Entenda as crises e conflitos pelo uso da água do Rio Araguaia

Por Édio Damásio da Silva Júnior, Andriane de Melo Rodrigues,
Alinne de Assis Veras Queiroz e Celsio Assane*
Especial para o Jornal Opção

Nem todos os lugares do planeta possuem acesso aos recursos hídricos, o que gera conflitos e crises pelo acesso à água. Regiões áridas e semiáridas, como o nordeste do Brasil, o Oriente Médio e partes da África, por exemplo, enfrentam escassez hídrica devido à baixa disponibilidade natural de água, agravada por mudanças climáticas e uso inadequado. Além da escassez física, a gestão inadequada da água também gera crises. O desperdício, a poluição dos recursos hídricos e conflitos políticos podem transformar o acesso à água em um desafio ainda maior. O desenvolvimento de políticas eficientes de conservação e distribuição da água é essencial para enfrentar esses problemas.

No Brasil, a Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei n° 9.433/1997, tem quase 30 anos de criação e preconiza a água como um bem de domínio público, sendo um recurso natural limitado e com valor econômico. A gestão pública deste recurso deve garantir que diferentes setores possam utilizar a água de forma equilibrada. Nesse contexto, instrumentos como a outorga de direito de uso dos recursos hídricos são fundamentais para garantir a gestão sustentável da água e evitar conflitos pelo seu uso. A outorga é um ato administrativo que concede ao usuário o direito de utilizar determinado volume de água por um período específico, respeitando as condições estabelecidas pelas autoridades competentes.

Nem toda a água de um rio pode ser utilizada pelas atividades humanas. Parte da água do manancial hídrico pode ser captada para o desenvolvimento de atividades socioeconômicas (é a vazão outorgável), mas determinada parcela de água (vazão ecológica) deve ser mantida no rio para manutenção dos ecossistemas aquáticos, reprodução de espécies, preservação da qualidade da água e conectividade dos habitats. No Estado de Goiás, por exemplo, só é permitido usar até metade da água que costuma estar disponível na maior parte do tempo em rios e lagos (é a vazão de referência com 95% de permanência no tempo). Esse limite existe para garantir que as retiradas de água respeitem a oferta natural e não causem prejuízos ao meio ambiente. Assim, mesmo quem usa a água de forma legal precisa seguir regras para evitar problemas futuros.

Com o crescimento da população humana mundial e a demanda cada vez maior por alimentos, o consumo de água nas bacias hidrográficas está aumentando, reduzindo a vazão disponível em importantes bacias, como a do Rio Araguaia. Estudos indicam que a vazão do rio e de seus afluentes tem diminuído ao longo dos anos, dificultando sua recuperação durante o período chuvoso. Além da crescente captação de água para irrigação e abastecimento, fatores como o desmatamento e o uso de agrotóxicos também impactam a qualidade e a quantidade dos recursos hídricos disponíveis.

Barco parado na beira da água

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Rio Araguaia em época de seca (agosto de 2024). Destaca-se seu baixo nível de água e surgência de rochas e bancos de areia | Foto: Acervo Pessoal

No Estado de Goiás, quem cuida da gestão da água é a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD). Eles disponibilizam informações sobre o uso da água no website do Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos no Estado de Goiás (SIRHGO). Qualquer pessoa pode acessar e conferir como a água está sendo utilizada no Estado, incluindo os volumes consumidos por diferentes atividades.

Uma imagem contendo Interface gráfica do usuário

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Página eletrônica do Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos no Estado de Goiás | Fonte: SIRHGO

Umas das ações do projeto “Araguaia Vivo 2030” (@araguaiavivo), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) e gerenciado pela TWRA (“Tropical Water Research Alliance”), realizada pela equipe de pesquisadores do Instituto Federal Goiano, visa identificar áreas potenciais de elevada pressão hídrica e prever futuros cenários de conflitos pelos recursos hídricos, de forma que os órgãos competentes (como a SEMAD) tenham conhecimento e tempo prévio para ações de mitigação e contingência.

