Quando mentir vira modus operandi naturalizado

“Nós não fomos para o segundo turno por causa de laudo, não. A gente não foi para o segundo turno porque o campo de energia que eu precisava chegar, de vinte e uma ondas, não conseguimos bater. A gente chegou em dezoito e não conseguimos entrar em outra onda. E é assim que funciona”. Essa foi a justificativa do ex (ou atual?) coach Pablo Marçal dada em outubro do ano passado ao fato de ter ficado de fora do segundo turno na corrida à Prefeitura de São Paulo. Que 18 ondas são essas, e quais foram as 21 que ele não conseguiu atingir no apontado “campo de energia”, não me pergunte. Tenho como preferência permanecer na ignorância.

O fato é que esse tipo de declaração, por mais estapafúrdia que seja, tem o poder de – como diz a gíria de rede social – “alugar um triplex” na cabeça de quem a ouve. Ou seja, provocar uma espécie de reflexão oriunda do choque, do ceticismo. E, com isso, Marçal abocanha mais seguidores que passam a vê-lo como um visionário, quase um gênio incompreendido.

É um modus operandi simples, mas eficaz: confundir pelo absurdo e pela distorção da verdade. Com essa postura, lideranças políticas e personalidades como Marçal parecem conseguir sempre que os holofotes se voltem para eles. E foi o que aconteceu na última semana, um dia após um dos eventos mais comentados do mundo.

Quase que imediatamente após o norte-americano bilionário Donald Trump ser empossado como o novo presidente dos Estados Unidos, a equipe de Pablo Marçal disparou para veículos de imprensa um pequeno vídeo em que aparece ao lado do magnata americano dizendo “Trump, salve a América, salve o Brasil, por favor”, enquanto fazia o famoso “M de Marçal” com três dedos da mão. Em resposta, Trump responde: “Brazil, we like Brazil (Brasil, nós gostamos do Brasil)”.

A equipe de Marçal divulgou uma nota a jornalistas sem mencionar o dia em que o vídeo havia sido feito. O comunicado mencionava que o empresário teria se encontrado três vezes com Trump “em um momento histórico”. Perceba que o coach nunca afirmou que o vídeo foi feito durante a posse de Trump, mas também não negou essa informação no comunicado inicial, deixando que ela se afirmasse sozinha pelas imagens e pelo timing de divulgação.

Com isso, não faltou quem acreditasse e compartilhasse euforicamente a “notícia” de que o goiano Marçal havia se encontrado Trump no dia em que políticos do mundo inteiro almejavam em fazê-lo. Ora, que prestígio, não? Acontece que o vídeo não foi gravado no dia da posse presidencial, em Washington D.C., mas sim no dia 4 de janeiro deste ano, quando Pablo Marçal esteve hospedado no resort Mar-a-Lago, na Flórida, que pertence a Trump. Conforme o empresário à CNN Brasil, ele segurou a publicação para “valorizar” mais o conteúdo.

O dicionário Michaelis traz, como conceito de “mentir”, o seguinte: “Proferir como verdadeiro o que é falso; Ser causa de engano”. Se um resultado da Mega-Sena é divulgado no dia 25 de janeiro de 2025, e um homem publica, nesse dia, “Ganhei na Mega-Sena!”, sendo que sua premiação no jogo ocorreu em 1998, ele não está mentindo, tampouco falando a verdade. E chegamos ao modus operandi de Marçal.

O coach parece não se preocupar em induzir, continuamente, quem o cerca ao erro e a confusão. Algumas vezes de forma sutil, outras de forma escancarada. Não nos esqueçamos, por exemplo, do documento falso – e viral – publicado por ele no ano passado, durante a eleição, relacionando falsamente o então candidato Guilherme Boulos ao uso de cocaína. Afinal, como dito, pode ser assim que o empresário mantém sobre ele os holofotes acesos… para 2026. Destaca-se: Marçal, que teve mais de 1,7 milhão de votos na disputa para a Prefeitura de São Paulo, deve concorrer, no ano que vem, o posto de presidente da República.

O empresário não é o único a usa desse modus operandi. No entanto, ele o utiliza com uma maestria perigosa. E mais perigoso ainda é como esse método tem sido visto com cada vez mais naturalidade.

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