou que não cometeu crime algum, porém a reportagem garante que cometeu, amparada apenas numa investigação policial enviesada e insuficiente — porque não examinou a denúncia com o devido cuidado —, é saudável que se retire o texto da internet. Pelo menos isto.

Costuma-se dizer, nas redações, que o erro foi da polícia ou dos denunciantes. O primeiro erro sim. Mas o segundo, ao acolher uma denúncia problemática, foi — é — da mídia.

Voltando à seara política. Neste momento, o da pré-campanha, os dossiês estão sendo formados e, alguns, começam a ser divulgados. No geral, o objetivo não é esclarecer fatos — na defesa do interesse público —, e sim manchar a reputação de pré-candidatos, com o objetivo de evitar que se tornem candidatos ou, se chegarem a registrar candidaturas, perderem tempo se explicando. Quer dizer, a intenção é enfraquecer os adversários, torná-los derrotáveis.

Então, sublinhando: os “dossiezeiros” estão por aí — à espreita. Vendem seus serviços àqueles que pagam mais e costumam denunciar os que não querem mais pagá-los. Alguns deles costumam cuspir no prato que comeram. Seus aliados de ontem se tornam os adversários de hoje.

Jânio Darrot: pré-candidato a prefeito de Goiânia pelo MDB | Foto: Leoiran/Jornal Opção

Guerra dos dossiês X guerra das propostas

O ideal é que, no lugar da guerra dos dossiês, se coloque a guerra das propostas. Os eleitores são esclarecidos e, por certo, estão “cansados” da guerra suja — das artes dos “dossiezeiros” — e preferem candidatos que apresentem ideias para melhorar suas vidas.

Veja-se um caso de uma proposta que os candidatos a prefeito em Goiás deveriam examinar. Os ricos e as classes médias podem colocar seus filhos em escolas bilíngues. Não estão errados. Estão certos. O mundo, cada vez mais globalizado, exige que se fale ou ao menos se entenda uma segunda língua, como o inglês (daqui a pouco, será o mandarim, quem sabe, pois a China, segundo país mais rico do mundo, ambiciona a pole position).

Os candidatos de cidades ricas, como Senador Canedo, nas proximidades de Goiânia, e Catalão, no Sudeste goiano, depois de estudar a viabilidade financeira, poderiam instalar ensino bilíngue nas suas unidades escolares? Talvez. Aplicar dinheiro — muito dinheiro — em educação é investimento. Não é custo e, sim, é um programa social. Quanto mais educação, sabem os chineses, os japoneses e os sul-coreanos, mais crescimento econômico e, sobretudo, mais desenvolvimento.

Os políticos brasileiros precisam ousar mais, sobretudo ao criar programas para beneficiar os pobres. A sugestão que se deu acima pode ter um custo muito alto. Mas ao menos vale ser examinada. É uma proposta.

Os “dossiezeiros”, que são uma espécie de rémoras ou sanguessugas de políticos, não estão preocupados com a criação de uma agenda positiva. São agentes do negativo, do caos, da destruição. São eles que, de alguma maneira, criam a ideia de que os políticos são todos iguais — quando não o são. Com suas ações deletérias, costumam contribuir para o surgimento de salvadores da pátria, paizões etc.

Mas a democracia sugere que o adversário tem de ser retirado do páreo pelo voto. Não se está defendendo que é preciso contornar as denúncias. Não se trata disso. O que se está dizendo é outra coisa: é preciso ter o máximo de cuidado com o que se publica sobre as pessoas, a respeito de sua honra. Recentemente divulgaram uma denúncia de 2013 — quer dizer, de 11 anos atrás — contra o ex-prefeito de Trindade Jânio Darrot (MDB). Por que tão tardiamente? Porque o objetivo não é esclarecer o fato, e sim tentar retirá-lo da disputa para prefeito de Goiânia. Só isto.

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