Desafios da principal capital do agronegócio do centro-norte brasileiro

Adão Francisco de Oliveira*

Em pouco menos de uma década Goiânia se tornará uma cidade centenária. Nascida sob o signo de um Brasil que necessita se modernizar, ela representou o primeiro grande esforço de um artefato moderno, plantado simbolicamente no sertão do Brasil e articulando esforços do governo estadual com o governo federal brasileiro. Fruto da intenção do interventor em Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, de realizar um deslocamento geopolítico do poder da antiga Cidade de Goiás, sede política das “velhas oligarquias” goianas, a construção de Goiânia se tornou também um importante marco para o presidente Getúlio Vargas, que ambicionava realizar a integração do Centro-Norte brasileiro, o “grande sertão”, à economia nacional liderada pelo Centro-Sul.

Assim, erguida sobre um plano político-urbanístico, a nova capital do sertão marca uma nova era do Brasil, ditada pela ideologia nacional-desenvolvimentista do presidente que chegou ao poder pela Revolução de 1930. Anos mais tarde, em 1938, na terceira fase de seu governo (a primeira passagem de Vargas pela presidência durou 15 anos), ao lançar o programa da Marcha para o Oeste, Getúlio Vargas proclamava que “o verdadeiro sentido da brasilidade é o sertão”.

Neste contexto, o papel do sertão Centro-Norte (regiões Centro-Oeste e Norte) na divisão regional do trabalho era o de produzir alimentos que, primeiramente, pudessem abastecer o Centro-Sul (regiões Sudeste e Sul), focado na emergente produção industrial e em monoculturas de interesse do mercado externo, especialmente o café. Portanto, Goiânia tinha o importante papel de sediar, como um entreposto, as iniciativas estatais e capitalistas de montagem de infraestrutura no Centro-Oeste para uma nova fronteira do mercado nacional.

É importante registrar essa história porque ela nos dá a dimensão do significado e da importância de Goiânia nos contextos regional e nacional. No rol das realizações surgidas com o nacional-desenvolvimentismo de Vargas está também a sistematização das políticas de desenvolvimento regional, que encarnando pensamentos político-econômicos conjunturais, refletirão sobre o desenvolvimento urbano de Goiânia os seus efeitos. Tudo isso levou a que a cidade fosse crescendo extraordinariamente a cada década, especialmente a partir da passagem da de 1960 para 1970, quando os governos militares assumem a perspectiva de um desenvolvimento associado-dependente e com base em empréstimos do capital financeiro internacional ampliam a infraestrutura do sertão e o financiamento nacional para a produção de monoculturas, principalmente de soja. Logo, na década de 1980 Goiânia já se tornaria uma metrópole, recebendo gente, instituições financeiras, multinacionais do agronegócio, mas ao mesmo tempo organizando um paço industrial de transformação do produto primário, reforçando a sua economia e atraindo mais trabalhadores de outras partes do Estado de Goiás e do Brasil.

Nos últimos 40 anos, com a expansão da fronteira agrícola mais a oeste, a capital goiana, consolidada como metrópole, foi incorporando novas funções e representações para a satisfação do capital mobilizado pelo agronegócio. Este ramo da economia articula a produção industrial urbana de máquinas, equipamentos, implementos e insumos de alta tecnologia em grandes cidades dos EUA, Europa e Ásia e a produção de monocultura de commodities para exportação em grandes extensões territoriais com baixa absorção de mão de obra no Brasil. Parte do excedente de capital gerado nessa cadeia produtiva precisa alimentar novas frentes de investimentos e é nesse momento que o capital imobiliário se torna um escape para a produção de mais capital. Por trás de toda essa cadeia produtiva, reina o capital financeiro (internacional), que movimenta todas as frentes de produção.

Nesse sentido, Goiânia teve a sua paisagem geográfica sucessivamente transformada nos últimos 40 anos em função da conversão de renda do capital agrário-exportador em capital imobiliário, desenvolvendo primeiramente uma verticalização centralizada do espaço de alto, médio e baixo padrões e, depois, isso se descentraliza na cidade. Em seguida, o desenvolvimento de condomínios horizontais de alto padrão nas franjas da Goiânia para, logo depois, incorporar também empreendimentos de médio e baixo padrões. Para corresponder aos novos espaços imobiliários produzidos na capital, altera-se toda a infraestrutura do entorno desses empreendimentos, assim como surgem novos espaços de comércio, serviços e lazer.

