Se 94% dos eleitores defendem mais investimento na ciência, por que a promessa não dá votos?

Nesta quarta-feira, 15, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) divulgou o maior levantamento sobre a percepção pública da ciência no Brasil. A pesquisa aponta que o Brasil é um dos países onde a população declara ter maior interesse e otimismo sobre a ciência, e onde se defende que os investimentos públicos nessa área devem ser aumentados. Por que, então, o tópico é pouco debatido em eleições? Por que as universidades estão atualmente paralisadas por falta de financiamento? Por que políticos não arriscam apresentar projetos para financiar o conhecimento?

Nesta última pesquisa “Percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil”, 94% dos 1.931 entrevistados afirmaram que o governo deveria aumentar ou manter os investimentos em pesquisa, enquanto apenas 3% afirmaram que o estado deve diminuir investimentos. O número é expressivamente maior do que o dos levantamentos anteriores, feitos antes da pandemia. O último levantamento disponível era de 2019, quando 66% dos entrevistados declaravam que investimentos em ciência deveriam ser maiores; e 6% que deveriam ser menores. 

O dado revela que as campanhas de divulgação científica durante a pandemia foram eficientes em aumentar a consciência da população sobre o tema. Mesmo com a onda de desinformação e negacionismo que emergiu no mundo nos últimos anos, o período da pandemia foi marcado pela defesa da ciência como método para entender novos elementos do mundo, como o vírus da Covid-19, e para prescrever soluções, como a vacina.

A pesquisa

Em relação a 2019, houve aumento de 61% para 64,2% na quantidade de pessoas que se dizem interessadas por ciência — a porcentagem estava estagnada na casa dos 61% desde 2010. O número de brasileiros que conhece ao menos uma instituição de pesquisa aumentou de 9,6% para 17,9%. 

O dado é motivador, mas há nuances. Desde 2010, a porção de brasileiros que acreditam que a ciência só traz benefícios (66,2%) vem caindo — atualmente, 24,6% que acreditam que a tecnologia traz também malefícios. Energia nuclear, inteligência artificial e exploração espacial são as áreas consideradas mais ameaçadoras. Em parte, o dado é natural, e diz respeito ao medo do ser humano quanto ao desconhecido. 

Por outro lado, a ideia de “ciência perigosa” também pode ser explicada pela forma como os brasileiros se informam: 39,8% dizem se informar sobre ciência, tecnologia, saúde e meio ambiente pelo WhatsApp e redes sociais. Nestes meios de comunicação, o conteúdo é produzido pelos próprios usuários e os dados científicos podem ser tirados de contexto, instrumentalizados por pessoas mal-intencionadas ou forjados. 

Os veículos tradicionais de notícias (TV, jornais on-line e rádio) vêm em segundo lugar. Os jornalistas, que reportam pesquisas científicas nesses meios, entretanto, possuem um índice de confiança de apenas 0,18 (a escala vai de -1 à 1). Os livros, que talvez sejam o meio mais completo de se obter informações sobre ciência e tecnologia (C&T), nunca são lidos por 49,7% da população. Em relação a 2019, o índice de confiança nos cientistas caiu de 0,83 para 0,66. 

Porém, a pesquisa se torna preocupante quando aborda as crenças científicas dos entrevistados. Mais de metade da população (52%) acredita que as curas para o câncer foram escondidas do público por causa de interesses comerciais; 35,5% discorda que seres humanos evoluíram ao longo do tempo e são descendentes de outros animais; 35,2% concorda totalmente ou em partes que vacinas podem causar autismo. 

A interpretação

Todos nós sentimos o desejo de conhecer o universo que nos cerca. Escolhemos uma ou outra ferramenta disponível para fazer essa exploração, em geral na juventude. Alguns se guiam pela sabedoria tradicional, outros pelos dogmas religiosos, ou pela filosofia moral, e alguns ainda enxergam o mundo através da lente de ideologias políticas. Nenhuma dessas crenças exclui orientação no mundo pelas evidências científicas, mas todas as demais formas de conhecimento já estão disponíveis ao público, pois já possuem motivações próprias para serem disseminadas. Cientistas são os únicos que, além de fazer pesquisas, têm o trabalho de convencer os cidadãos que os financiam de que é uma boa ideia bancar seu sustento via Estado. 

O que realmente interessa na ciência é que este é o único método responsável por apresentar a forma como suas evidências são encontradas, e não apenas os resultados de suas pesquisas. Este é um fato crucial, que passa longe da ideia que o público tem do conhecimento. Pesquisas como “Percepção pública da C&T no Brasil” revelam que a população acredita que a ciência é um conjunto de fatos, nos quais se deve acreditar por conta da credibilidade dos pesquisadores. 

O debate sobre o financiamento das pesquisas — se deveria ser ampliado ou reduzido pelo Estado — ficará para outra oportunidade. O problema central apresentado pela pesquisa encomendada pelo MCTI é que, sendo o direito à informação uma garantia constitucional, o estado tem o dever de informar o que é o tal método científico. Sem que o público o conheça, será difícil convencê-lo de que a área deve ser prioritária.

É claro que a maior parte dos entrevistados afirmará querer mais investimentos em pesquisa — quem diria o contrário? A maior parte dos entrevistados também deve declarar querer mais investimentos em saúde, segurança pública… A razão pela qual a supostamente desejada valorização dos cientistas nunca ocorre de fato tem a ver com a percepção do retorno desses investimentos, que por sua vez está ligada ao desconhecimento do que cientistas realmente fazem. 

Com um entendimento utilitário da pesquisa (a ideia de que a ciência existe para nos dar serventias práticas), o financiamento da C&T será sempre flutuante — alto quando fundos sobram, mas o primeiro a ser cortado quando a situação aperta. Caso a ciência fosse apresentada a todos, ainda na escola, como alternativa para se orientar no mundo, sua valorização seria perene, segundo 64,2% dos entrevistados que se dizem interessados por ciência. Entretanto, sem que essa alternativa seja conhecida pela maior parte dos brasileiros, ela seguirá fora da lista de prioridades. 

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