Os estudos em andamento mostram que uma parte da bacia do Rio Araguaia, especialmente no Estado de Goiás, já tem um alto nível de uso da água permitida. No caso da bacia do Rio Vermelho, por exemplo (ver figura abaixo) quase toda a água disponível para atividades humanas já foi destinada—95% do total! Isso torna essa região bastante sensível ao uso dos recursos hídricos, podendo gerar disputas pela água no presente e futuro. Ao todo foram identificadas 624 autorizações de uso da água (outorgas) para captação em outros rios que fazem parte da bacia do Rio Araguaia (porção goiana), totalizando 64.800 litros a cada segundo (vazão suficiente para abastecer cerca de 37 milhões de pessoas). A principal atividade demandante de água na bacia foi a irrigação, com cerca de 78% da vazão captada.

Diagrama

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Nível de comprometimento hídrico na bacia hidrográfica do Rio Vermelho, afluente do Rio Araguaia. Em vermelho, corpos hídricos com vazão outorgável totalmente utilizada | Fonte: projeto Araguaia Vivo 2030/TWRA

A irrigação por pivô central é uma das técnicas mais usadas na agricultura, especialmente em áreas onde o clima é seco ou as chuvas são irregulares, como nos meses de maio a setembro, na região centro-oeste do Brasil. Esse sistema funciona com um grande braço rotativo que distribui água de maneira uniforme sobre as plantações. A demanda de água para esse tipo de irrigação depende de vários fatores, como o tipo de cultura, o clima da região e a eficiência do próprio equipamento. Culturas como milho e soja, por exemplo, precisam de grandes volumes de água, principalmente em períodos de seca. 

Desenho de uma pessoa

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Foto de satélite de parte da bacia hidrográfica do Rio Araguaia. Cada círculo na imagem indica uma área de irrigação pelo método de pivô central | Fonte: Reprodução / Google Earth

Cenários futuros sugerem que outras sub-bacias hidrográficas do Rio Araguaia (Alto e médio Araguaia, Rio Claro e Rio Caiapó) também apresentarão altos níveis de comprometimento hídrico nas próximas décadas, elevando os impactos ambientais, sociais e econômicos na região. Altos níveis de comprometimento hídrico na bacia hidrográfica do Rio Araguaia poderão causar impactos no equilíbrio ecológico e nas atividades humanas da região, incluindo escassez hídrica, racionamento de água, perda de produtividade agrícola, redução da qualidade da água, aumento dos conflitos pelo uso da água e alterações no ciclo hidrológico.

Políticas públicas que assegurem o controle e a fiscalização do direito de uso da água são essenciais para a manutenção do equilíbrio ecológico do Rio Araguaia, bem como para o desenvolvimento das atividades econômicas e sociais da região. Medidas como a regulamentação da outorga de uso, o monitoramento da vazão ecológica e a preservação de áreas de recarga garantem que os recursos hídricos sejam utilizados de forma equilibrada, evitando a degradação e a escassez. Além disso, políticas de incentivo ao uso eficiente da água e ao desenvolvimento sustentável são fundamentais para compatibilizar as demandas agrícolas, industriais e urbanas com a conservação dos ecossistemas aquáticos.

Édio Damásio da Silva Júnior: Professor e pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano (IFGoiano), Campus Rio Verde. Docente do mestrado profissional em Engenharia Aplicada e Sustentabilidade (PPGEAS/IFGoiano). Vice-presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica dos Rios dos Bois e Turvo e coordenador da Atividade “Segurança Hídrica” do projeto “Araguaia Vivo 2030” (TWRA/FAPEG).

Andriane de Melo Rodrigues: Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano (IFGoiano), Campus Rio Verde, e vice- coordenadora da Atividade “Segurança Hídrica” do projeto “Araguaia Vivo 2030” (TWRA/FAPEG). 

Alinne de Assis Veras Queiroz: Tecnóloga em geoprocessamento. Mestre em Engenharia Aplicada e Sustentabilidade (PPGEAS/IFGoiano) e bolsista do projeto “Araguaia Vivo 2030” (TWRA/FAPEG).

Celsio Assane: Engenheiro eletrônico e telecomunicações. mestrando em Engenharia Aplicada e Sustentabilidade (PPGEAS/IFGoiano) e bolsista do projeto “Araguaia Vivo 2030” (TWRA/FAPEG).

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