Com isso, somou-se às indústrias de transformação primárias existentes na cidade a indústria da construção civil, fortalecendo o atrativo de trabalhadores e o processo migratório para a capital, além de fortalecer também a economia urbana e a transformação geográfica. Sobre essas balizas Goiânia chegou aos seus 90 anos de idade com enormes desafios. Nessa trajetória, os projetos políticos que visaram atender primeiramente às necessidades de reprodução do capital ignoraram ou secundarizaram as alteridades sociais: no campo, se produziu a desterritorialização de indígenas, quilombolas, camponeses, ribeirinhos e extrativistas; na cidade, notadamente em Goiânia, se segregou os trabalhadores de baixa renda e se confinou os pobres em espaços desconexos da infraestrutura e dos serviços urbanos.

Em 2021 um estudo da FGV mostrou que Goiás era o 5º estado do Brasil com maior aumento de pobreza, sendo que em Goiânia e região metropolitana, segundo o Boletim Desigualdade nas Metrópoles, do Observatório das Metrópoles, houve um aumento de 80% na extrema pobreza nesse período. Não distante disso, em 2023 estudo da ONU apresentou Goiânia como a capital mais desigual da América Latina com a maior concentração de renda, em que pese estudo do Instituto Cidades Sustentáveis apresenta-la em 9º lugar no ranking das capitais brasileiras com maior desigualdade social.

Um dos resultados desse quadro de intensas desigualdades sociais é o crescimento da economia da violência, expressa de formas variadas no tecido social da cidade. Nos últimos anos, notícias veiculadas em jornais e portais de notícias regionais registram o aumento de operações policiais combatendo facções criminosas que operam o tráfico de drogas em Goiânia. Em algumas situações, as organizações se utilizam de torcidas organizadas para dissimular o negócio; em outras, a cidade funciona como um corredor para a distribuição horizontal de entorpecentes no território nacional; e há ainda as situações em que Goiânia é a ponte para o tráfico internacional, no que se alia aqui o tráfico de mulheres também. Goiânia se tornou ainda, a partir do setor de autopeças, receptora de peças de veículos roubados e furtados em outros estados, principalmente São Paulo.

A economia da violência também se articula aos dois circuitos da economia urbana, o inferior e o superior, sendo que no primeiro caso ela se expressa de forma tradicional nos bairros periféricos da cidade e no segundo caso ela agrega tecnologia e sofisticação, como o uso de aeronaves, a lavagem de dinheiro com grandes negócios de fachada e também a participação na reprodução do capital imobiliário de alto padrão.

Logo, dentre as grandes preocupações que o próximo gestor e o conjunto de legisladores da metrópole do agronegócio do Centro-Norte brasileiro precisarão ter é em fazer uma melhor articulação federativa com os governos estadual e federal, visando à redução das desigualdades socioterritoriais, com mais políticas de emprego, assistência social, saúde, moradia, infraestrutura e serviços urbanos e transporte público humanizado. Da mesma forma, é preciso combater o crime organizado e a sua economia da violência com mais integração das polícias, serviço de inteligência e desarticulação das redes criminosas, que são alimentadas de cima para baixo. Isso implica em desmontar primeiro o circuito superior da economia da violência, que alimenta o crime nas bases sociais, e assim se agir com menos ostensividade voluntária contra os grupos marginalizados da sociedade.

A metrópole do agronegócio do sertão precisa estar atenta também às mudanças climáticas, ao cumprimento da legislação ambiental e à sustentabilidade urbana. É preciso desconcretizar a cidade e torna-la mais verde e arborizada, garantindo a permeabilidade das águas das chuvas, o reforço dos lençóis freáticos e a ambiência urbana.

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*Adão Francisco de Oliveira é historiador e sociólogo, doutor e pós-doutor em Geografia, coordenador do Observatório de Políticas Territoriais e Educacionais (OPTE-UFT) e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles – núcleo Goiânia.

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