Antes das locomotivas e estradas de ferro, a mala-posta já transportava a história portuguesa

O leitor brasileiro por certo não saberá o que é mala-posta, mas isso não é nenhum desdouro. É uma expressão desconhecida em terras brasileiras, que se usa em Portugal para designar aquela carruagem que todos nós conhecemos como diligência (stagecoach em inglês) e que foi imortalizada nos filmes de faroeste. O mais famoso deles, um clássico de 1939 premiado com Oscar, do famoso diretor John Ford e que tinha o ator protótipo do cowboy americano, John Wayne, no papel principal, chamou-se precisamente Stagecoach (No Tempo das Diligências, no Brasil e A Cavalgada Heróica, em Portugal).

Se no oeste americano teve enorme importância, não foi menos importante em Portugal essa carroça fechada puxada por duas parelhas de cavalos e usada no século XIX, antes que viessem as locomotivas a vapor e as estradas de ferro para transporte de passageiros e correios. Lisboa e Porto são as duas principais cidades portuguesas que já existiam mesmo antes de Portugal conquistar a nacionalidade (junto a algumas outras, como Braga, Coimbra, Évora , Lamego, Silves e Viseu). Como se ligavam? A mala-posta foi o primeiro serviço público português de transporte de passageiros e encomendas.

O Estado Português encampou o Serviço de Correios em 1797, que era privado desde 200 anos antes. E passou a usar a mala-posta. A viagem de Lisboa a Porto, separadas por cerca de 300 km, no início dos anos 1800 demandava cerca de uma semana. Não era contínua, pois faltavam pontes e algumas travessias demandavam barcos. Apenas o serviço regular de Lisboa a Coimbra, de aproximadamente 200 km, inaugurado em 1804, demandava cerca de 40 horas para ser coberto por uma mala-posta.

A história da mala-posta integral ligando Lisboa a Porto tem  início com seu projeto em 1835, após a deposição de D. Miguel I, já no reinado de D. Maria II, “A Educadora”, por sinal filha do imperador do Brasil D. Pedro I e nascida no Rio de Janeiro. Uma regularidade nos serviços portugueses de Mala – Posta no trajeto como um todo começaria a partir de 1852, com a criação (por D. Maria II) do ministério de Obras Públicas, entregue a um ministro atuante (Antonio Maria Fontes de Melo), que adquiriu na França carruagens e cavalos.

A última ponte que faltava no trajeto de Lisboa ao Porto, a do Rio Trancão, em Sacavém, havia sido concluída em 1843. Mas só em 1855 tinha início a ligação regular Lisboa – Porto por mala-posta, uma viagem que durava 34 horas e que passava por 23 estações de muda, locais de parada, refeições, pernoite e troca de cavalos. Caldas da Rainha, Leiria, Coimbra e Oliveira de Azeméis eram algumas dessas estações de parada, e justamente nessas era onde as refeições se faziam.

Elas ainda guardam locais de lembranças desses tempos históricos. E seria efêmera a existência da mala-posta Lisboa – Porto, pois em 1856 já começava a se estabelecer o transporte por estrada de ferro, com a inauguração da primeira linha, de Lisboa até o Carregado (37 km), por sinal a primeira das estações de parada da histórica mala-posta que demandava a cidade do Porto. Em 1862 estavam ligadas as duas maiores cidades portuguesas pela estrada de ferro, e a mala-posta começava a cair em desuso.

Hoje os confortáveis e rápidos trens (que em Portugal se chamam comboios) fazem o percurso Lisboa – Porto em três horas.

Como exumei esta história? Já lhes conto:

O amigo Silvio Tavares, dono do excelente restaurante Tertúlia, no centro de Aveiro, que já foi objeto desta coluna, despertou-me a curiosidade ao mencionar a mala-posta, explicar o que era e contar que existe uma das 23 antigas estações de parada cujas instalações estão praticamente preservadas tal como eram no século XIX, quando ali paravam as carruagens.

– Queres conhecer? – perguntou-me Silvio.

– Mas claro! Pode ser visitada? –  indaguei.

– Melhor que isso, podemos lá almoçar, pois no local hoje há um restaurante, por sinal de um amigo meu. Era a 16ª estação de parada saindo de Lisboa, chamava-se Ponte da Pedra. Fica no distrito da Aveiro, no concelho (municipio) de Anadia. São 30 minutos de automóvel do centro da cidade de Aveiro até lá. O cidadão Manoel Pompeo obteve da Fazenda Nacional, há uns oitenta anos, o espaço, com o compromisso de manter as instalações tal e qual eram no tempo da mala-posta. Hoje o filho, Carlos Pompeo, de que lhe falei, administra o negócio. Podemos ir até lá na segunda-feira.

Explica-se: Silvio, juntamente com a mulher, Maria Aparecida, não arredam pé de seu restaurante, a não ser às segundas-feiras, seu descanso semanal. E na segunda-feira lá fomos, minha mulher e eu, devidamente ciceroneados por Silvio e Cida conhecer mais alguns detalhes da rica história portuguesa, desta vez relacionadas à região de Anadia. E em particular, a antiga estação de parada da mala-posta em Ponte da Pedra, onde hoje funciona o restaurante Pompeu dos Frangos.

Além de ser uma casa onde se provam os mais elaborados acepipes da extraordinária cozinha portuguesa e os melhores vinhos de Portugal, há também o que encanta a vista. Foram preservadas as construções principais, que recebiam os passageiros, as paredes guardando seu revestimento de madeira, as portas almofadadas intactas e as paredes de azulejos alusivas à mala-posta brilham à nossa frente, uma delas mostrando com detalhes o trajeto Lisboa-Porto e suas estações intermediárias, tal e qual se percorriam naqueles meados dos anos 1800. Um capítulo ilustrado da História de Portugal.

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